AS NOIVAS

AS NOIVAS

O coletivo parou no ponto, dentre os vários que existiam nas avenidas centrais da cidade. Sônia desceu no que ficava próximo ao seu emprego, uma farmácia, na qual ela exercia a função de atendente. Por ser pontual, era ela quem abria o estabelecimento comercial às oito horas, localizado em frente a uma praça bem movimentada. A segunda-feira amanheceu chuvosa, mesmo sem ser ainda inverno, mas o final de outono se aproximava, revelando os primeiros indícios de como seria o período invernoso. Em pouco tempo os outros empregados também chegaram, e não havia um que estivesse sem agasalho, uma vez que, junto com a chuva, o vento frio também prevalecia no tempo nublado, obrigando os ambulantes a cobrirem com lonas os produtos que vendiam, se não quisessem vê-los espalhados sobre o asfalto molhado, pela ação afoita do vento que, da mesma forma, adentrava audaz no interior das lojas, além de forçar as pessoas a se amontoarem encolhidas sob as marquises dos edifícios comerciais.

Sônia morava com a mãe, que já era aposentada como professora de magistério. Tinha dois irmãos mais velhos que já estavam casados. Quando ela, a filha caçula, contava dez anos, o pai separou-se da mãe, foi embora e nunca mais se teve notícia dele. Anos depois, a mãe, que foi cuidando dos filhos sozinha, não se ocupou em saber sobre o paradeiro do ex-marido, nem ele também a procurou, assim, a separação do casal, até então, não se oficializou. Sônia, desde pequena que tinha preguiça pra estudar. A mãe, mesmo sendo professora, lutou muito pra que ela concluísse pelo menos até o segundo grau. E foi o que ocorreu. Ainda insistiu mais um pouco, aconselhando-a a fazer uma faculdade, mas ela não quis mais saber de estudar. Agora adulta, com vinte e um anos, optou pela vida prática. Espalhou uns currículos pela cidade, e conseguiu ser admitida numa farmácia como atendente, afinal, precisava manter-se. A animação que lhe faltava pra estudar, no entanto, a tinha em demasia pra trabalhar. Atendia bem os clientes com educada desenvoltura e se tornou em um ano, a principal vendedora da farmácia.

Loura, esbelta, bonita, do tipo espevitada, era de se esperar que a animação de Sônia não fosse só no trabalho. Durante a semana, ela se dedicava com inata habilidade ao emprego, do qual recebia o provento para sustentar-se. Dava um pouco à mãe pra ajudar nas despesas, separava a metade do que lhe cabia pra pagar o vale transporte, uma vez que a outra metade, cabia a empresa pagar, separava também a metade do valor da refeição do meio-dia que fazia no restaurante popular, já que a empresa, da mesma forma, pagava a outra metade, e o que lhe sobrava, gastava com as coisas pessoais, incluindo gastos com diversos lazeres, porque, sendo extrovertida e patusca, fazia muitas amizades com jovens de sua idade, indo com frequência em barzinhos, shows, aniversários, shoppings, praia, etc... Na verdade, Sônia era uma jovem inquieta, disposta, saudável e com muita vontade de viver a vida. A vida carnal que sentia pulsar-lhe nas veias, nas quais o sangue fluía com abundância de fluido vital, estimulando-a em consumir toda essa energia orgânica em suas ações diárias.

Por ser assim, era natural que a sua casa fosse bem frequentada por rapazes e moças que faziam parte do seu círculo de amizade. Quando ela saltava do coletivo na praça do bairro que morava, na boca da noite, após o laborioso dia de serviço, antes de chegar em casa, já interagia com algum amigo ou amiga que encontrasse no trajeto, combinando um bate-papo em casa ou na praça com toda a patota jovem. D. Márcia, a mãe, apesar de se preocupar um pouco com o jeito expansivo da filha, achando inclusive que ela saía demais com os amigos para as diversões, expondo-se à vida mundana tão violenta e cheia de vícios, quando poderia recolher-se mais em casa pra descansar, dedicando-se à leitura, à meditação, à edificação do espírito, mas também, reconhecia que a filha era bem responsável, sendo pontual e aplicada no emprego, lhe ajudava nas despesas, e, pelo que lhe parecia, mesmo gostando da patuscada, ela não fumava, não bebia, nem se drogava e até então, ainda não havia lhe apresentado nenhum namorado. Por essa avaliação acerca da filha caçula, a mãe, mesmo preocupada em alguns momentos, sentia um certo alívio, pelo fato da filha ser ajuizada.

Sônia, no entanto, para alegria da mãe, casualmente ia com ela à missa no domingo pela manhã, na igreja localizada em frente à praça do bairro. Ia mais pra acompanhá-la, que às vezes sentia-se solitária em sua vida de aposentada, do que, por interesse próprio, seguir a prática religiosa. Há pessoas que, por falta de uma compreensão espiritual mais profunda, não se importam em conhecer-se como espírito, em interiorizar-se, em entender que a vida não é só o exterior do corpo com as suas vivências materiais momentâneas, sem atentar à vida distinta da alma que habita dentro de si, cujo objetivo é, além de intelectualizar o corpo físico, manifestando-se através deste nas ações diárias, mas sobretudo, de cumprir um ciclo evolutivo paulatino que vise a depuração da existência espiritual eterna. Pelo visto, Sônia parecia não se interessar, pelo menos por enquanto, em seguir os virtuosos caminhos que a levassem ao exercício da espiritualidade. Na presente instância, só o trabalho e o lazer lhe apraziam a jovem vida.

Após um dia de sábado atarefado em seu emprego, Sônia chegou em casa debaixo de chuva, que apenas diminuía mas não cessava, e quando o tempo estava chuvoso ela não se arriscava em sair pra canto nenhum. Mesmo assim, uma ou outra amiga que morasse por perto a visitava, querendo saber de alguma novidade que estivesse ocorrendo. Contudo, naquela noite de sábado pluvioso, ninguem apareceu pra papear com ela como habitualmente o faziam. D. Márcia gostava quando Sônia ficava em casa e os seus amigos, por algum motivo, como o daquela noite chuvosa, a deixavam de vê-la, pois tinham a oportunidade rara de um ou dois dias ficarem juntas por mais tempo, quando então, colocavam o papo doméstico em dia, traçando alguns planos pessoais, ou simplesmente retomando a harmonia afetiva que sempre houve entre mãe e filha.

D. Márcia conversou bastante, incluindo alguns lamentos que se sentia só, que Sônia não a abandonasse tanto, preferindo ficar mais tempo com os amigos do que com ela, que não se importava dela estar com os amigos, mas que também lhe desse um pouco mais de atenção, uma vez que os seus irmãos já estavam casados e se ocupavam com as suas famílias, e só de vez em quando vinham visitá-los, porque moravam em cidades diferentes com uma certa distância dali. Sônia compreendeu a mãe, confortou-a com palavras e gestos de carinho, prometendo lhe dá mais atenção. E as duas ficaram ali sentadas no sofá, abraçadas durante algum tempo, deixando que as lágrimas fluíssem espontâneas pelas faces, movidas por forte emoção. Depois, D. Márcia, mais refeita da emotividade, beijou a filha, dizendo-lhe que ia dormir. Já era tarde da noite. A chuva continuava a cair. Fazia frio. Sônia foi no quarto e voltou envolta num cobertor. Ao contrário da mãe, não sentia sono. Na TV passava um filme qualquer, que não lhe despertou interesse. Preferiu pensar em sua vida no silêncio do lar, alheia ao ruído da chuva e ao som da TV.

A chuva foi contínua no fim de semana, obrigando as pessoas a se recolherem em seus lares. Porém, a segunda-feira amanheceu ensolarada. Quando Sônia acordou, já encontrou a mesa posta por D. Márcia, para que pudessem tomar o café da manhã. Depois de pronta, sentou-se à mesa com a mãe e ambas ficaram ali por alguns instantes, aprazendo-se com a primeira refeição do dia, sentindo-se mais unidas pelos laços afetivos domésticos, em meio a brisa fresca que adentrava (naquelas primeiras horas matutinas) pela porta aberta da frente da casa, após a qual, uma ampla varanda se descortinava, repleta de uma variedade de plantas em vistosos e bem cuidados caqueiros. Sônia despediu-se da mãe e caminhou até a praça do bairro pra pegar o coletivo. Agora no emprego, desenvolvia como de hábito, a sua função de atendente. No meio da manhã, um homem aparentando entre vinte e cinco e trinta anos, entrou na farmácia e a escolheu pra ser atendido. Após vender o anti-gripal que ele pediu, ambos, sem saber por que, se admiraram sorridentes movidos por súbita atração física, brotando entre eles, uma forte vontade de se verem de novo.

Sônia passou o dia todo trabalhando, mas sem deixar de pensar na sintonia afetiva, na paixão repentina que parecia motivá-la a querer encontrar-se com aquele homem novamente. Embora gostasse de fazer amizade com rapazes e moças, Sônia, entretanto, não se interessava em namorar com alguém do sexo oposto. Desde menina pré-adolescente que ela mantinha uma forte amizade com Eduarda, desde que esta se mudou pra morar na mesma rua de sua casa. Com o tempo, perceberam que podiam ser mais do que amigas e uma louca paixão brotou entre elas. Assim, até então, bem conscientes de serem lésbicas, jamais pensaram em separar-se, em desfazer a fiel relação amorosa tão unitiva. D. Márcia não via com bons olhos a relação homossexual da filha com a amiga. Preferia, claro, que ela namorasse um homem e não uma mulher. O preconceito lhe predominava na consciência, achando, inclusive, que essa anomalia sexual era inconcebível em seu tempo de namoro. Mas enfim, mesmo não gostando, era forçada a aceitar as mudanças de conduta conforme os avanços do meio social em que vivia.

Antes de chegar em casa, Sônia passou na casa de Eduarda pra saber se ela já havia chegado do seu emprego. Bateu na porta, chamou pelo seu nome e logo Eduarda apareceu, lhe exibindo como sempre um largo sorriso. Sônia também lhe sorriu meio sem graça, mas deixou-se ser abraçada e beijada pela namorada, que, ao afastar-se um pouco, viu-lhe fluírem nos olhos alguns lacrimejos.

- O que houve, Sônia, está com algum problema sério?

- Sério, não, Eduarda, mas ocorreu algo hoje que me preocupou...

- Não temos segredos entre nós, você quer me contar? O que a preocupa?

- Agora não. Daqui a pouco você vai lá em casa e conversaremos...

- Está bem.

Eduarda jantou rápido. Estava apreensiva, pensando no que Sônia teria pra lhe contar. Será que surgiu alguém novo em sua vida? Só indo lá pra saber... Saiu quase correndo de casa, direto pra casa da namorada, e quando lá chegou, se deparou com D. Márcia que tomava fresca sentada na varanda à frente da casa.

- Olá, D. Márcia, boa noite, Sônia está em casa?

- Sim, Eduarda, pode entrar.

Ao entrar, Eduarda viu Sônia sentada no sofá da sala, que ao vê-la, levantou-se mostrando alegria pelo sorriso largo de jovem enamorada. Logo pegou Eduarda pela mão, levando-a ao seu quarto. O quarto de Sônia não era tão amplo, mas tinha o espaço suficiente pra lhe caberem uma cama e um guarda-roupa, ambos para casal. Além de uma cômoda com uma TV sobre ela e uma pequena mesa-estante na qual lhe preenchiam uma cadeira, um PC e alguns poucos livros. A ventilação ocorria pela janela que se abria para a área lateral livre da casa. Tão fascinada, Eduarda correu o olhar por aquele recinto íntimo confortável, no qual deu início à sua relação de amor com Sônia, e que, até então, nada parecia impedir que continuassem juntas... Muito à vontade sobre a cama as duas amantes se olhavam, se acariciavam, se abraçavam e se beijavam loucamente. O instante excitante do amor mútuo é sempre mágico, onírico, sublime. Os corpos amantes se arrepiam, se desnudam, se tocam, se entrelaçam, se interpenetram, e por fim, se satisfazem, jorrando em suas grutas sexuais, o gozo delicioso do líquido amoroso. Após o clímax, em meio a sensação agradável dos jovens corpos femininos extenuados, Eduarda quebrou o silêncio, indagando a Sônia, quase num sussurro:

- Então, minha amável loura, que bela surpresa! Era isso que você queria me contar, ou melhor, me oferecer, este tão gostoso momento de amor entre nós?

- Era isso sim, minha morena deliciosa. Estava com muita saudade de você, apesar de nos vermos todos os dias. Você sabe que eu te amo demais e jamais vou deixar de te amar.

Sônia alisava os cabelos pretos e longos de Eduarda, que faziam contraste com a sua pele branca, ao contrário dos dela, que eram louros, mas que realçavam menos em sua pela também branca. Eduarda lhe retribuía o carinho. Sabiam que havia entre elas, mais do que uma forte atração carnal, pois muito mais do que isso, sabiam que os bons sentimentos que as uniam, faziam com que o amor espiritual prevalecesse na sólida relação afetiva.

- Meu amor, tem uma coisa, no entanto, que quero lhe contar - disse Sônia, pondo as mãos de Eduarda entre as mãos dela.

- Agora, sim, você vai me falar sobre o que a preocupa...

- Sim, mas depois do que lhe disser, não pense que vamos nos desunir, nos afastar, desistir do nosso amor...

- Fale logo, Sônia, sem rodeios, não vê que agindo assim, me assusta?

- Você sabe o quanto gostamos de fazer amizade, sem distinção. Temos um monte de amigos de ambos os sexos. E os nossos amigos e amigas sabem e aprovam a nossa relação homossexual... Hoje pela manhã entrou um cliente na farmácia e eu o atendi. Um belo rapaz, por sinal, aparentando vinte e cinco, trinta anos... Após vender o que me pediu, um anti-gripal, nos olhamos e nos admiramos, talvez mais por gentileza mútua do que por uma possível atração carnal...

Eduarda, um pouco nervosa, a interrompeu, lhe indagando?

- Você tem dúvida sobre o que sente por mim, Sônia? Quer experimentar uma relação heterossexual?

- Não, meu amor, não se trata disso. O sentimento de amor que sinto por você é verdadeiro. Você me fez descobrir que gosto de mulher e não de homem. Me lembro bem, quando você se mudou pra essa rua, ainda éramos meninas pré-adolescentes e logo fizemos amizade, que, pouco a pouco, se transformou numa louca paixão, num louco amor... Éramos virgens, e nem precisamos de homem pra perdermos a nossa virgindade. Decidimos perdê-las entre nós, pela força de nossa paixão, de nosso amor...

- E então, se você não tem dúvida, o que quer, de fato, me esclarecer? - perguntou Eduarda, mais aliviada.

- O que quero lhe dizer é que, vamos continuar cultivando as nossas amizades, e fazermos outras, se for o caso, como a desse rapaz que apareceu hoje na farmácia... E o mais importante: ele me despertou, não só o sentimento de amizade que tenho pelas pessoas, que é também uma forma fraterna de amar o próximo, mas também, a grande paixão, o sentimento de amor profundo que sinto por você, minha querida Eduarda... E pra acabar com essa dúvida, eu quero, de comum acordo com você, oficializarmos a nossa relação amorosa...

- Então, quer dizer... que você quer que fiquemos noivas, meu amor, você que se casar comigo, e vivermos juntas pra sempre?

- Sim, minha amável morena, não tenho nenhuma dúvida quanto a esta minha decisão. E você, também quer?

- Claro que quero, minha amável loura! É o que mais quero na vida, ter você pra sempre, como minha companheira, e lhe prometo ser fiel a vida inteira.

E as duas almas afins, como habitantes interinas em jovens corpos femininos, quebrando regras e preconceitos religiosos e sociais, se abraçaram emocionadas, pela inovadora decisão que acabavam de tomar.

Uma semana depois, com o dia já quase às escuras, Sônia ia saindo do emprego, e se dirigia ao ponto pra pegar o coletivo, quando viu um veículo parar do seu lado, abordando-a:

- Olá, moça bonita da farmácia, quer uma carona?

Um tanto surpresa, ao reconhecer quem dirigia o carro, mesmo assim o agradeceu, dizendo-lhe que preferia pegar o coletivo... Mas o homem insistiu, lhe indagando se não o reconhecia?

- Por acaso, não está me reconhecendo?

- Sim, estou. Você não é o cliente que outro dia o atendi na farmácia?

- Acertou - disse o homem com um largo sorriso.

- E aí, ficou mesmo bom do resfriado?

- Fiquei. Mas como gosto de tomar uma cervejinha gelada na saída do banco, fico com a sensação de que o resfriado quer voltar.

Saindo do veículo, o homem se apresentou:

- Eu me chamo Marcelo e sou bancário.

- Me chamo Sônia e o que sou, você sabe, né?!

- Claro.

- Ele só não sabe a outra coisa que sou.

- O que disse?

- Nada. Só falei algo baixinho pra mim mesma. - respondeu-lhe Sônia, sorrindo.

- Agora que nos apresentamos, posso convidá-la a tomar uma cerveja aqui perto num barzinho sossegado?

- Talvez, um refrigerante, enquanto você toma a sua cerveja, mas depois eu preciso ir.

- Tá bom.

Ambos entraram no veículo e logo estavam diante de um barzinho que ficava em frente a uma das praças no centro da cidade. Ao saírem do veículo, se sentaram numa das mesas. Em pouco tempo, o garçon veio atendê-los.

- Sabe, Sônia, eu gosto de fazer amizades. Sem distinção. Pode ser homem ou mulher. Somos seres humanos e devemos interagir uns com os outros. O meio social exige isso. E a amizade, em minha opinião, é a melhor forma de amar-nos, embora as pessoas hoje em dia não sejam confiáveis, devido à própria imperfeição da alma humana, mas só pela interação sócio-afetiva, creio, é que aprendemos uns com os outros, é só transmitindo o melhor de nós para os outros, é só aprendendo com as lições de vida através do servir espontâneo, para que as virtudes predominem sobre os defeitos, que nos melhoramos, que podemos viver na paz, na harmonia sem temermos o nosso semelhante.

Sônia olhou-o com admiração, pois era exatamente assim que ela pensava.

- Pelo visto, Marcelo, você é bem consciente com relação aos valores morais que devem ser aplicados em nosso dia-a-dia, que servem de parâmetro ao nosso bem-estar, à melhoria das relações sociais...

- Sim, Sônia! Tenho convicção de que vale a pena o útil esforço, a boa vontade de se trilhar pelo caminho virtuoso da existência. Sabemos que o nosso evoluir é lento, que muitas vezes estagnamos nos avanços, mas jamais devemos desistir, uma vez que, após o descanso reflexivo com as forças restabelecidas, no passo a passo, de degrau em degrau, alcançamos o nosso aprimoramento moral.

Marcelo fez uma pausa, tomou um gole de cerveja mais demorado e tornou a falar:

- Sônia, minha amiga, eu falo essas coisas, não pra defender dogmas, mas porque está na Lei Natural e Moral de Deus, e é dever nosso, mesmo o próprio Deus respeitando o livre-arbítrio que Ele nos deu, avançarmos em cada etapa evolutiva, visando sempre a nossa depuração interior que vai nos conduzir paulatinamente, à nossa pureza espiritual.

Ouvindo Marcelo falar daquela forma tão consciente, lhe esclarecendo aspectos da vida espiritualizada, que lhe parecia isentos de preconceitos, Sônia criou coragem e lhe indagou:

- O que você acha da relação homossexual?

Marcelo olhou-a surpreso, como se não esperasse a pergunta sobre assunto tão delicado naquele momento, mas tentou lhe responder:

- Olha, Sônia, não é fácil falar de homossexualidade porque, como você sabe, as pessoas ainda são preconceituosas. Como eu não sou, até porque, eu sou homossexual, assim, dou a minha opinião de forma livre e espontânea.

- Bem emocionada, Sônia lhe confessou:

- Eu também sou.

Marcelo tornou a se surpreender e sorrindo, lhe indagou:

- É mesmo, e por que então a pergunta?

- Porque é bom, agradável a gente conversar com pessoas esclarecidas e sensatas, principalmente quando se trata de assuntos polêmicos, preconceituosos...

- É verdade, amiga... Olha, o que tenho a lhe dizer é o seguinte: o debate sobre este assunto é amplo e são muitas as opiniões convergentes e divergentes, ou seja, a favor e contra. Como eu sou a favor, acho que, temos que experimentar pelas lições de vida, o que for necessário pra nossa evolução. A Lei de Deus diz que o homem e a mulher se unem visando a procriação e para aprenderem a se amar pela interação dos bons sentimentos. Porém, o amor, é um bem sentimental universal, e o seu exercício independe de gênero sexual. Quanto à procriação, mesmo sendo básica, é uma decisão do casal. No início dos tempos, a Terra precisava ser habitada, nesse caso, era necessário povoá-la. Se você observar hoje, há muita procriação irresponsável e há também muita criança pra ser adotada sem conseguir pais adotivos. Com o alto índice de imoralidade que ainda há no mundo, gerando dificuldade de convivência social, fica cada vez mais difícil, mais inviável a procriação. A homossexualidade tem a ver com o carma do espírito e com a disfunção hormonal do corpo físico que ele (o espírito) vai habitar. Em qualquer relacionamento, seja hétero ou homo, o essencial é que o amor, o respeito e a consideração sejam a força sentimental benévola que una, que mova, que conduza o casal à harmonia afetiva. Enfim, acho que, precisamos essencialmente amar-nos, pra nos edificarmos, seja numa relação fraterna de amizade, ou numa relação conjugal. Não é a relação hétero que faz com que as pessoas se livrem dos defeitos, das dificuldades convivenciais, e sim, mediante a afinidade, o equilíbrio das qualidades morais na relação afetiva. Independente do prazer carnal, ou da forma como se alcança esse prazer, o fundamental na união hétero ou homo, é o profundo amor que deve existir entre almas comprometidas com o seu bem-estar interior, com a sua elevação moral.

- Puxa, Marcelo, que legal, meu amigo... Depois destas bem colocadas explicações sobre variados assuntos existenciais, inclusive este da homossexualidade, que tanto nos interessa no bom sentido, não tenho palavras pra lhe agradecer pelo bom e proveitoso bate-papo, através do qual, iniciamos a nossa valiosa amizade. Espero que possamos nos ver mais vezes, eu e a minha namorada...

- Ah, sim, você tá se relacionando com alguém?

- Sim, meu amigo, desde a pré-adolescência com a mesma parceira... Em breve vamos noivar e depois casar. E você, claro, tá convidado, viu?

- Com certeza, amiga, vou estar, sim, na cerimônia junto com o meu namorado...

- Hum... Quer dizer que você também já tem o seu amor, né?

- Tenho sim, é um pouco ciumento, não quer que eu faça muita amizade, se ocupa mais com a vida materialista, mais dá pra ir levando... Como eu gosto de estudar e vivenciar a espiritualidade, tomo a iniciativa de manter na relação esse equilíbrio existencial, com muita paixão, com muito amor, claro.

- É isso, meu amigo, vamos vivenciar a nossa felicidade conforme a nossa vontade, absorvendo e semeando em nosso próximo, o amor, como o bem maior em nosso coração, em nossa consciência. Já tá chegando a minha hora, preciso ir. Grato, pela sua amizade. Fica com Deus.

- Fico-lhe grato também, amiga. Vai com Deus.

O diálogo com Marcelo, motivou Sônia de várias formas, uma delas, foi a vontade de voltar a estudar. E passou essa mesma motivação pra Eduarda. Assim, ambas fizeram um cursinho preparatório e depois foram aprovadas no ENEM. Sônia, pra fazer o curso superior de farmácia, e Eduarda, de pedagogia.Trabalhavam de dia e estudavam à noite. O noivado ocorreu entre as duas, nas férias do primeiro ano de faculdade. No segundo ano, nas férias, elas se casaram. Pra evitar maiores despesas, evitaram viajar na lua-de-mel e Sônia sugeriu a amada esposa, que morassem, por enquanto, na casa dela, com D. Márcia, pois não queria deixar a mãe só, uma vez que Eduarda ainda contava com a presença dos pais em sua casa. Eduarda concordou e certamente elas puderam seguir com as suas vidas matrimoniais bem unidas e bem felizes.

Escritor Adilson Fontoura

E-mail: adilsonfontoura9@gmail.com

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 08/06/2017
Reeditado em 14/10/2021
Código do texto: T6021788
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