Amor e poesia
Thiago é aspirante a chefe de um Departamento numa grande empresa de tecnologia em Alphaville e, por essa razão, mais distante fica das poucas conversas que rolam no cafezinho ou até mesmo no fumódromo. Tem a impressão de que as pessoas mal se comunicam e, se assim o fazem, dificilmente se dirigem a ele. Anseia transformar todo esse cenário em algo compensador, onde ele possa expressar toda a sua sensibilidade que anda guardada há anos.
Dirige pela Avenida Paulista em direção ao Paraíso, ao som de Mariah Carey, num trânsito caótico. A música o inspira. Pensa no tempo que perde naquele trânsito após longos e desgastantes horas de trabalho há mais de cinco anos.
Em frente à Casa das Rosas resolve parar e estacionar. Sempre tivera curiosidade de conhecer aquela enorme mansão que tantas histórias deve ter abrigado. Em frente uma faixa: “Sarau Poético hoje às 20h”.
Coloca o carro no estacionamento mais próximo, caminha mansamente até a entrada da Casa e avista, pela enorme porta, um amontoado de gente lá dentro. Entra e percebe que é um Sarau Poético muito descontraído. No pequeno palco há um microfone e dele se vale qualquer pessoa que queira recitar, ler ou mesmo dissecar sobre poesia. Sentou-se em uma das poucas cadeiras que restavam e alí ficou por mais de uma hora, absorvendo a magia de um lugar tão encantador. Sentiu vontade de recitar uma poesia de Cecília Meireles, mas teve vergonha de expor-se frente aquele público que, certamente, já vivia naquele mundo há muito tempo, o que não era o seu caso. E na cadeira ficou.
Começou a sentir-se leve, tão leve como, quando na adolescência, participara de uma peça de teatro e, ao final, não acreditou que tinha desempenhado o papel principal. Absorto em pensamentos e, paralelamente de olhos fixos nas apresentações, não se deu conta quando o chamaram para o palco como “o cara da camisa listrada de azul”. Meio sem jeito levantou-se e foi conduzido por uma senhora de meia idade até o microfone. Envergonhado ousou saudar os presentes e comentar sobre o acaso ao qual tinha se inserido. Tomou fôlego e iniciou a poesia quando, no meio, travou. Baixou a cabeça e, ao levantá-la, a senhora de meia idade postou-se ao seu lado e a finalizou com tamanho encantamento que os presentes levantaram para saudá-los.
Foi então que Thiago, de mãos dadas com a senhora, prometeu para sí que, afora o trabalho, dedicaria um tempo à literatura, já que tamanho prazer fazia muito tempo que não sentia. De imediato veio-lhe à lembrança a sua adolescência em Jaboticabal e o prêmio recebido na aula de Literatura. Havia escrito uma crônica sobre a sua relação com a família. Desde aquela época, em função dos estudos e trabalho, nunca mais ousou escrever algo que pudesse publicar ou mesmo guardar, embora os livros tenham sido sempre os seus melhores companheiros. Pensou que a sua decisão poderia combinar perfeitamente com a solidão que sentia nos últimos anos.
Na semana posterior, no mesmo local, matriculou-se em uma Oficina Literária. Pretendia fazer a sua iniciação da forma correta, já que até então nunca havia arriscado nada nesse sentido. Além da ausência de risco, sabia que o seu português era péssimo, tinha grande dificuldade de expressão e certamente teria muita dificuldade para “engatar-se” nesse ambiente. O seu ambiente sempre fora de bytes e gigabytes.
Na matrícula conheceu Patrícia, mulher de olhos claros e negros. Com uma simpatia ímpar atendeu-o e explanou todo o processo da Oficina, informando que ele poderia contar com toda a sua ajuda, já que ela era a ministrante. Thiago, como há muito não fazia, olhou-a fixamente e, em meio ao olhar, sentiu um frio na espinha. A sensação era de que um sentimento estranho estava dominando-o, bem como a sensação de que aquele momento poderia ser o início de um recomeço de vida em vários sentidos.
Subitamente o celular de Patrícia tocou e ela atendeu-o em tom caloroso falando: “Ôi amor, ainda estou na Casa das Rosas.” Tudo tão natural que Thiago ficou desconcertado, tão desconcertado que nem mesmo a sua dificuldade de expressão se sobrepôs ao contexto. Baixou a cabeça e seguiu pelo corredor de entrada, atravessou o portão e chegou na Avenida Paulista para respirar. E como respirou!
A noite estava bonita, as luzes se cruzavam por entre a avenida e ele decidiu beber um café em uma Cafeteria próxima dalí. Pegou um jornal para ler mas não conseguiu concentrar-se. Aquela casa tinha mexido com ele. Parecia estar enfeitiçado para mudar de vida ou, pelo menos, para dar um pouco de vida para a sua vida. Um desconforto casual como o que ocorrera não poderia deixá-lo daquela maneira. Foi então que pensou que, por buscar tão instantaneamente as suas paixões, sempre se dera mal nos últimos anos. A falta de tempo e, consequentemente, a falta de auto-conhecimento, o fizeram uma pessoa imediatista, tão imediatista a ponto de “pensar” que já estava apaixonado por Patrícia. Após o café encaminhou-se para o outro lado da avenida onde avistou uma Choperia. Lá tomou um, dois, três ... inúmeros chopps. Ziguezagueou na saída e um dos garçons resolveu pegar o seu celular a fim de ligar para algum familiar para buscá-lo. De quebra Thiago enfureceu e decidiu ficar na rua, fora da Choperia após o seu fechamento, como se mendigo fosse.
Maio.2017