Outros (im)Possíveis Mundo
- Quando isso aconteceu?
- Na aula de poesia.
Virgínia tem quinze anos e está apaixonada pelo seu jovem professor de literatura. Na primeira vez que ele ouviu seu nome, falou para ela sobre Virgínia Woolf. E desde esse dia, Virgínia não parou de ler Woolf. Carlos tem trinta anos e por ser jovem e carismático, costuma despertar algumas paixões juvenis. Ele já está acostumado com isso, mas Virgínia é diferente. Ela é doce, sonhadora e sincera. Carlos é casado e ama a esposa, mas Virgínia sempre mexe com seus sentimentos. Talvez por que Virgínia ame a literatura, coisa que não encontrou na esposa. No início, Carlos pensou que passaria, mas o interesse da jovem pela obra de Woolf e as construções literárias que criava a partir da leitura da escritora, maravilhavam Carlos. A admiração virou paixão e a paixão começa a flertar com o amor. Na verdade, Carlos estava gostando muito dessa paixão literária. Virgínia não saía de sua cabeça. Muitas vezes, em seu escritório, entrava em verdadeiro transe pensando na jovem. Mas quando lembrava de sua idade sentia vergonha, sentia-se imoral. Porém, depois algumas perguntas sussurravam sua mente: “Amar é imoral?”, “O desejo deve respeitar idades, paradigmas?”.
- Ele sabe disso?
- Eu sei que ele sabe. Sei pelo seu olhar. Ele me olha como se quisesse me confessar algo.
- Então, você se acha correspondida?
- Sim, tenho certeza. Ele também me deseja. Mas quando penso em sua idade me entristeço. Não poderemos ficar juntos nunca nesta vida, nesta situação que estamos presos. E ele é casado.
- Sei. Olha, Virgínia, isso pode ser passageiro…
- Não, não é. É amor. E o amor nunca é passageiro.
Certa vez lancharam juntos no intervalo. Ela comia um salgado com coca-cola e ele um hamburguer. Conversavam sobre livros. Ele dizia que amava a literatura russa e ela começou a ler Tchekov. Ele recitava Goethe e ela o ouvia admirada.
- Que tal montarmos uma peça de Shakespeare?
- Seria ótimo, professor!
- Romeu e Julieta?
- Sim, vou falar com a turma e o senhor fala com a direção.
Em casa, depois do jantar, Virgínia costumava conversar com seu pai. Seu pai não era um acadêmico diplomado, mas amava os livros. Ela entendia que a paixão literária vinha dele, mas o despertar vinha de Carlos. O pai plantou a semente e Carlos a floresceu. O pai tinha quarenta anos, Carlos tinha trinta, os anos nada têm a ver com as relações, mas, estas são ligadas pelas ideias.
- Pai, você já leu algum livro de Virgínia Woolf?
- Não, mas vejo que você sim.
- Sim, me identifico muito com ela.
- No que você se identifica com ela?
- Em muitas coisas, pai, mas a ideia da imaginação ser superior à realidade me fascina. Não vivemos pautados pela realidade, mas pela imaginação.
- Isso me lembra Kierkegaard.
- Quem é esse?
- Foi um filósofo. Ele dizia que a verdade é a subjetividade.
- E?
- Ora, é a mesma coisa que você disse sobre Virgínia Woolf.
- Ah, tá. Sabe, pai, gosto dessa ideia de criar mundos que nos encaixaríamos melhor. Um mundo mais a cara de cada um. Se o Paraíso existir, gostaria que fosse assim, sabe?, um local onde poderíamos criar mundos perfeitos e cada pessoa que se identificasse com o seu mundo ajudaria a construí-lo.
- Rá, legal, filha. Mas isso é só poesia. Vejo que minha menina é uma sonhadora…
- Sim, papai, sua filhinha é uma sonhadora… Rá!
Virgínia gostava dessas conversas com seu pai. Quando deitava, antes de pegar no sono imaginava o seu mundo perfeito. Ela amaria Carlos sem se preocupar com suas idades. Ela leria o que quisesse ler e recitaria em alta voz as poesias que quisesse. Não haveria julgamentos, mas cada um seria verdadeiramente livre. Teríamos a ousadia de sermos nós mesmos sem se preocupar com os olhos alheios. Virgínia jamais tirava de seu mundo as tensões, mas elas seriam travadas na discussão das ideias. Ela eliminava as ortodoxias, os fundamentalismos, os totalitarismos. Seria proibida qualquer tentativa de se criar um cânon de ideias sagradas. Não existiria nada fixo, terminado. A única coisa fixa seria o direito de todos opinar livremente. Ela concordava com o pai que era uma sonhadora e que suas ideias eram pueris e utópicas, mas elas lhe alegravam, eram prazerosas.
- Cuidado, Virgínia, você pode se machucar e machucar os outros.
- Eu sei. Já desisti da possibilidade de um dia poder ficar com ele. Mas o que foi impresso em meu coração e o mundo que foi criado a partir disso jamais se apagará. Não ouso interferir em sua família, mas seguirei com esse sentimento lindo que enche meu coração de ideias e minha mente de prazer. Não vou lhe dizer que não desejo me entregar a ele, mesmo que fosse uma única vez, mas se isso nunca for possível posso viver com o mundo ideal que criei para nós.
- Nossa! É paixão real, menina!
- Sim.
Carlos entrou na sala. Sentou-se e abriu um livro enquanto esperava todos os alunos sentaram-se. Depois que fizeram silêncio abriu um bloquinho com algumas anotações. Começou a ler uma lista de citações românticas. Virgínia estava consumida com a voz do seu amado e com as palavras recitadas. O resto da sala ouvia em meio a risadinhas e indiferenças juvenis. Ele dizia: “Nada escrevi que prestasse até que comecei a amar”, “No amor alternam a alegria e a dor” e muitas outras.
- Não falo, não suspiro, não escrevo seu nome. Mas a lágrima que agora queima a minha face me força a fazê-lo. Lord Byron.
Carlos pegou suas coisas, despediu-se da turma, lançou um olhar a Virgínia e saiu. Todos olharam para Virgínia e ela muda deixava uma lágrima solitária e corajosa percorrer toda sua face, descer pelo pescoço e escorrer pelo braço e se perder no espaço invisível de um mundo que ainda está por nascer.