VIDA NOVA
Aniceto entrou subtilmente em casa e pousou o ramo de flores na pequena mesa do hall de entrada. Depois percebeu pelo ruído que a esposa, Esmeralda, estava na cozinha preparando o jantar. Pé ante pé chegou-se junto dela e abraçou-a por detrás.
Esmeralda sobressaltou-se e censurou-o… - Homem de Deus, que te deu? Não é teu costume ter essas manifestações carinhosas… - O tom era por demais irónico e ele percebeu-o.
- O jantar está atrasado?
- Logo vi que vinhas esfomeado, tens sempre uma na manga.
- Não perguntei por isso… Chega aqui à janela.
- Para quê? A vista é a mesma de todos os dias…
- Não é por isso… Hoje presenciei uma cena no escritório que me fez pensar na vida…
- O quê?
- Já te falei naquele colega brutamontes de que ninguém gosta pelos modos rudes e boçais, que se gaba de ter a mulher “pela trela” e se necessário “lhe chega a roupa ao pelo” ?
- Sim, recordo-me vagamente.
- Pois hoje foram lá dois policias buscá-lo para interrogatório. Parece que ontem à noite, bêbado, deu uma enorme tareia na mulher… Os vizinhos acudiram mas tarde demais e ela teve de ser internada no hospital, tais os ferimentos. Eu nunca gostei dele e desagradavam-me as bravatas, as gabarolices e os modos. Merece ficar em prisão preventiva, mas isso o juiz decidirá.
- Era isso que me querias dizer?
- Não só. Estes acontecimentos fizeram-me pensar… Ser rude e pouco afetivo com a esposa também é uma forma encapotada de violência doméstica para com quem está sempre ao nosso lado e por vezes é mais “criada” que respeitada como companheira dos bons e maus momentos. Por isso pretendo mudar a minha postura, ajudar-te em tudo aquilo que posso partilhar contigo… Lavas a loiça, eu seco-a. Podemos dividir a tarefa de limpar a casa e até de cozinhar… E tudo o que quiseres.
- Homem, não estás bom da cabeça…
- Falo a sério, juro-te que quero ser diferente, o homem que tu ames sempre e para sempre.
Ela olhou fixamente para ele, percebendo sinceridade nas suas palavras.Por fim suspirou e disse:
- Tonto, abraça-me e beija-me.
Enlaçados, olharam a rua e o horizonte… Parecia que aquela vista tinha sido renovada, estava diferente, mais luminosa.
INÉDITO - 2015