UMA ILHA DE AZUL
UMA ILHA DE AZUL
Naquela imensa praia deserta, nossos corpos eram apenas uma mancha dourada sobre a areia branca, no final da tarde.
O nosso amor não era pecado, tampouco mesquinho. Era puro e ingênuo, bonito afinal!
Meu corpo descansava sobre o dela, e ficávamos a sentir o ritmo louco e acelerado dos nossos corações ir sossegando, sossegando, até baterem calmos em nossos corpos, ainda molhados, num mesmo pulsar.
O sol beijava o mar, dourando toda a distância na qual éramos perdidos por vontade. Sua pele macia e morena era riscada com pelos fulvos que se eriçavam quando um vento intruso nos invadia. Ela ria um sorriso de porcelana e enlaçava meu pescoço com seus braços e então, eu a esquecia. Ela me esquecia.
Ficávamos assim por muito tempo, como um só corpo. Somente quando a luz da lua prateava seu olhar miúdo e castanho é que eu me dava conta de todo o tempo passado.
- Maria, já é tarde... – eu sussurrava em seu ouvido.
O olhar da pequena Maria era estático e tímido, nada expressava.
- Anjinho, você é uma graça! – ela dizia num sorriso que mais parecia um soluço.
Novamente ela silenciava, mirando a lua.
Eu ia escorregando pelo seu corpo até deitar meu rosto no seu ventre. Ela ficava acariciando minha boca e depois, percorria o meu cabelo com seus dedos pequeninos e lânguidos.
- Eu gosto tanto de você! – era somente o que ela dizia, suspirando.
Seu busto arfava, suave. Eram os seus quatorze anos junto aos meus quinze, deitados.
Suas carícias, num repente, cessavam. Eu apenas erguia o olhar preguiçoso e percebia sua face rosada ir se rubescendo e a lua ir acendendo o pejo em Maria, deixando-a vermelha como a romã. Não demorava e ela mordia, de leve, seus lábios tentando conter um choro infante. Seus olhos iam tornando-se úmidos e foscos, até que não podendo mais represar sua timidez e inocência, deixavam cair as lágrimas teimosas acendendo então, um brilho triste em seu olhar.
- Anjinho, a lua... ela está me olhando de um jeito... – dizia voltando os olhinhos para os rochedos.
Eu nada dizia, fechava os olhos e fingia estar dormindo. Ela soluçava baixinho e apertava com força meu rosto moreno contra si.
- Os rochedos... Anjinho, os rochedos também... – e rompia em soluços imprecisos.
Nos meus lábios flamejava um sorriso malicioso e satisfeito e, então, eu ficava vendo Maria chorar.
- Anjinho, eu estou com vergonha. Por favor, me cubra... – dizia ela, suplicante, enquanto os soluços tornavam-se um choro infantil e convulsivo.
Eu permanecia calado, sorvendo em êxtase cada soluço e cada pranto seu.
- Você é tão engraçada, Maria! – eu dizia enfim num sorriso festivo.
- Anjinho, eu estou com frio, me cubra... – pedia ela, ainda chorosa.
Súbito, minha boca ficava ressequida, os olhos turvos e eu era tomado por uma dor suave e gostosa que vinha lá de dentro, rasgando meu peito e jorrando pela minha garganta em forma de soluço. Então eu chorava, bem baixinho, sem ao menos saber porquê.
- Maria, não chore mais... – eu suplicava a ela. – Porque senão... eu choro também...
Ela parecia não ouvir, mas seu choro se confundia com um risinho indefinível e dizia então:
- Ah, Anjinho... você é uma graça!
- Não chore mais, Maria... – eu voltava a pedir, com remorso.
E tudo se fazia silêncio, ao mesmo que nossos suspiros se misturavam.
- Anjinho, eu estou com frio, me cubra...
Sua voz era quase inaudível. Assim, eu a vestia com o meu corpo e calava sua boquinha salgada de lágrimas com um beijo soluçado.
E ficávamos assim, abraçados, até sermos invadidos por uma sensação de deleite: o sono.
Dormíamos simplesmente, ao murmúrio do mar a descansar na areia tépida e à sombra vazia dos rochedos. A lua espiava lá de cima com um certo misticismo, derramando prata em todo o azul do mar.
Via-se que ela sempre se escondia entre as nuvens que trajavam o céu de um luto sem fim. Tudo era a mais completa solidão cortada, às vezes, pelo grito de uma ave marítima, enquanto a lua enlouquecia no seu quarto crescente de ciúmes.
E nós dormíamos, um sono sem lua, sem mar, sem luto, sem ciúmes, sem nada.
A manhã nos acordava com o sol e uma brisa fresca, vinda do mar. Permanecíamos por algum tempo em silêncio, numa contemplação inefável. Não era preciso dizer nada, bastávamos sorrir. Eu sentia seu hálito doce de encontro ao meu rosto e fechava os olhos esperando que seus lábios me tocassem. Porém não vinham.
Quando novamente abria os olhos, avistava Maria correndo com seu jeito fagueiro e seu sorriso branco a catar nossas roupas jogadas ao longo da ilha.
Ela voltava devagar, cansada da brincadeira, e acabava por dizer com um riso jocoso:
- O mar levou algumas...
Eu nada respondia. Ficava quieto e displicente, flertando seu olhar com malícia.
- Vou mergulhar! – dizia Maria correndo de braços abertos para o mar.
Ela parava, porém, e ficava me olhando com seu sorriso convidativo.
- Você não vem? – indagava por fim, com seu ar de criança.
Eu continuava silente, apenas respondendo que não com a cabeça. Eu tinha disso, gostava de ficar olhando Maria, sem dizer uma só palavra. Maria não dava muita importância, mas às vezes, ela ficava assim também.
O corpo bonito de Maria deixava-se levar pelas ondas bêbadas que oscilavam, suaves, salgando seus olhos.
Da areia da praia, eu ficava assistindo Maria misturar-se com o mar. Ao reflexo da profundidade, ela se entregava e ficava toda com um tom azulado. Então o mar e Maria tornavam-se um só.
Quando eu ficava triste, levava o rosto às minhas mãos de terra e chorava, de manso.
Maria corria para os meus braços, cheia de saudades e me socorria com seu corpo banhado de sal e seus cabelos de sol. Assim, chorávamos baixinho, até quando findassem as lágrimas e a carência um do outro. Então ficávamos horas perdidas, arfando contentamento e respirando o aroma brando do suor em nossos corpos.
- Sabe, Anjinho.... um dia eu ainda vou ser um pouquinho do mar... – ela me dizia, sonhadora.
Eu calava, mas depois esquecia meu orgulho pedindo:
- Você nunca vai me deixar, não é, Maria?!
Ela sorria jovial:
- Ah, Anjinho... Você é mesmo uma graça!
Ela dava um suspiro demorado e frouxo, fechando os olhinhos de terra.
- Hein, Maria? Nunca?
Eu apertava os olhos, querendo chorar, daí ela encostava os lábios nos meus, dizendo:
- Nunca! Eu sempre estarei aqui, mesmo que você pense que não!
Ela voltava para a água, dando um mergulho e retornando segundos depois. O mar brincava com ela. E ela se entregava como se já fosse um pouquinho dele. Inesperadamente ele a engolia e eu me levantava, num sobressalto, perscrutando, com o olhar aflito, sua imensidão à procura de minha Maria.
Não demorava muito, ele a trazia à tona, vestida de algas e com um olhar de pérola. Eu sossegava então.
Mas Maria estava estranha. Depois de me fitar demoradamente, como fazendo uma despedida silenciosa, ela me sorria sua timidez e ficava triste. O mar então a bebia devagar, para não devolvê-la mais.
Durante horas eu ficava sentado na areia, esperando por Maria.
A noite caía, lúgubre, com seu silêncio negro que lembrava morte.
Percebi então que eu havia perdido Maria e que nada restava de nós dois, salvo lembrança.
Eu, baixinho, chorava a saudade de Maria. E quando a solidão me abraçava eu, louco, me atirava à traição do mar.
Nadava até onde as forças conseguiam e me largava ao acre abraço dormente do oceano. A ilha, de longe, era inexplicavelmente azul.
Eu clamava por Maria, mas no vazio das águas, ninguém me ouvia, apenas minha voz, na distância, se afogava. Então eu lembrava do que ela me dizia na areia da praia: “Um dia eu ainda vou ser um pouquinho do mar...”.
Tudo era triste, tudo era quieto e apenas se mexia, o luar refletido no enorme espelho esverdeado. O choro calava, o coração se morria. Eu fechava os olhos, tremendo à água gelada.
- Maria, eu estou com frio... vem me cobrir, Maria... – eu suplicava num balbucio, que somente ela ouvia.
E o gosto e o cheiro de Maria vinham numa onda que, de manso, me beijava.