Estaria o pai de Robert ainda vivo?
O pai não estava no RG, nem no álbum de família. Dona Leide falava vagamente de um colega de trabalho, um certo intelectual...E referia-se a ele como finado, sem citar o nome: o finado era assim... o finado era assado...No dia dos pais era um tormento para Robert . Algum menino maldoso lhe dava os parabéns: ‘Feliz dia dos pais!’ Outros, indiscreta e estultamente perguntavam: ‘Você tem pai?’ Alguém nascer sem ter um pai? Mesmo que morto, continua sendo pai. Muitas vezes recebem por acréscimo a denominação de finado ou defunto. Finado fulano... Finado sicrano. Mas finado não é o pai. O pai é o fulano... ou o sicrano... Ravenala também tinha vontade de perguntar sobre o pai de Robert , mas não sabia como.
No encontro seguinte, quando Robert se preparava para deixar a casa, Ravenala adiantou dois passos e postou-se na frente dele.
— Se eu te convidar para almoçar comigo amanhã, tu virás?
— Claro! Isso é um convite?
— Receba-o como tal.
Naquele segundo domingo de agosto, ela buscou a forma mais suave para abordar Bobby, de modo a não machucá-lo, ao contrário disso, deitar azeite sobre as feridas causadas pela ausência do pai.
— Mãe, Bobby pode almoçar conosco hoje?
— Tanto faz. Qual a diferença? O filho daquela vizinha chata não sai daqui mesmo! Que diferença faz vir hoje ou amanhã?
Tanto faz quer dizer muita coisa, ou não diz nada. Na verdade, revela indiferença e desprezo.
Ela esquecera que era dia dos pais. E sequer fizera um almoço especial para o marido.
De longe, dona Leide o acompanhou com as vistas, até que a portinhola da mureta se abriu, e Bobby entrou.Ravenala o esperava, estruturando frases como: ‘Nunca me falaste de teu pai!’ Não esta não... “Devo levá-lo a conhecer a Barbie que que ganhei? Faz tanto tempo! Talvez ela expresse mais os interesses de outrora. E se Robert perguntar se ainda brinco de boneca? Correrei o risco de passar por um vexame, contanto que toque o coração Bobby, sem machucá-lo.’
— Olha como é linda!
— Não tens também o Keen?
— Não! Não o tenho.
— Barbie precisa de um namorado. Vou dar o endereço dela para o Keen.
Mesmo sabendo que ia guardar o Keen numa caixa, como fizera com a boneca Emília, e com a Barbie; Ravenala não poderia perder a oportunidade de simular uma família, senão fingindo interesse em brincar de boneca.
— Vais me dar o Keen de presente?
— Foi isso que eu quis dizer, quando falei em dar o endereço da Barbie para ele.
— A família ficará incompleta. Falta o filho!
Acostumado a brincar com suas miniaturas de fórmula 1, Robert jamais imaginara em um filho de Barbie e Keen. Ele mesmo era filho de uma família incompleta.
— Quem são os pais de Barbie? E quem são os pais de Keen?— perguntou Robert , sem querer perguntar. A palavra lhe veio à mente, por falta de outra mais oportuna.
— Bem, no reino das bonecas... Keen e Barbie podem representar Adão e Eva, pais de uma grande nação de bonecos, e os primeiros seres a habitar a face da terra, portanto, como pai, eles têm o próprio Criador, explicou Ravenala.
O semblante de Robert estava sereno, e pareceu momento propício para estabelecer uma conversa sobre família.
— Nunca me falaste de teu pai.
— Não o conheci. Minha mãe diz que ele faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele. Vejo em tudo isso um grande mistério. A mãe confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Foi a última vez que visitou o finado. Faz tanto tempo! Não saberia mais localizar... “Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto?” Perguntara Robert à sua mãe. Mas dona Leide fugiu pela tangente. ‘Talvez nem mais uma cruz!’ respondeu ela. ‘E o nome dele, insistiu?’ Insistiu Robert. ‘Profeta era seu nome. Chame-o de profeta ou de finado. Pai ausente, mesmo estando vivo, é como se estivesse morto.’ E o filho se calou.
Seu colega deve ter tomado alguma postura incompatível com os desejos de dona Leide, por isso ela não ousava, sequer pronunciar o nome dele do pai de seu filho. E, depois da conversar sobre uma força estranha que tentava sugar a mãe para as entranhas da terra, Robert, desde pequeno, passou a imaginar o cemitério como sendo morada de fantasmas.
—Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo — disse finalmente ele.
Ravenala acenou, afirmativamente, com a cabeça. Ela também não queria contato com os mortos.
— Tens esperança de encontrar teu pai, ainda vivo?
— Não me canso de procurá-lo. Minha mãe nunca soube que o procuro. Acho que o esconde de mim, ou me esconde dele, para castigar o velho, ou mesmo apagar a história dela, que também é minha e de meu pai.
***
Adalberto Lima, "Estrela que o vento sorpou"
Imagem: Internet
O pai não estava no RG, nem no álbum de família. Dona Leide falava vagamente de um colega de trabalho, um certo intelectual...E referia-se a ele como finado, sem citar o nome: o finado era assim... o finado era assado...No dia dos pais era um tormento para Robert . Algum menino maldoso lhe dava os parabéns: ‘Feliz dia dos pais!’ Outros, indiscreta e estultamente perguntavam: ‘Você tem pai?’ Alguém nascer sem ter um pai? Mesmo que morto, continua sendo pai. Muitas vezes recebem por acréscimo a denominação de finado ou defunto. Finado fulano... Finado sicrano. Mas finado não é o pai. O pai é o fulano... ou o sicrano... Ravenala também tinha vontade de perguntar sobre o pai de Robert , mas não sabia como.
No encontro seguinte, quando Robert se preparava para deixar a casa, Ravenala adiantou dois passos e postou-se na frente dele.
— Se eu te convidar para almoçar comigo amanhã, tu virás?
— Claro! Isso é um convite?
— Receba-o como tal.
Naquele segundo domingo de agosto, ela buscou a forma mais suave para abordar Bobby, de modo a não machucá-lo, ao contrário disso, deitar azeite sobre as feridas causadas pela ausência do pai.
— Mãe, Bobby pode almoçar conosco hoje?
— Tanto faz. Qual a diferença? O filho daquela vizinha chata não sai daqui mesmo! Que diferença faz vir hoje ou amanhã?
Tanto faz quer dizer muita coisa, ou não diz nada. Na verdade, revela indiferença e desprezo.
Ela esquecera que era dia dos pais. E sequer fizera um almoço especial para o marido.
De longe, dona Leide o acompanhou com as vistas, até que a portinhola da mureta se abriu, e Bobby entrou.Ravenala o esperava, estruturando frases como: ‘Nunca me falaste de teu pai!’ Não esta não... “Devo levá-lo a conhecer a Barbie que que ganhei? Faz tanto tempo! Talvez ela expresse mais os interesses de outrora. E se Robert perguntar se ainda brinco de boneca? Correrei o risco de passar por um vexame, contanto que toque o coração Bobby, sem machucá-lo.’
— Olha como é linda!
— Não tens também o Keen?
— Não! Não o tenho.
— Barbie precisa de um namorado. Vou dar o endereço dela para o Keen.
Mesmo sabendo que ia guardar o Keen numa caixa, como fizera com a boneca Emília, e com a Barbie; Ravenala não poderia perder a oportunidade de simular uma família, senão fingindo interesse em brincar de boneca.
— Vais me dar o Keen de presente?
— Foi isso que eu quis dizer, quando falei em dar o endereço da Barbie para ele.
— A família ficará incompleta. Falta o filho!
Acostumado a brincar com suas miniaturas de fórmula 1, Robert jamais imaginara em um filho de Barbie e Keen. Ele mesmo era filho de uma família incompleta.
— Quem são os pais de Barbie? E quem são os pais de Keen?— perguntou Robert , sem querer perguntar. A palavra lhe veio à mente, por falta de outra mais oportuna.
— Bem, no reino das bonecas... Keen e Barbie podem representar Adão e Eva, pais de uma grande nação de bonecos, e os primeiros seres a habitar a face da terra, portanto, como pai, eles têm o próprio Criador, explicou Ravenala.
O semblante de Robert estava sereno, e pareceu momento propício para estabelecer uma conversa sobre família.
— Nunca me falaste de teu pai.
— Não o conheci. Minha mãe diz que ele faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele. Vejo em tudo isso um grande mistério. A mãe confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Foi a última vez que visitou o finado. Faz tanto tempo! Não saberia mais localizar... “Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto?” Perguntara Robert à sua mãe. Mas dona Leide fugiu pela tangente. ‘Talvez nem mais uma cruz!’ respondeu ela. ‘E o nome dele, insistiu?’ Insistiu Robert. ‘Profeta era seu nome. Chame-o de profeta ou de finado. Pai ausente, mesmo estando vivo, é como se estivesse morto.’ E o filho se calou.
Seu colega deve ter tomado alguma postura incompatível com os desejos de dona Leide, por isso ela não ousava, sequer pronunciar o nome dele do pai de seu filho. E, depois da conversar sobre uma força estranha que tentava sugar a mãe para as entranhas da terra, Robert, desde pequeno, passou a imaginar o cemitério como sendo morada de fantasmas.
—Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo — disse finalmente ele.
Ravenala acenou, afirmativamente, com a cabeça. Ela também não queria contato com os mortos.
— Tens esperança de encontrar teu pai, ainda vivo?
— Não me canso de procurá-lo. Minha mãe nunca soube que o procuro. Acho que o esconde de mim, ou me esconde dele, para castigar o velho, ou mesmo apagar a história dela, que também é minha e de meu pai.
***
Adalberto Lima, "Estrela que o vento sorpou"
Imagem: Internet