O ATEU E O CRENTE
Eram irmãos gêmeos: o João e o José.
Eram filhos do mesmo homem e da mesma mulher.
Tiveram a mesma infância, as mesmas influências
e quase que as mesmas doenças.
Mas como eram diferentes aqueles dois!
João era religioso, crente convicto.
José era ateu até a ponta do dedo.
A conversa do João:
- Não sei como não se acredita em Deus.
A beleza da natureza, do céu do firmamento,
afirma a existência de Deus todo o momento.
José replicava: - Não sei como se acreditar em Deus!
As desgraças do mundo, os infortúnios das pessoas pobres,
os acidentes sem precedentes,
as pessoas que já nascem mutiladas,
e muitas outras coisas tiram a possibilidade da existência dele.
João era um rapaz de sucesso.
Primeiro lugar no Curso de Engenharia Mecânica,
já trabalhava no ramo, noivo de Sara
menina de família abastarda,
culta e também uma crente fervorosa.
José também beirava o sucesso.
Não era estudioso, mas lia muito.
Um dos últimos lugares no curso de Medicina.
Não estudava muito mas era inteligente o suficiente
para sair-se bem no que quisesse ou fizesse.
Namorador, nunca foi romântico mas tinha uma paixão secreta
por um prima teimosa que não dava a mínima bola pra ele.
João era o filho que todo pai e toda mãe almejava.
Casou numa cerimônia dos sonhos,
com banda tocando, cânticos, louvores, declamações,
choros de emoção. Lua de mel em Paris, com toda sua luz!
Sua vida sexual dentro dos padrões da educação
religiosa o satisfazia.
Quanto a sua esposa, parecia também satisfeita.
A casa muito confortável, as viagens final de semana
e os inúmeros empregados para manter o jardim belíssimo,
as roupas engomadas e cheirosas
e os bordados e cortinas da decoração
de dar inveja às irmãs e irmãos de credo.
Tudo era leve e em ordem.
Nunca ninguém duvidaria que algum dos dois
poderiam não ser salvos ou infelizes.
José era inquieto. Insatisfeito com seu sistema de vida .
Abominava tudo que fosse associado ao consumo desenfreado,
às superficialidades elitistas, à política do País,
à miséria dos pacientes cuja maior doença era oriunda
da má alimentação e das contingências da pobreza.
Não conseguia ficar indiferente à marginalidade
das comunidades da periferia.
Sindicalista e embora tímido,
desenvolveu aptidão pelo discurso político
partidário de esquerda.
Num desses discursos empolgados,
atingiu o coração da prima antes, tão indiferente ao primo.
Outro dia ela deixou um bilhete pedindo para trabalhar com ele .
Havia terminado o curso de Radiologia e estava desempregada.
Ele atendeu. No primeiro encontro cheio de timidez
e emoção, eles se encontraram por completo.
Tornaram-se amantes e no primeiro sinal de gravidez
casaram no civil.
E casaram em gostos e vontades também no sexo.
Viajaram para os hotéis brasileiros da terra,
onde haviam águas térmicas.
Foram os primeiros desejos de uma grávida excêntrica.
Mas sua lua de mel seria em Havana. E foi.
Nas ruas bucólicas entre aqueles casarões antigos
eles ficaram mais apaixonados ainda.
Como não se apaixonar por ele declamando Neruda
em pela luz da lua:
"Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono."
Ele via no semblante dela a gratidão de tê-lo encontrado.
Sim, ela apaixonou-se por aquele homem
autêntico, ateu e nada frio.
E essa análise e apreciação dela era o que mais o excitava.
Luzia enchia os olhos de José de luz.
Era tão diferente dele, mas tão inteira!
Ela tinha uns olhinhos tão pretinhos que sabia olhar
para ele encantados enquanto falava de coisas banais
e/ou outras coisas políticas e poéticas.
Ele era terrivelmente apaixonado por ela.
Sempre fora. Desde sempre.
***
POESIA
POESIA
ANTES DE AMARTE, AMOR
Antes de amarte, amor, nada era mío,
vacilé por las calles y las cosas,
nada contaba ni tenía nombre,
el mundo era del aire que esperaba.
Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.
vacilé por las calles y las cosas,
nada contaba ni tenía nombre,
el mundo era del aire que esperaba.
Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.