Amaro - Parto e Recomeço Parte 2
Parte 2
Ao final da missão, era nítida a minha falta de habilidade para este tipo de trabalho braçal. Ainda hoje não sei se gastei mais tinta nas paredes, no chão, ou em mim. Pouco importava. Eu estava radiante com a infinidade de possibilidades que se descortinavam a minha frente. Sem o peso da batina, podia ser eu por inteiro, como só havia sido na infância.
Não via a hora de voltar a escrever e, desta vez, escrever sobre tudo, sem que fosse necessário subterfúgios para esconder minha identidade. Podia escrever, assinar e assumir. E eu deseja que isso acontecesse o quanto antes. E, apesar de ter abandonado a batina e o serviço clerical, sentia que Deus permanecia dispensando seus cuidados em meu favor. Isto se revelou muito claro quando, ainda sujo de tinta, sentado no chão, escorado na porta e tomando uma xícara de café, meus olhos se direcionaram a um anúncio em umas das folhas dos jornais que forravam o piso, em que era divulgada uma vaga de editor neste mesmo jornal, recém-criado na região.
Minha euforia em ver aquele anúncio foi interrompida pelo soar da campainha. E meu pensamento era quem haveria de ser, já que eu ainda não conhecia ninguém em Parto.
Caminhei até a porta e, olhando pelo olho mágico, pude ver um casal e uma moça, com algo nas mãos. Abri a porta e os atendi. O casal, muito simpático, apresentou-se como senhor e senhora Rosenberg. A moça era filha deles. Chamava-se senhorita Ariel. A família havia percebido que alguém novo fora morar na antiga casa abandonada e resolveram dar as boas vindas, oferecendo um bolo de fubá com coco, feito pelas delicadas mãos de Ariel. Na verdade, naquele dia nem pude perceber se suas mãos eram delicadas, ou mesmo as feições do seu rosto. Tendo em vista todo meu histórico e meus planos para o futuro preferi evitar olhos nos olhos. Agradeci a gentileza e justifiquei que não os convidaria para entrar devido a desordem que a casa ainda se encontrava.
Naquele dia, do casal Rosenberg pude perceber a felicidade nos rostos já marcados pela vida. Seus olhos eram de caridade e carinho. Já da srta. Ariel, apenas identifiquei que possuía belos pés, revelados ao final de uma saia de pano leve. De qualquer forma, preferi não imaginar se era bela ou feia. Meu coração estava voltado para uma nova empreitada, na qual não havia espaço para nada, além da minha própria reconstrução.
Marcos A. Sodré
Continua...