Um Conto Sobre Fidelidade - 3ª Parte

Capítulo 3

A Confissão de Virgínia

Eu odiava aquela garota. Não seria para menos, afinal, por culpa dela eu estava pagando até os últimos centavos de um crime que não havia cometido. Não importava a razão, tudo o que eu queria era que de algum modo ela também sentisse na pele tudo o que vinha me atormentando: a solidão, a indiferença, os olhares de pedra. Minha cabeça estava transtornada de tanta indignação, o que me deixava louco o bastante para proferir um dicionário de palavrões, mas com sanidade o suficiente para lembrar que o irmão dela quase me manda para o outro mundo com um soco.

Completando minha promessa, feita no começo da história, deixo aqui a razão de meu amigo se chamar Blumenau. Embora não tenha nascido lá, sempre foi uma vontade de sua mãe visitar aquela cidade no sul do país. Vez ou outra fazemos um trocadilho com ele por causa disso, mas não tem muita importância. Acrescento ele por duas razões, a primeira delas convém o fato de ser um bom ouvinte, não conselheiro, O-U-V-I-N-T-E. A segunda, é que mostra que por trás de tudo, sempre há uma história interessante por trás de um fato incomum. Virgínia até então me era uma completa desconhecida, agora, era o meu fato incomum que precisava urgentemente de uma explicação, uma história que justificasse toda a importância que tinha nesse caso. Precisava elaborar um plano para pegá-la desprevenida, sem qualquer chance que tivesse da mula de coice forte aparecer. Escolhemos a terça-feira, que é quando acontecem os treinos de futsal do qual o irmão dela faz parte. Saímos da aula no penúltimo horário para esperá-la atrás de um muro que ficava a caminho de sua casa.

Para tentar matar o tempo, Blumenau mostrava-me diversas fotos da festa, a qual ainda usava para se promover. Todos rostos conhecidos de nossos amigos, mas eu não poderia perder tempo com isso, precisava estar atento à chegada de Virgínia. Infelizmente Blumenau recebeu uma ligação de emergência e teve de me deixar em fogo cruzado. Ainda sim, a obsessão por passar tudo aquilo a limpo fora maior do que qualquer timidez ou receio que pudesse me acometer. Depois de muito tempo, vi-a passar, como sempre, com a farda do colégio, os livros recolhidos ao tórax com os braços, uma saia preta e passos rápidos que criavam uma corrente de ar que agitava os longos cabelos.

- A quanto tempo, não é Virgínia?! - exclamei.

A atenção dela havia se voltado a mim. O susto fora tão grande que certamente sua alma saíra correndo, levando um pouco da rubriedade de sua pele. Senti que quisesse fugir, mas não o fez. Era como se algo dentro dela fosse mais feroz do que a simples covardia de me deixar plantado feito um idiota ali. Pedi que ela me explicasse qual a razão de ter criado uma história que acabou com uma das partes mais importantes da vida, e que, ainda por cima manchou sua reputação.

- Independente das consequências, fiz isso porque era o jeito menos doloroso.

A resposta filosófica mereceu uma salva de palmas, ainda sim, como a própria filosofia, não me trouxe nada além de uma infinidade de outras perguntas: afinal o que ela tinha contra mim? Será se eu havia feito algo de tão ruim que me fuja a memória e atormente a dela ao ponto de se desenhar uma vingança? A resposta veio simples, direta e me deixou tão sem ação quanto acordar de repente no deserto do Saara: Ela me amava. Desde antes de que eu pudesse notar sua existência, ela já tinha em mente que eu era a pessoa ideal para se viver uma história, não fosse um pequeno porém: meu compromisso e amor por Flávia. Decidi sair dali sem voltar a dizer uma única palavra, temendo que a confusão na minha cabeça piorasse. Pouco antes de dormir, ainda lamentava o distanciamento de Flávia, mas agora tentava montar um álbum de recortes afim de desvendar um pouco mais sobre a personalidade de Virgínia. Ela fez isso porque me amava, era um pensamento que quanto mais eu tentava condenar, acabava por compreender e admirar, como se enxergasse nela boa parte dos afetos que me eram tão ausentes nesses dias sem Flávia. Então fui ao chuveiro tomar um banho de água fria na esperança de que isso destruísse algumas ideias malucas, ou pelo menos os neurônios que estavam criando-as. Quando não me restavam mais forças para refletir, eis que o telefone toca:

- Alô? Pedro? - Era Flávia.

Continua...

Neudson Nicasio
Enviado por Neudson Nicasio em 19/04/2017
Código do texto: T5975771
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