Um Conto Sobre Fidelidade - 2ª Parte

Capítulo 2

Suposições

Quando o amanhã veio, estava repleto de importantes lições, a primeira delas é que a infidelidade está tão impregnada no esteriótipo masculino, que as vezes um cara pode se questionar se está realmente certo ao não agir errado. Eu era um homem, então, meia culpa já estava adquirida. Contudo, eu não havia saido de frente da televisão durante toda a noite, bem como não tinha mulher nenhuma na minha cama quando deitei de madrugada. Em suma, para provar minha inocência, teria que refutar uma complexa convicção social. A segunda, é que desde que a lei de apedrejamento fora abolida, as pessoas passaram a desenvolver olhares tão fatais como as pedras que já não podiam mais atirar. Todas elas recaiam sobre mim e o corredor da escola que estava mais longo que o de costume. Argumentar que eu era inocente era tão útil quanto engraxar um sapato branco, apenas uma única pessoa acreditava e comprovava minha falta de culpa: Blumenau. Mesmo que ainda estivesse decepcionado comigo por não ir para a tal festa, não podia deixar o melhor amigo ser acusado de um crime que não cometeu, isso seria ótimo, não fosse a reputação dele ser tão ou pior do que aquela que eu havia adquirido com os boatos.

A terceira lição que eu aprendera, é que, depois de ter esgotado todos os recursos que o meu coração sugerira para recuperar a confiança de Flávia, devia começar a usar um pouco melhor a cabeça. Ela havia dito que recebera a informação de uma fonte segura e confiável, o que significava uma das amigas com as quais ela sempre andava. O bebedouro ficava próximo ao banheiro feminino, então tive que fazer plantão até que ela resolvesse aparecer. Ela entrou de cara fechada, como se não houvesse me visto, mas eu avistara sua amiga e futura entrevistada: eu era um gênio.

A quarta e última lição mais importante, é que a vida costuma de colocar no topo do mundo apenas pelo bel prazer de te derrubar de lá. O que me despertou de um pleno êstase intelectual, semelhante ao que levou Arquimedes a sair nu gritando Eureka! Foi nada menos que um cruzado de direita, que sequer vi de onde veio ou para onde foi, mas havia atropelado meu rosto no percurso. A primeira coisa que senti quando os sentidos foram retornando, era o gosto metálico que ardia no meu lábio inferior. Na cabeça, um zumbido igual ao som de uma televisão quando sair do ar e mostra aquela tela colorida. Toda linha possui duas pontas, e por mais que uma narrativa seja algo cheio de nós e emaranhamentos, não foge a regra. Se de um lado estava eu, o infiel, restava que a outra personagem também fosse responsabilizada, no caso, a amante. O soco veio da parte do irmão mais velho de Virgínia, defendendo a honra da irmã batendo no desvirtuoso que a difamou. Ele acabou saindo antes que alguém pudesse denunciá-lo, mas mesmo que permanecesse, ninguém faria isso, afinal, aquele era um castigo mais que merecido. Contudo, eu era inocente! E por um pouco mais de força acabaria sendo desdentado também. Blumenau ainda ameaçou intervir, mas pareceu concluir que seria mais fácil recolher meus restos mortais do que deixar a surra fortalecer nossa amizade.

Suportei tudo até o final da tarde, quando decidi nunca mais voltar à escola, ou pelo menos, para aquela. Minha vida estava tão distorcida quanto o sinal em forma de coração que Flávia tinha no braço. Um coração certamente despedaçado agora. Aquilo me enchia tanto de raiva que anestesiava um pouco a dor. A indignação foi o que me fez deixar o lamento de lado e ir até a casa da tal amiga para investigar o ocorrido. Logo na entrada, as boas vindas mais calorosas daquela semana, onde antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela lançou não querer nada com um cafajeste. Ainda sim, ela tinha um ponto fraco: para comprar alguém com informações importantes, você deve ter em seu arsenal uma informação mais importante ainda, então pus-lhe a contar a respeito de um romance de professores que acontecia na parte de trás da escola, assim que todos os alunos deixavam a sala. Ela então refletiu um pouco se valia a pena entregar o criminoso por trás de tal atrocidade, até que ela deduziu ser a forma mais eficaz de se livrar de mim e de ir espalhar a nova notícia o mais rápido possível:

- Foi a Virgínia. - e entrou novamente para casa.

Continua...

Neudson Nicasio
Enviado por Neudson Nicasio em 18/04/2017
Código do texto: T5974738
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