Tudo igual
Fazia tempo que não virava a noite em claro desse jeito. Quer dizer, não bem desse jeito. A última vez aconteceu tem uns 3 anos. Era quase mesma época que agora. Fim de verão, noites quentes e perturbadoras. Eu já estava sozinho há meses, e estava cansado. Saía de um bar para o outro, até que todos se fechassem, ai comprava cerveja em algum lugar, e ia pra casa beber até dormir. Com sorte, isso acontecia antes do sol nascer. E tudo se repetia novamente. A lembrança dela ainda me rondava a mente. Todas as nossas voltas, foram porque eu cedi, porque eu achei que tínhamos mudado. Mas era sempre em vão. Até mudávamos algumas vezes, aparentemente, mas o cotidiano se encarregava de mostrar a verdade. Mas a lembrança dos momentos bons que tivemos sempre resolviam aparecer nos momentos em que a carência e a solidão apertavam mais. E era sempre uma luta injusta dentro da minha mente.
Quando o último bar fechou naquela noite, resolvi que seria melhor ir para a casa. Talvez eu até comprasse uma cerveja no caminho, para me ajudar a dormir. Já em casa, resolvi que precisava me definir sobre tudo aquilo. Botar um ponto final em toda essa história que já vinha se arrastando a tanto tempo. Resolvi mandar a ela uma mensagem, que ela logo respondeu. Vou tentar reproduzir em forma de conversa.
-Olha, realmente, até a lembrança do nosso passado tem me feito mal. Decidi apagar você da minha vida de vez. Vou te bloquear em todos os meios possíveis de comunicação.
-Nossa, que estranho... estava pensando em você agora. Poderia me fazer um favor?
Relutei em responder. Acabei respondendo.
-Diga. Se estiver ao meu alcance, eu faço.
-Estou numa festa com umas amigas. Elas estão muito bêbadas, e eu quero ir embora. Poderia me buscar?
Eu realmente não sabia o que responder. Pensei em bloquear na hora, e ela que se virasse para vir embora. Pensei em simplesmente dizer não, apagar aquela conversa e fingir que nada aconteceu. Mas tinha algo dentro de mim que me impedia. Alguma coisa lá no fundo me dizia para ir buscá-la.
-Estou a caminho. Me espere na frente.
-Obrigada.
Não consigo me lembrar exatamente em que eu estava pensando no caminho até lá. Digo, é muito estranho pensar em não atender um pedido de ajuda de uma pessoa que você já dividiu tantos momentos. Como chegamos a isso? Num dia você está com a pessoa, planeja todos os próximos dias da sua vida ao lado dela, até a morte, e de repente, não se falam mais, e passam a se odiar. Como exatamente isso acontece?
Ela estava na calçada me esperando. Entrou no carro meio sem graça, e não disse nada. Esperei que colocasse o cinto de segurança, e seguimos. Suas pernas estavam a mostra, não sei se intencionalmente, mas eu não conseguir disfarçar o olhar. Seguimos em silêncio quase todo percurso, a não ser por uma tentativa ou outra de assunto, que acabava morrendo. Chegando no seu prédio, ela me convidou, meio hesitante, para um café. Mesmo sendo incomum um café as quatro da manhã, achei que deveria subir. Já fazia algum tempo que não nos víamos, mas conseguimos nos sentir bem à vontade para conversar. Falamos sobre as coisas que vinham acontecendo em nossas vidas atribuladas de estudo, trabalho e desilusões.
As horas passaram voando durante nossa conversa. O amanhecer já se aproximava, e ela me fez uma estranha proposta.
-Vamos ver o nascer do sol juntos?
-Vamos - respondi sem pensar muito.
-Mas vamos no meu carro.
Realmente, eu não fazia ideia do que se passava na minha cabeça. Ela já tinha feito todo tipo de terror psicológico na minha cabeça, já tinha quebrado a porta do meu apartamento, já tinha tentado começar uma enorme desavença na minha família. E eu estava ali de novo, dividindo um momento muito estranho com ela. Eu não sentia raiva, não sentia rancor, mas não sentia nada também. Absolutamente nada.
Quando chegamos ao local que ela queria, descemos do carro e ficamos conversando. Eu fumava um cigarro após o outro, e ela, que nunca gostou da fumaça, parecia não se importar, e cada vez chegava mais perto. Mas no fundo nenhum de nós dois queria ceder. De um lado, eu com feridas enormes causadas pelos desgaste dos anos do nosso relacionamento, do outro ela, com um ego inabalável e um orgulho sem tamanho. Ficamos ali, conversando à toa, enquanto o sol subia lentamente e coloria toda essa cena.
No caminho de volta, paramos para mais um café. Isso já era algo próximo de oito da manhã e, toda essa manobra, esse passeio, melhor dizendo, parecia ter acontecido com uma naturalidade enorme. Parecia que sempre fizemos aquilo, e que essa era apenas mais uma vez. Na hora de pagar a conta, percebi que tinha esquecido minha carteira no apartamento dela. Corei de vergonha e raiva de mim. Nunca esqueço esse tipo de coisa, e pior, teria de subir novamente no apartamento dela. E a situação já estava confortável demais para que qualquer um de nós ficasse se expondo ao outro. Toda aquela tensão do reencontro, havia sumido. O que restava agora era a curiosidade, dos dois, de saber se ainda se conheciam nesse aspecto.
-Você pode pegar minha carteira, por favor? - eu disse na porta do seu prédio.
-Por que você não sobe, pra pegar?
-Tudo bem... - eu disse, sem jeito, entrando no prédio.
Entre nossos agradecimentos pela carona, pelo café e pela companhia, nos abraçamos e nos beijamos. E foi tudo da mesma maneira novamente. Exatamente igual.