Síndrome de Afrodite
Existe uma síndrome que vem ocorrendo nas últimas décadas por todo o mundo, a OMS deu a ela o nome de Síndrome de Afrodite, ela acomete uma a cada dez milhões de pessoas, seus sintomas ocorrem na puberdade, primeiro a pessoa entre em um coma leve de três dias, quando a pessoa recobra a consciência ela sabe institivamente quantas vezes ela pode sentir emoções fortes, quando esta cota acabar a pessoa morre em seis meses. Até o momento não existe cura, medicamentos para controlar as emoções fazem destas pessoas parecerem mais com zumbis sem emoções do que com pessoas, para as que não tomam qualquer medição a média de sobrevida e de um pouco mais de vinte anos, para as que se controlam ao máximo não passam de trinta.
Voltando para a minha casa me deparo com um caminhão de mudanças, a casa ao lado a minha, provavelmente fora comprada ou alugada, não que eu me importe muito, mas depois que eu abri o portão de casa, já quase entrando em minha casa eu a vi, vestida em um vestido preto, com seu corpo esguio e seus cabelos longos negros contrastando com sua pele alva, tão bela, no momento em que eu a vi, eu sabia no fundo de minha alma, ela era para mim a única e meu último amor.
Na próxima semana, eu sempre a via, toda a tarde ela descia para o bosque próximo de nossas casas, e lá ela ficava sentada no banco por cerca de meia hora, depois ela se levantava e vai até o lago e ficava a observar os peixes por alguns minutos e vai embora. Mas por alguma razão neste dia ela ao invés de ir embora depois de apreciar os peixes, ela veio até onde eu estava.
- Porque você anda me vigiando – diz ela em tom áspero com sua voz doce
- Eu – digo surpreso – não, não.... Eu não estou te seguindo ou algo estranho, não sou uma pessoa suspeita.
-Então quem você é?
- Sou seu vizinho, prazer em te conhecer! – Falo sorrindo
- Por favor você poderia parar de me seguir.
- Poderia se apresentar, isso seria o certo a se fazer
- Marcye, prazer em te conhecer! Agora para de me seguir!
- Prazer e meu.... Por que faria isso, caso esteja fazendo isso?
- Eu tenho a síndrome de Afrodite – ela fala sem demostrar emoção - por isso não gosto de me envolver com nada nem ninguém, então por favor me deixe.
- Isso explica então estas roupas góticas
- O que tem a ver minhas roupas com o que eu tenho?
- Na verdade nada, foi apenas uma observação
- Eu gosto deste estilo de roupas, das músicas – ela começa a se empolgar enquanto falava – dos escritores, de todo o universo que o tema propões, a arte de transformar a tristeza e a solidão em poesia, o amor pela vida, a forma de encarar o mundo...
- Continue – digo eu observando a pausa que ela dá.
- Vou voltar para minha casa, por favor pare de me seguir.
Claro que eu não parei de ir com ela no parque, depois de algumas semanas quando me preparava para sair de casa, para meu passeio no parque sem motivos aparentes, ela já está no portão da minha casa me esperando. Com uma sacola na mão.
- Já que você vai me seguir mesmo – diz ela um pouco chateada – pelo menos me ajude a provar algo.
- Tudo bem-digo sorridente – experimentar o que exatamente?
- Não fale comigo, apenas venha!
A sigo, vamos até o bosque e sentamos em um dos bancos tendo uma arvore já bem antiga e velha fazendo sombra para nós. Ela fica alguns minutos em silencio, depois pega a sacola com um certo cuidado e de dentro dele ela retira ao que parece ser dois lanches caseiros em pão de forma, embrulhados em um guardanapo e duas latas de refrigerantes.
- Não estou entendo – digo.
- Apenas coma – ela me dá um – e me diga como e o sabor
Eu mordo um pedaço.
- Ahhh – pego o refrigerante e bebo um grande gole – muito picante.
- E o que mais?
- E picante, mas e bom, só precisa se acostumar ao gosto.
Assim que eu digo isso, ela começa a comer, vejo seu rosto se contorcer um pouco, mas logo volta a forma normal, imagino que o rosto dela se assemelhe muitas vezes a uma estátua, sem emoção congelada no tempo. Espero ela terminar de comer.
- Eu até te entendo – digo a ela – para não ficar surpresa o que pode levar a alguma emoção mais forte, você me fez comer o lanche primeiro, sabe que isso e apenas uma ilusão, você pode até tentar, mas não tem como controlar suas emoções, você pode criar esta barreira em torno de você, mas nada pode esconder quem você é e o que sente dentro de você.
- Você não sabe de nada – ela diz irritada – não sabe como é a minha vida, eu se não me controlar posso morrer rapidamente.
- Você pode morrer assim que sair de casa, nem por isso você vai deixar de sair de casa.
- Uma coisa não tem nada a ver com a outra...
- Depende do ponto de vista – digo – você tem uma chance em cem mil de morrer dançando, andar de bicicleta você tem uma chance em cento e quarenta mil de morrer, em uma corrida de carros você tem uma chance em cem e a minha preferida jogar vídeo game você tem uma chance em cem milhões de morrer, claro que isso não tem nada a ver com você.
- Você – ela diz quase sorrindo – essa são as coisas mais idiotas que já vi alguém falar
- Mas são todas verdades
- E o que tem isso a ver comigo
- Só quero dizer que você pode morrer a qualquer momento só de estar vivo, e ficar se prendendo a algo assim, só vai fazer você não viver a vida como se deve apenas sobreviver nas sombras.
- Eu gosto – diz ela ríspida – do jeito que to vivendo!
- Não disse que seu modo de vida e ruim, só to dizendo que existe mais coisas a se fazer, ao invés de ficar enfurnada em sua casa.
- Eu posso morrer – diz ela brava – desde que eu acordei do coma, eu soube o quanto eu teria de vida, você não sabe como isso e ruim – ela começa a gritar - AAAAAAAAAA, chegAAA, vou embora.
- Era isso que eu estava te falando – sentimento – você está brava, como se sente?
- Viva! – Ela diz como se tirasse um peso das costas
- Ótimo – digo pegando na mão dela – vamos dar uma volta!
Depois deste dia, fui com ela a casa dos pais dela para conversar com eles. Depois de alguns choros e uma pequena discussão, eles aceitaram a decisão dela, ela iria “viver” mais. Assim passamos os próximos meses, fazendo coisas que ela sempre teve vontade de ir e nunca teve coragem por conta da síndrome. Fomos no cinema várias e várias vezes ver todos os tipos de filmes, fomos a biblioteca pública, ela não se sente bem em locais com multidão o que uma coisa tem a ver com a outra, nunca descobri. Ainda sim levei ela ao parque de diversões, ela amou andar de montanha russa, andar de bicicleta, até mesmo nadar no mar. Fomos também a alguns shows, a música fazia ela sorrir e dançar muito assim como cada coisa que ela fazia nova. Ainda assim ela não dispensa de usar suas roupas pretas, bem, ela fica linda assim mesmo.
Assim os dias viraram, semanas, semanas viraram meses, e o dia fatídico chegou, eu lembro bem, era um dia como direi, normal, o sol nasceu como todas as manhas, os pássaros cantavam como toda a manhã, o gato do vizinho estava no cio, como aquele bichano miava alto, mas aonde eu estava, a sim, sol, pássaros, cheiro da manhã e eu lá no fundo sabia que era a última vez que iria ver ela. E foi assim, as nove da manhã de um sábado qualquer ela veio me visitar em meu quarto, meus pais a deixaram entrar sem dizer nada, apenas uma feição triste. Ela adentrou o quarto e lá estava eu, lendo o último volume de um mangá de ficção, não gosto muito de mechas, mas fazer o que, já tinha começa a ler tinha que terminar para depois falar mal.
- Então – digo a ela – acho que hoje não vamos sair
- Porque – diz ela chorando – porque você não me contou?
- Quando eu te vi – digo calmamente – eu me apaixonei à primeira vista, e essa foi minha última emoção, desculpe não ter contado, eu também tenho a síndrome de Afrodite.
- Você foi muito egoísta, seu idiota, nossa que raiva, que dor dentro do meu peito, não sei se te mato ou se vou embora – esbraveja ela - quanto tempo você tem?
- Não se preocupa, vai ser rápido, mais alguns minutos
- E o que eu irei fazer sem você??
- Você, continue vivendo da forma que você está agora, eu quando chegar sua hora, você vai poder olhar para trás e descobrir que você viveu o seu máximo, sem medo de ser feliz, sem medo de viver, isso não tem preço, o único arrependimento que eu tinha era de não ter falado para você que eu amo você e de não ter tempo para lhe beijar.
- Idiota era só ter falando antes – ela diz enxugando as lagrimas e deitando ao meu lado.
Ela ficou deitada abraçada comigo por algum tempo, meu coração a princípio se acelerou, mas os efeitos da síndrome eu já estava sentido, mesmo o corpo quente dela abraçado ao meu, mesmo eu me sentido tão bem assim, já sentia meu coração começando a falhar, meu corpo ficando frio, minha mente começando a ficar nublada, e um sentimento de leveza e paz se apossando de mim.
- Posso pedir uma última coisa? – Digo a ela com a voz arrastada.
- Qualquer coisa! – Ela diz rapidamente
- Um beijo...
Ela se inclina um pouco sobre meu corpo encostando seus lábios quentes na minha boca fria, me beijando, enquanto meu coração lentamente para de bater. Eu sabia que este deveria ser o último bater de meu coração, e assim por alguns segundos eu morri, e em minha passagem da vida para a morte eu vi uma luz, e nesta luz eu a vi alguém me chamar, eu senti todo seu sentimento por mim, eu sentir um calor como nunca tinha sentindo antes, não como uma simples emoção, mas como um verdadeiro sentimento de carinho, afeto, dor, amor, raiva, ódio, algo tão intenso que quando voltei a mim apenas pude escutar em meio aos soluçando e lagrimas ela falando.
- Eu também te amei desde a primeira vez que te vi!
- Não se preocupe – digo a ela carinhosamente – eu não vou para lugar nenhum sem você!
- Como – ela me diz assustada – como você está vivo??
- De alguma forma – digo sem entender - de alguma forma eu sei que nós estamos curados da síndrome... agora você vai ter que ficar comigo para sempre...
- Para mim – ela diz me beijando – será perfeito...