Ravenala não entendeu por que Fernão chamou o pen drive de chaveiro. Mas...Segurou a curiosidade, nada perguntou. Talvez ele não quisesse interferir na área profissional dela. Andaram pouco, sem qualquer direção, praticamente calados, até que o rapaz irrompeu o silêncio:
— Posso levá-la em casa? Tenho um trabalho a fazer no escritório, com certa urgência!
— Pode sim, pode sim...
Poucos dias depois, outra vez ele parou no apartamento. Parecia um convite para ela entrar. Mas não criou a desculpa de pegar um pen drive, simplesmente, disse:
—Demorarei pouco. Vou tomar banho e arrumar para sairmos. Se quiseres me acompanhar, garanto que não tem prato sujo na pia.
— Tenho sede. Vou subir. Espero que os copos também estejam limpos.
Era quase possível ver o nervosismo dele refletido no soalho. Não havia roupas espalhadas no chão. Nada sujo na pia. Tudo limpo e arrumado revelava a obra de uma boa diarista. Pratarias, talheres, cristais e vinhos sobre a mesa, guardadas as proporções de espaço e posses, lembravam o salão de chá da Confeitaria Colombo. Ravenala vasculhava com o olhar tudo que suas vistas alcançavam. Precisava explorar a casa, sem tocar em nada, enquanto ele se banhava.
A sós, Fernão criava frases, fazia e desfazia abordagens dirigidas ao espelho, acompanhando e refazendo os movimentos para corrigir gestos labiais e frases. Queria ser autêntico ao sair do banho, e temia assustá-la se aparecesse de roupão... quem sabe, no susto ela deixasse escapar um “Oh!” Preferiu não arriscar o roupão. Talvez uma bermuda, uma roupa caseira mais leve?...
— Demorei muito?
— Nem tanto! Agora preciso ir ao banheiro – disse ela.
A banheira de hidromassagem estava coberta de pétalas vermelhas. Ela relaxou e disse sorridente.
— Gostei da surpresa. Não sabia da banheira com rosas.
A garrafa de vinho que Fernão abriu, não chegava a ser um rare wines. Mas, tinha nome estrangeiro e a indicação da safra 1977. Ravenala não conhecia a marca Groupie. Nem tinha certeza da tradução. Lembrou-se de já ter visto aquela inscrição nas camisetas que Ramayana usava por baixo do uniforme, como um pacto com seus ídolos. Mas, vinho com aquele nome, nunca tinha visto. Talvez Fernão tivesse mandado rotular por encomenda a algum vinhateiro e naquele dia... Naquele dia ela bebeu do poço de Jacó, e deu de sua água ao samaritano.
Pensou:
Se nascera fadada a virgem vestal, havia cumprido a missão: viveu trinta anos de castidade e, mesmo correndo o risco de ser atirada do monte Capitolino, tinha agora um homem para chamar de seu. No entanto, e apesar de tanto... fizeram um pacto: nenhum deles investigaria a vida do outro. Deveriam continuar do mesmo modo, como se conheceram, e assim, evitariam discussões. As discussões faziam muito mal, por isso, ele mesmo propusera o pacto de vida a dois com suas individualidades preservadas: cada um morar em sua própria casa.
Meses depois, o reencontro com frei Gaspar, foi o primeiro vexame. Ravenala apresentou Fernão como marido, para não ter que dar maiores explicações. Sabia o que pensava a Igreja Católica sobre a união de um homem com uma mulher, sem o sacramento do matrimônio.
— Frei, este é meu marido.
— Muito bem minha filha! Por que não escolheu a Basílica. Faria teu casamento com todo o prazer. Foi na pia de nossa igreja que foste batizada. Sabias disso?
— Sim, eu sei! A mãe me falou algumas vezes sobre meu batizado.
— Não apareceram mais na Basílica?...
— É verdade! A mamãe faleceu e nos mudamos para o Aterro do Flamengo.
— Meus sentimentos pela morte de sua mãe. Dê um abraço em seu pai.
— Ele também morreu...
— Pena, seu Jeremias era um homem tão bom!
A conversa desviando-se de matrimônio parecia melhor para Fernão. Ravenala fingiu esquecer a pergunta sobre o casamento dela na Basílica e o Frei, não insistiu nem insinuou aguardar resposta.
***
Adalberto Lima, trecho de Estrada sem fim...
— Posso levá-la em casa? Tenho um trabalho a fazer no escritório, com certa urgência!
— Pode sim, pode sim...
Poucos dias depois, outra vez ele parou no apartamento. Parecia um convite para ela entrar. Mas não criou a desculpa de pegar um pen drive, simplesmente, disse:
—Demorarei pouco. Vou tomar banho e arrumar para sairmos. Se quiseres me acompanhar, garanto que não tem prato sujo na pia.
— Tenho sede. Vou subir. Espero que os copos também estejam limpos.
Era quase possível ver o nervosismo dele refletido no soalho. Não havia roupas espalhadas no chão. Nada sujo na pia. Tudo limpo e arrumado revelava a obra de uma boa diarista. Pratarias, talheres, cristais e vinhos sobre a mesa, guardadas as proporções de espaço e posses, lembravam o salão de chá da Confeitaria Colombo. Ravenala vasculhava com o olhar tudo que suas vistas alcançavam. Precisava explorar a casa, sem tocar em nada, enquanto ele se banhava.
A sós, Fernão criava frases, fazia e desfazia abordagens dirigidas ao espelho, acompanhando e refazendo os movimentos para corrigir gestos labiais e frases. Queria ser autêntico ao sair do banho, e temia assustá-la se aparecesse de roupão... quem sabe, no susto ela deixasse escapar um “Oh!” Preferiu não arriscar o roupão. Talvez uma bermuda, uma roupa caseira mais leve?...
— Demorei muito?
— Nem tanto! Agora preciso ir ao banheiro – disse ela.
A banheira de hidromassagem estava coberta de pétalas vermelhas. Ela relaxou e disse sorridente.
— Gostei da surpresa. Não sabia da banheira com rosas.
A garrafa de vinho que Fernão abriu, não chegava a ser um rare wines. Mas, tinha nome estrangeiro e a indicação da safra 1977. Ravenala não conhecia a marca Groupie. Nem tinha certeza da tradução. Lembrou-se de já ter visto aquela inscrição nas camisetas que Ramayana usava por baixo do uniforme, como um pacto com seus ídolos. Mas, vinho com aquele nome, nunca tinha visto. Talvez Fernão tivesse mandado rotular por encomenda a algum vinhateiro e naquele dia... Naquele dia ela bebeu do poço de Jacó, e deu de sua água ao samaritano.
Pensou:
Se nascera fadada a virgem vestal, havia cumprido a missão: viveu trinta anos de castidade e, mesmo correndo o risco de ser atirada do monte Capitolino, tinha agora um homem para chamar de seu. No entanto, e apesar de tanto... fizeram um pacto: nenhum deles investigaria a vida do outro. Deveriam continuar do mesmo modo, como se conheceram, e assim, evitariam discussões. As discussões faziam muito mal, por isso, ele mesmo propusera o pacto de vida a dois com suas individualidades preservadas: cada um morar em sua própria casa.
Meses depois, o reencontro com frei Gaspar, foi o primeiro vexame. Ravenala apresentou Fernão como marido, para não ter que dar maiores explicações. Sabia o que pensava a Igreja Católica sobre a união de um homem com uma mulher, sem o sacramento do matrimônio.
— Frei, este é meu marido.
— Muito bem minha filha! Por que não escolheu a Basílica. Faria teu casamento com todo o prazer. Foi na pia de nossa igreja que foste batizada. Sabias disso?
— Sim, eu sei! A mãe me falou algumas vezes sobre meu batizado.
— Não apareceram mais na Basílica?...
— É verdade! A mamãe faleceu e nos mudamos para o Aterro do Flamengo.
— Meus sentimentos pela morte de sua mãe. Dê um abraço em seu pai.
— Ele também morreu...
— Pena, seu Jeremias era um homem tão bom!
A conversa desviando-se de matrimônio parecia melhor para Fernão. Ravenala fingiu esquecer a pergunta sobre o casamento dela na Basílica e o Frei, não insistiu nem insinuou aguardar resposta.
***
Adalberto Lima, trecho de Estrada sem fim...