988-LIGEIRAMENTE GRÁVIDA

— Josina, você está doente?

— Quê é isso, dona Dalva? É só um enjôo. Num tô doente não, sinhora.

— Toma cuidado. Você não sai do banheiro. Hoje já é a terceira vez que vejo você indo lá. E não mente não. Se estiver doente, fica em casa.

Ficar em casa, de jeito nenhum! A moça treme em pensar que se não vier trabalhar por conta desses enjôos, vai perder o emprego.

Vive com a mãe, num barraco, em precárias condições, no aglomerado (já não se chama mais favela, como se a mudança de nome alterasse as condições de vida dos moradores) da Pedreira Velha. Aos dezesseis anos, é uma morena sem nada de excepcional. Não é bonita nem feia. Morena, de estatura mediana, corpo bem feito, a sexualidade manifestando com vigor. Os seis viçosos, bum-bum empinado, pernas bem torneadas, uma garota como dezenas de outras, que têm de ganhar a vida e sustentar família, sem chance de sair daquela dura e triste situação..

Namora Daniel, rapaz um pouco mais velho que ela, talvez dezoito, vinte anos. Desempregado, vive de serviços avulsos que pintam aqui e ali.

Os únicos momentos de Josina que realmente contam são quando está com o namorado.

A mãe também estranha a filha, antes tão viva e alegre e agora desanimada, indisposta, queixosa. .

— Vou no Instituto, pegar uma senha pra uma consulta.

— Não precisa, mãe, num tou doente.

Ela sabe que não está doente. Sabe que está esperando criança. Conversou com Dona Floripes, a velha que sabe de tudo. Porém, não pode contar nada pra ninguém. Vai dar um jeito de tirar.

Com certeza, o pai é Daniel, pois nos seus encontros, no rela-rela pelos cantos escuros, já chegaram ao bem-bom por diversas vezes. Mas fica pensando nos entreveros que teve com o patrão, marido de dona Dalva, o nojento do seu lldeu, que, nas ausências da patroa, a forçou por diversas vezes. Sem falar nos momentos de puro prazer que auferiu com o Juninho, filho da dona Dalva e seu Ildeu.. Delicado rapaz que a levou ao máximo por duas vezes, estando o pai e a mãe ausentes.

Uma dúvida atroz lhe atormenta o pensamento. Quem é o pai da criança? Se falar para Daniel, este vai abandoná-la, com certeza. Se falar com o patrão, este vai dizer que está mentindo, que não tem nada com isso. Se falar com Juninho, será a mesma coisa. Se a patroa ficar sabendo, então, aí sim, perde o emprego no ato.

A mãe consegue a consulta médica. Vai com ela e aguarda do lado de fora do consultório.

— Você está grávida, Josina. — O médico confirma o que ela já sabia. — E está de três meses.

— Por favor, doutor, não fala nada pra minha mãe. Deixa que eu falo.

— Sim. Mas vamos ter de fazer um ultra-som. Estou achando sua barriga meio diferente. Agora, procure descansar um pouco, não se esforce muito. E trate de contar para sua mãe.

Não foi preciso. A mãe, ante as evasivas da filha, viu confirmada suas suspeitas.

— Cê tá me escondendo que tá grávida! Pensa que sou boba? Agora, tem de me dizer quem é o pai. Pra gente procurar acertar a situação.

— Ara mãe, deixa de besteira. Depois do exame de ultra-som, se eu tiver mesmo esperando nenê, falo quem é o pai.

Mas a dúvida continua na sua cabeça. Nunca vou descobrir, pois esses homens são tudo uma droga, ninguém vai assumir. E não posso perder o emprego, Deus que me livre!

Submeteu-se ao ultra-som. Com o resultado do exame na bolsa, voltou ao ginecologista do Instituto.

— Menina, que beleza! — O doutor fica entusiasmado com o resultado. — Era justamente o que eu pensava. Você está grávida de três crianças!

Josina fica um pouco surpresa. Só um pouco. Suspira aliviada. Acabou-se a terrível dúvida. Na sua grande ignorância sobre a maternidade, pensa ter encontrado a solução do grande enigma. Com um sorriso tão misterioso quanto ao da Mona Lisa, pensa.

Agora posso falar com todos os três. Cada um é pai de uma criança. .

ANTONIO GOBBO – B. HTE, 11 / OUT. / 2006

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/03/2017
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