DOLORES

A CIGANA FITOU OS SEUS OLHOS, como a querer penetrar-lhe o âmago da alma; Ariosto sentiu-se invadido em sua intimidade mais profunda.

- Deixe-me ver as suas mãos – disse-lhe ela enquanto as apalpava e observava detalhes das mesmas; analisava minúcias; depois virou as palmas das mesmas para cima e seus olhos começaram a viajar por todas as suas linhas; a Linha da Vida, a Linha da Cabeça e a Linha do Coração, nessa ordem. Parou, refletiu um pouco e balançou a cabeça no sentido vertical; refletiu novamente e seu rosto manifestou uma expressão de dúvida.

Enquanto isso a mãe do menino consulente que observava cada movimento da cigana exclamou impaciente: - Mas e aí, o que a senhora viu?

- Aguarde mais só um instante. – respondeu a cigana com ar de mistério e retornou ao exame minucioso das mãos do garoto, dessa vez perscrutando os montes e suas interações com as linhas e após alguns instantes vaticinou:

- Esse menino tem tudo para ser feliz; é inteligente e terá muita sorte com dinheiro e se souber aproveitar poderá ser um homem rico; vejo aqui também algumas aventuras amorosas e uma grande paixão por volta dos 25 anos, mas que se ele não tomar cuidado esse amor poderá ser a sua ruina. – esse último vaticínio foi dito pela cigana quase que automaticamente como que tomada por um surto mediúnico; e em seguida benzeu-se como a querer proteger a se próprio.

- Mas que coisa! – exclamou aflita a senhora.

- Mas não se aflija minha senhora, a profecia predispõe, mas não dispõe. – ponderou a cigana, talvez para alentar a aflição de que foi acometida a senhora.

- Mas o que quer dizer isso? – inquiriu a mesma.

- Quer dizer que a profecia pode vir a não acontecer, desde que a pessoa modifique os seus passos e as suas atitudes e não precise passar por aquela vivência.

Ariosto que estava o tempo todo irrequieto exclamou impaciente: - Mamãe posso ir, os meninos estão me esperando para jogar bola?

-Vá meu filho – aquiesceu a senhora.

O menino já com seus oito anos de idade saiu correndo em disparada e quase que atropela uma ciganinha de seus cinco anos de idade que adentrava a casa a procura de sua mãe.

- Cadê bata? – perguntou a ciganinha a Ariosto. – o que é isso? – indagou o menino. – Bata, bata.... – insistiu a menininha já quase chorando. – Sei não! – respondeu o Ariosto e saiu em disparada.

- Estou aqui Dolores! – Falou a Cigana ao ouvir o chamado da menina.

- De quem é essa menina linda?

- Essa é minha filha; Dolores! – respondeu orgulhosa a Cigana.

Após pagar a consulta, a senhora agradeceu a cigana que ao sair desejou boa sorte e foi ao encontro dos outros ciganos que se encontravam próximo à feira negociando animais e toda espécie de bugigangas.

O tempo passou e o por do sol Areia-branquense fez-se poesia por muitos anos e alimentou as inspirações boêmias de muitos seresteiros e a alegria de muitos lares ao permitir o retorno do mar, seja daqueles que viviam da pesca, seja dos salineiros ou marítimos que tinham o mar como ganha-pão...

Patrão...patrão! - Adentrou Benedito no alpendre da casa aos gritos.

O que se passa homem parece que viu onça? – brincou Ariosto com o vaqueiro.

Era o ano de 1963 e Ariosto acabara de completar 25 anos; Com pouco mais de um metro e setenta, era um jovem bonito de cabeleira cheia e negra e barba curta na mesma tonalidade; tinha a pele de tez morena, com o rosto sempre expressando um sorriso e um olhar brilhante e penetrante. Muito cedo herdou do pai uma pequena propriedade localizada entre Benfica e Serra Vermelha no município de Areia Branca no Rio Grande do Norte; propriedade essa que sob sua administração havia prosperado e já era aos 25 anos detentor de considerável número de reses e inúmeras outras criações. Tinha duas paixões: Mulheres e cavalos.

- Um de seus cavalos sumiu patrão! - disparou Benedito em estado apoplético.

- Mas qual cavalo? – questionou Ariosto.

- Foi o Príncipe patrão!

- Mas você procurou direito rapaz?

- Procurei por toda parte; na propriedade e aqui nas redondezas. – disse Benedito e arregalando os olhos com uma cara de cisma disparou: - É o seguinte patrão, ontem a noite passou aqui por perto um grupo de ciganos no rumo de Areia Branca... e esse pessoal o senhor sabe como é...quem sabe não tenham encontrado o cavalo solto na estrada e levado o bichinho ...uma hora dessas já devem estar negociando o animal na feira.

- Benedito, sele um cavalo que eu vou a Areia Branca passar a limpo esse negócio. – disse Ariosto enquanto colocava um revolver na cintura.

Após alguns minutos Benedito retornou com um cavalo selado e ponderou preocupado – Não quer que eu vá com o senhor? – Não é preciso. – respondeu Ariosto.

– Mas cuidado patrão que esses ciganos são valentes e só andam armados e em bando.

Ariosto montou no cavalo que parecia sentir o clima de tensão e rodava arredio em torno de si. – Não sei a que horas eu volto e pode até ser que durma por lá. Disse por fim e disparou estrada a fora num galope desenfreado.

Durante o percurso a mente voava urdindo pensamentos sestros. “Se esses ciganos tiverem com meu cavalo não sei do que sou capaz...”; “e se tiverem negociado o animal... ah! não quero nem pensar...”. Chegou a Areia Branca e foi direto para a feira; os ciganos estavam na esquina da antiga Rua Silva Jardim com a Rua Barão do Rio Branco; Apeou do cavalo a certa distância dos ciganos, amarrou as rédeas do bicho no tronco de um pé de fícus que fazia sombras na frente de uma residência e seguiu a pé até a trupe dos ciganos; observou que havia alguns cavalos, mulas e jegues e aproximou-se de um animal da mesma cor do seu, mas que viu logo não ser o mesmo. Nesse momento aproximou-se também um cigano:

- Gostou do bichinho? – indagou o cigano.

- É bonito, parece com um cavalo que eu tenho. Tem outros cavalos além desses? – indagou Ariosto querendo encontrar alguma pista do seu cavalo.

- No momento só temos esses; vi quando o senhor apeou do seu cavalo. Vamos fazer negócio no meu? Dou um pelo outro e o senhor me volta dois cabritos e eu fecho negócio. – propôs o cigano.

- Vixe Maria! E eu ainda tenho que voltar? Dou um pelo outro. – contrapropôs Ariosto.

- Não, não dá! Você me volta um cabrito e tá fechado.

- Por que com vocês tem sempre que ter volta? – indagou irritado Ariosto.

O cigano deu um sorriso e deixou à mostra dois dentes de ouro que reluziram no sol da manhã e tricoteou: – Porque nós vivemos disso e não comemos orelha de cavalo!

Ariosto riu da espirituosidade do cigano; enquanto isso viu aproximar-se uma cigana com trajes coloridos e vários adornos próprios de sua gente. Era de uma beleza nunca vista por ele; pele bronzeada pelo sol; olhos e cabelos negros e uma elegância primorosa; aparentava ter uns vinte e dois anos.

- Robério você viu Igor meu marido? – indagou a cigana, que pareceu não notar a presença de Ariosto, que meio hipnotizado, não lhe tirava os olhos.

O cigano Robério olhou rapidamente em volta e respondeu: - Dolores, ele estava aqui há pouco, talvez tenha ido ao mercado público comprar algum mantimento.

Dolores deu meia volta e seguiu rumo ao mercado; Ariosto a seguiu com os olhos e só foi interrompido pelo cigano que, talvez percebendo o interesse de Ariosto pela cigana, interpelou-o com certa rispidez:

- O senhor pensa se quer realmente fazer negócio no cavalo e me procura; passe bem!

- Vou pensar! – retrucou Ariosto meio que desorientado. Após então seguiu até a uma birosca que havia na feira, a fim de tomar uma bicada de cana.

- Bote aí dois dedos de cana, para ver se eu me recupero do tombo do cavalo que eu levei agora há pouco.

- E foi grave? – acudiu o dono da venda que era conhecido como o Bode.

- Machucou meu coração!

- E tu bateste com o peito em quê?

- Na mulher mais bonita que já vi nesse mundo!

Um senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor, que se encontrava sentado num pequeno banco no canto do balcão, interrompeu o movimento do copo que fazia uma trajetória parabólica rumo à boca; e interpelou:

- E essa maravilha é daqui?

- Não, é uma cigana que acabei de ver aqui na feira!

- Será ela descendente das circassianas? – intercedeu o senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor.

- Mas que danado é isso? – interpelou o Bode.

O senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor, após concluir o movimento parabólico que fazia com o copo rumo à boca, refez-se da consequente careta resultante do amargo da pinga, aprumou-se no tamborete com um ar de intelectual e dissertou:

- Existem duas vertentes de ciganos no Brasil: uma originária da Península Ibérica na Europa – os ciganos calon que para cá vieram desde o século XVI na era colonial - e os ciganos roma que aqui chegaram no século XIX e início do século XX vindos da Europa Central e Oriental; mas acredito que os ciganos que circulam por aqui no nordeste são originários da península Ibérica. Mas, quando você falou da beleza dessa cigana, remeteu-me às mulheres circassianas, originadas do Cáucaso – que se localiza entre o mar Negro e o mar Cáspio - consideradas as mulheres mais belas do mundo; grande parte desse povo foi exilada de sua região, e, muitas dessas mulheres que eram desejadas por reis e sultões da Europa e do Oriente, acabaram tornando-se escravas sexuais desses potentados; mas não eram ciganas. Já a sua ciganinha deve ter mesmo uma beleza Ibérica, quem sabe originária da Andaluzia.

- Circassianas ou da Andaluzia, eu lhe aconselho a não mexer com essa gente; e deve ser até casada, já que essas ciganas casam novinhas. Se aprume Ariosto, você tem fama de conquistador, mas cuidado para não mexer em casa de marimbondo. – Advertiu o Bode, que acompanhava a conversa enquanto despachava e também tomava suas bicadinhas de cana.

Nisso achegou-se um beiju já com a cara cheia de cachaça e foi logo pedindo uma; tomou a pinga de um gole só e virou-se para os outros batendo no bolso que aparentava estar cheio de dinheiro e com ar debochado desafiou: - Acabei de vender toda a minha mercadoria e agora estou doido pra perder esse dinheirinho num carteado.

- Um beiju gastador? – indagou inopinadamente o senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor. – Isso contradiz qualquer tese acadêmica sobre o comportamento coletivo de uma comunidade; esse deve ter dado um curto-circuito nos neurônios.

Já Ariosto que além das duas paixões já comentadas tinha também um vício: O baralho! Tomou a sua dose e virando-se para o beiju retrucou: - E eu estou doido pra ganhar!

Saíram os dois a caminho de um recinto de jogos de um tal de Eliseu. O senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor, saiu correndo atrás. – Espere que eu também vou com vocês; não jogo, mas quero ver essa disputa.

Quando chegaram ao recinto de jogos de Eliseu se juntaram a outros que já aguardavam parceiros para iniciar a jogatina.

Sentaram-se a mesa cinco jogadores e começaram o jogo de pife; Ariosto ganhou as três primeiras partidas. O beiju praguejava o tempo todo. Nisso o senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor disparou:

- Sorte no jogo, azar no amor! Viu Ariosto? Desista da cigana que o seu negócio é dinheiro! – e a história da cigana circundou a mesa.

O jogo correu por horas e o beiju quanto mais perdia mais se exaltava e elevava o nível dos palavrões, até quando Ariosto ganhou mais uma e o beiju levantando-se da mesa, gritou: - Ladrão você tá roubando!

O clima esquentou. Ariosto também se levantou de supetão e retrucou: - Você é que não sabe perder e vá aprender a jogar!

O beiju puxou a peixeira e todos se levantaram. – Calma gente, calma gente! – gritaram.

Nisso Ariosto puxou o revólver e nessa altura o salão só ficou com dois jogadores que haviam se tornado dois inimigos.

A tensão era grande. – Gente chame aí o soldado Tira-gosto, ele estava aqui há pouco, se não esse negócio vai dar em morte!

- Atire se você tem coragem! – vociferava o beiju, já totalmente embriagado.

- Então corra pra dentro pra ver? – respondia Ariosto.

Nesse interim chegou a turma do deixa disso e conseguiram levar o beiju para fora do recinto e finalmente levaram-no dali a muito custo e sem parar de praguejar: - Eu ainda lhe pego ladrão!

Ariosto foi também aconselhado a ir para casa, e foi; não sem antes dar uma paradinha na saída da cidade e tomar umas saideiras; quando montou finalmente o cavalo para ir para casa já era noite. No caminho, os baldes das salinas com as águas já salinizadas espelhavam a luz do luar e davam à noite um ar de encantamento; e o vento que soprava do mar com seus uivos cortantes trazia um ar de mistério. Os pensamentos de Ariosto também voavam feito o vento e agitavam-se feito as ondas; “Que dia”, pensava; “Primeiro o cavalo, depois a cigana e no final essa briga”.

O cavalo trotava lentamente na estrada de piçarra e logo depois da comunidade das Pedrinhas o cavalo agitou-se um pouco e Ariosto pode ver próximo à margem da estrada o acampamento dos ciganos. “Caramba eles estão aqui.”; Olhou melhor e divisou um cercado improvisado onde se encontravam os animais. “Será que Príncipe está lá?”; “Vou esconder meu cavalo por aqui e vou dar uma olhada”.

Amarrou o cavalo embaixo de um cajueiro e tentou alcançar o cercado dos animais por trás, com cuidado para não ser visto; ao passar por trás de uma barraca pode ver a silhueta de duas mulheres e reconheceu numa delas a silhueta de Dolores; as duas mulheres conversavam. O coração disparou, mas a curiosidade foi maior e aproximou-se mais ainda e pode ouvir o que conversavam: “Minha filha não chore assim.”; “Mas mamãe, já estou com mais de quatro anos de casada e ainda não dei um filho a Igor, estou preocupada. E se eu não conseguir ter filhos?”; e caiu no choro. Ao dar mais um passo, Ariosto bateu com o pé numa lata e afugentou um dos cavalos no cercado; alguém gritou: - Quem está aí? - Ariosto deu meia volta e aproveitando a escuridão alcançou o seu cavalo e pegou a estrada em disparada.

Durante a noite teve sonhos agitados; em um deles se viu andando sozinho sobre as dunas da praia do Rosado e avistou ao longe a silhueta de uma mulher correndo sobre as dunas; e o vento e a areia esvoaçavam seus cabelos e suas roupas coloridas, dando-lhe a aparência de um pássaro tentando alçar voo e finalmente deixou-se cair, como que abatida por alguma arma. Ariosto aproximou-se e reconheceu Dolores que chorava tentando esconder o rosto; aproximou-se mais e ela lhe estendeu as mãos e nelas pode ver as suas linhas que foram aos pouco ficando vermelhas e começaram a sangrar; de repente olhou para as suas próprias mãos e elas também estavam sangrando. Acordou em sobressalto; o dia já havia amanhecido.

Sentou-se a mesa para tomar café; a cozinheira trouxe café, leite, cuscuz e ovos fritos e enquanto servia comentou: - Benedito procurou o senhor ontem de tardezinha.

- O que ele queria?

- Veio dizer que encontrou seu cavalo; estava lá pras bandas do Piquirí!

- Graças a Deus! – Fez uma pausa, refletiu um pouco e continuou: Faça o favor de chama-lo aqui. Diga que é pra trazer Príncipe selado que eu vou a Areia Branca novamente.

Príncipe era um cavalo vistoso, de pelo marrom claro, tinha as pernas longas o que lhe dava muita elegância no trote. Ariosto ajeitou melhor a sela; estava alegre em poder montar novamente aquele cavalo; soltou as rédeas e galopou no rumo da cidade.

Dessa vez deixou o cavalo na Rua do Progresso e seguiu a pé até a feira; os ciganos estavam no mesmo lugar; passou direto e foi até a farmácia de Seu Dimas comprar alguma coisa para dor de cabeça. Quando passou em frente ao mercado público, teve a impressão de ter visto o rosto do beiju no mercado a espiá-lo; procurou novamente mais não o viu. Após a saída da farmácia avistou Dolores conversando com um cigano, que julgou ser o seu marido; parecia estar alegre, o cigano também ria. Aproveitou foi até a mercearia de Zequinha Nogueira para saldar umas contas do mês anterior; ao retornar à feira deu de cara com Dolores perguntando-lhe se não queria que lesse sua mão.

Com o seu consentimento, Dolores apalpou suas mãos e enquanto seus olhos percorreriam linhas, sinais e montes de suas mãos, os olhos de Ariosto comtemplavam a beleza da cigana; os olhos, o nariz, a boca. A cigana fitou-o brevemente e retornou à análise de seu destino – eram as mesmas linhas de quando garoto – o vaticínio não seria diferente.

- Quantos anos você tem?

- Vinte e cinco. - respondeu Ariosto

Dolores o contemplou por algum instante e seus olhos se encontram; parecia que já se conheciam há séculos; o coração de Ariosto disparou; jamais sentira aquela emoção. A cigana desviou novamente o olhar para as suas mãos e vaticinou:

- Você é um homem inteligente e tem muita sorte com dinheiro; poderá ser rico se já não é; vejo também muitas aventuras amorosas. – parou um pouco, fitou novamente seus olhos e completou: Você está prestes a encontrar a grande paixão de sua vida...

- Já encontrei! - irrompeu Ariosto fitando-a nos olhos.

- Mas cuidado; essa paixão poderá ser também a sua ruina.

- Vamos ver, quem sabe valha a pena. – respondeu enquanto tentava manter segurado as suas mãos na dela. Ela puxou a mão bruscamente. – Por favor! Em seguida informou o preço da consulta, recebeu o dinheiro e desejando-lhe boa sorte partiu em busca de outros consulentes.

Ariosto ficou um pouco desorientado com a atitude da cigana e meio que sem saber para onde ir; sentiu no ombro a mão de alguém, virou-se e viu o senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor.

- Olá amigo! Vamos lá no Bode tomar uma?

- Professor, ainda estou com ressaca de ontem!

- Só um aperitivo para almoçar.

- Tá bom! Mas só uma!

Achegaram-se no balcão e o Bode serviu os aperitivos. De repente Ariosto olha para a esquina e divisa o beiju conversando com o cigano que supunha ser o marido de Dolores; e aparentemente o beiju apontava em sua direção. Estranhou o fato do beiju conhecer o cigano. “O que será que conversavam?”, pensou. Alguns segundos após retornou a olhar e não mais os avistou. Vários minutos se passaram e uma se tornou algumas; quando um garoto portanto um pedaço de papel abordou-o: - É o senhor que é Ariosto?

- Sou eu mesmo menino, por quê?

- Uma mulher mandou entregar isso para o senhor.

Era um bilhete. Ariosto abriu o bilhete e leu para si: “Quero me encontrar com você. Encontre-me às dez horas da noite na entrada da praia de Upanema. Dolores”.

- E aí Ariosto, recebendo bilhete da namorada? – Brincou o senhor de faces avermelhadas e óculos de fundo de garrafa, com cara de professor.

- Não! É um bilhete de minha mãe, me pedindo para ir à casa dela; desconversou.

Essa mentirinha dita ao acaso suscitou a saudade da mãe.

Tomou mais uma e meio que sem entender e ao mesmo tempo cônscio de sua verve de conquistador dirigiu-se à casa da mãe que se encontrava morando na Rua do Meio.

- Meu filho, eu ando tão preocupada com você. Soube da confusão de ontem no recinto de jogos de Eliseu. Cuidado Ariosto!

- Não foi nada mãe, foi só uma pequena discursão.

- Quem esteve aqui há alguns minutos atrás foi uma cigana que eu não via há muito tempo. Ela esteve aqui quando você ainda era uma criança; naquela época ela leu a sua mão; e disse que precisava muito conversar com você. Ela disse que se caso você aparecesse ela estaria lá pela Rua da Frente.

Conversaram por mais alguns minutos e Ariosto resolveu ver o que aquela cigana queria com ele.

- Passe aqui para almoçar meu filho!

- Está bom mãe, eu venho.

Ao chegar à Rua da Frente Ariosto logo avistou uma cigana que lia a mão de um senhor de idade. E aguardou alguns minutos.

- A senhora quer falar comigo?

- Você é Ariosto?

- Às suas ordens!

A cigana olhou para ele demoradamente.

- Li a sua mão quando você era ainda um menino.

- Mamãe me falou.

- Você tem tudo para ser feliz.

- Obrigado! Pelo menos eu procuro.

- Sou a mãe de Dolores, você sabia?

- Não senhora!

- Hoje ela confirmou que está grávida; está feliz; é tudo o que ela queria.

- Mas...como a senhora sabe... ?

- Eu também li a mão dela!

- Mas ela me escreveu um bilhete...

- Impossível, ela não sabe ler...

- Mas...

- Só lhe peço, não vá a esse encontro... A profecia predispõe, mas não dispõe!

Chico Alves dMaria
Enviado por Chico Alves dMaria em 28/02/2017
Reeditado em 02/03/2017
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