No fundo do mar
Na minha gruta, eu posso ver os morcegos sobrevoando o teto. Adormeço pensando nisso, muitas vezes, porque quero efetivar bons planos, e penso em coisas que me dão medo do desconhecido.
O meu galo eletrônico está sem sinal, assim como eu, ele não está dando linha. E eu preciso falar com Deus, desabafar. Penso em arremessar essa tecnologia vagabunda contra parede, espatifá-la no chão. Calma! Ao menos ela, a desgraçada tecnologia, ainda lhe serve, pois não lhe deixa esquecer as obrigações laborais. Ah, não me fale disso. Obrigações têm me feito ficar longe de um santo que almejo um dia encontrar para eternizar a minha existência ao lado dele, e, claro, isso tem me levado ao tédio. Talvez seja isso que me provoque estas vontades estranhas: tenho tido desejo de ir acampar com um santo numa Savana Africana. Construir uma casa para eu e um santo no fundo do mar. Corresponder-me com amigos íntimos só por telepatia. Passar as férias com um santo, com o qual constituirei um matrimônio de nós juntos por uma vida, no meio da Mata Atlântica, e de lá escrever para meus pais com uma pena molhada na tinta. Penso em está em São Paulo em definitivo, nesta metrópole sombria. No entanto, essa metrópole é quem pode me doar esse santo, um animal racional para eu cuidar dele pelo resto de minha existência, obter este animal racional santo sobre meus domínios. Puxo um verso que concebeu o meu estado de espírito e por isso o guardei no bolso da minha calça jeans desbotada: “A vontade de amar, que me paralisa o trabalho”. Oh eu ando tão desordenada. É esta minha mania de falar de sexo, praticá-lo melhor ainda. Falar de sorvete, saboreá-lo melhor ainda. Alimentar-me dessas minhas duas paixões. Separo os momentos. Ora o trabalho. Ora o sexo. Ora o sorvete. Entro em equilíbrio. Na minha gruta, estou em paz.
Droga! Eu detesto morcegos, eles me apavoram. E eles só aparecem quando eu fico sozinha, nos meus dias negros. Uma gruta é o meu tabernáculo, a morada desta criatura exótica que sou eu. A minha vida é tão gótica sem o corpo desse santo que almejo por perto.
Eu preciso falar com Deus. Nado para entrar em transe e me encontrar com Deus, me perco dentro de mim. Remo para me entender, e acho Deus dentro de mim.
Por vezes, esmero ficar sozinha e como eu reverencio o silêncio. Deus compreende o tempo que gasto habitando dentro de mim, e decifra o motivo que me leva a ficar tão fora do que me cerca. Deus sempre chega e não pretende mudar nem parcialmente estes hábitos introspectivos.
Desculpe-me, mas de fato sou assim, como pantera solitária quando quero, esta figura de hábitos individuais, e, em outras situações extravaso simpatia para os que estão ao meu redor. Fico deitada na minha cama. Lendo os meus livros. Ouvindo os meus CDs DVDs, que tocam minhas músicas preferidas. Vendo os meus filmes selecionados. Pensando nas minhas outras possibilidades de vidas. Escrevendo nos meus cadernos. Perdida nas minhas fantasias incríveis. Venerando o meu amor próprio.
Eu sei muito bem que dividindo - sob o mesmo teto - minha vida privada com um homem, a vida iria parecer mais dramática, a questão problemática seria fazer algumas renúncias e escolhas. E escolhas nem sempre são bem vindas. Há uma luz acesa!
Se eu aceitar esta missão, passarei a viver junto com outra vida. Construirei meu castelo submarino, o qual será construído como uma fortaleza com arquitetura do Egito, submersa nas Ilhas Gregas, onde eu ainda não terei abdicado ao poder dos meus hábitos esquivos. O esperado momento do “sim, sim” virá do céu. Anjos-de-honra iluminarão o espetáculo. Dois espíritos serão enlaçados dentro do Templo Tanah Lot, em meio ao oceano. O resultado de uma oração. Outra oração. Estaremos diante do efeito da conjugação aditiva que unirá duas orações: o amor coroado em praça pública. A lua-de-mel será no meio das ruínas de um navio náufrago. Inusitada!
Renunciarei a jogar xadrez sozinha. Ganhar sozinha. Perder sozinha. Alimentar-me sozinha. Esquecer-me na minha própria bagunça ordenada. E a outros hábitos esquisitos de solteira.
A gruta obscurece. Os morcegos abrem seus capuzes negros e vêm de encontro a minha presença, me atacam. O fantasma daquele morcego horroroso ainda me atormenta. No entanto, agora que mataram ele, larguei o corpo dele guilhotinado no meu passado. Este morcego está morto e sepultado. Novos sentimentos bons surgem em mim. Penso na minha missão a cumprir. Penso em constituir um matrimônio. Este morcego só me serviu para me vampirizar, para atrair energias mesquinhas. Agora, acordada na minha gruta e de frente para uma vida real, percebo o quanto o mundo sem cegueira para o óbvio pode ser majestoso, dessa vez, sem vampirismos.
Um coral de anjos me recitam em voz forte e suave como uma ordem celestial: “Larga a mão desse sangue sunga. Matamos este morcego que atormentava você. Metemos este morcego em uma guilhotina, portanto, ele já está muito bem guilhotinado, claro. Este morcego está terminantemente proibido por ordem do céu de fazer parte de sua gruta, de sua vida. Volte para o cumprimento de sua missão. Cumpra a sua missão, porque você não pode e nem vai falhar”. Sorrio intensamente para o coral de anjos. Meu coração se enche de tranquilidade. Eu acredito que agora estarei à salva. Sim, sim, estou à salva. Estamos a salvos, eu e os anjos que me circundam. Renúncias, amor, trabalho, casamento, cumprir minha missão, tudo isto foram coisas que fizeram cravar uma cruz de uma vez por todas na cova desse morcego que outrora tanto me atormentou. Há uma luz acesa na minha gruta!
Pego novamente o meu galo eletrônico. Faço uma ligação direta para o céu de olhos fechados através de uma oração. As luzes misturadas piscam extravagantes. E o sinal das ondas finalmente entra em contato com a voz do Deus. Do meu Deus vivo. O necessário sacrifício foi feito. Minha missão será cumprida com a ajuda dos anjos do Exército do meu Deus.
Peço a benção e seguro nas mãos invisíveis do Jesus Cristo do Deus. O seu perdão é concedido pelo tempo que me desviei da minha missão. Retorno ao cumprimento da minha missão. Estou em paz com os céus. É a minha própria luz o que vi. Foi minha própria energia demonstrada por Deus e pelos anjos do céu que devo utilizar essa minha luz própria para cumprir uma missão, um êxito perfeito na obediência de uma ordem celestial. Depois disso, na minha gruta, durmo em paz.