COISAS ANTIGAS
Ontem à noite remexendo em alguns guardados, já de muitos e longos anos que ficaram no tempo esquecido.
Deparei-me com muita emoção, e também com grande contentamento, com um lindo retrato seu muito antigo e em preto e branco, apesar de o tempo tê-lo amarelado.
Lembro-me bem desse dia.
Você deveria ter de sete a oito anos ou talvez nem isso, enquanto eu uns dois anos a mais.
No verso daquela fotografia, você me faz uma pequena dedicatória.
Com suas letrinhas ainda tortas, você me escreveu:
A você que eu amo muito, com muito amor e carinho.
Oh, como foram bons aqueles anos, em que amávamos como crianças!
Tínhamos um amor sincero e puro, e estávamos sempre a nos encontrar às escondidas de nossos pais.
Eu fazia em seus cabelos, lindas trancinhas, enquanto você deitada em meu colo, sempre me dizia como fora o seu dia.
Naquele retrato, você se encontrava muito linda, com um vestidinho branco de fitas, um arquinho nos cabelos, e um sapatinho também branco, combinando com suas meias.
Ainda você se encontrava à porta de sua casa, onde havia um bonito jardim, cheio de flores muito lindas, de onde os beija-flores vinham roubar sua inocente beleza, enquanto retiravam das flores seus alimentos.
Ah! Como me sinto neste momento!
Volto no tempo e me sinto novamente uma criança, ao reviver todos aqueles bons e inesquecíveis tempos, em que éramos felizes e não sabíamos.
Neste momento posso vê-la, posso senti-la e até ouvi-la com sua doce voz de criança a me dizer que gosta muito de mim.
Os anos foram passando, você ficando mocinha, com seus pequenos seios a aparecerem em suas roupas de menina moça.
Como eram bons aqueles anos que se foram para nunca mais voltar.
Nas manhãs de domingos, enquanto nossos pais assistiam às missas, sempre conseguíamos uma escapulidinha, e íamos para o banco da pracinha, onde os jardins se abriam em flores, só para lhe receber.
E sempre que as missas terminavam, nós conseguíamos algumas desculpas para, ficar um pouco mais a brincar de esconder.
Assim, o que fosse encontrado primeiro, ganhava um beijo.
Tudo para nós era somente alegria, pois, não tínhamos que nos preocupar com nada.
Quando passavam alguns dias, sem que eu a visse, eu fazia questão de ir até sua casa, com desculpas de buscar algumas frutas, somente para lhe ver e saber notícias suas.
Mesmo sabendo que a fruta mais doce e mais bela de todo seu pomar, era somente você e mais nenhuma outra.
Estudávamos na mesma escola, e sempre nos intervalos, nós nos encontrávamos no pátio, onde desfrutávamos de boas e agradáveis conversas, carregadas de muitos sorrisos.
Passaram se mais alguns anos, e seu lindo corpo Já tomavam forma de uma mulher, muito bonita e meiga, enquanto em meu rosto, já começava a nascerem os primeiros pelos.
Certa vez , quando passava por sua rua, fui surpreendido, com um enorme caminhão de mudanças parado em frente à porta de sua casa.
Ainda sem saber do que se tratava, perguntei a alguém daquela rua, sobre o que estava acontecendo.
Assim tristemente ouvi daquela pessoa, que você, juntamente com seus pais, já havia partido para uma cidade muito longínqua, há algumas horas e a mudança, seguiria viagem assim que os homens terminassem de colocar a mobília dentro do caminhão.
-Oh, meu Deus!!!
Falei atordoado em pensamentos...
Como isto aconteceu, e porque ela se mudara, sem ao menos se despedir de mim?
Assim, ainda meio confuso, ouvi alguém dizer, que seu pai, havia recebido uma ótima oferta de trabalho, e não podia deixar de aceitá-la de forma alguma, pois o salário que ele ira receber, era muito bom e irrecusável.
Ouvi também alguns vizinhos dizerem, que foi tudo muito rápido e que eles nem chegaram a se despedir.
Esperei que você me escrevesse algum dia, pois você bem sabia meu endereço.
Porém isso nunca chegou a acontecer, e sempre que o carteiro passava pela minha rua, a minha pergunta a ele, era sempre a mesma.
-Por favor, acaso, você tem aí, alguma correspondência para mim?
_Não, para você não tenho nada! Era o que me respondia sempre.
Assim, você nunca mais me deu notícias suas, enquanto eu passei por um período muito crítico em minha vida.
Por não conseguir me concentrar nos livros, sempre pensando somente em você, meus pais foram chamados à escola, para serem indagados, sobre o que estava acontecendo comigo, uma vez que eu era um aluno bem aplicado e sem mais nem porque, meu índice de aprendizagem estava se despencando a cada dia mais, depois que você se foi, sem ao menos nos despedirmos.
Até que acabei não sendo aprovado, naquele ano, em que eu concluiria o ensino médio.
Os anos passaram e nunca mais em minha vida, eu a vi.
Hoje porem, quando se contam mais de trinta anos, que se passaram, segundo a data registrada por você, no verso de seu retrato, eu o encontro muito bem guardado, lá no fundinho de minhas coisas antigas.
Assim, tomado de muita emoção e contentamento, abracei fortemente seu retrato bem junto ao peito, com uma imensa saudade daqueles tempos de criança, em que éramos muito felizes e não sabíamos.
Nova Serrana (MG), 05 de setembro de 2006.