Residência - partes 1 / 2

Residência

Parte 1

   Nem sei dizer o quão verdadeiro eram suas felicidades... andei por mais alguns passos procurando meu lugar.

    Estava tão abafado aquela noite que mal pude sentir. Caminhei e caminhei entre as pessoas. A praça parecia não ter fim. Então perdido em mim mesmo resolvi me procurar. Achei uma possível ajuda e fomos pondo em nossa mesa nossos tipos de fraqueza. Nos entregamos às bebidas...

Eu que sã não me encontrei tive que me ver em qualquer um...

    Pelas voltas que demos pela praça pude notar que ele no fundo não era eu. Por toda caminhada tentei forçar, fingir perfeição, porém não interpretei muito bem. A cada passo estava mais claro que o meu sofrimento poderia ser o de qualquer um, mas não dele. Fui notando com a intimidade que ganhei que à cada passo você se recuperava mais, enquanto as pessoas próximas se perdiam cada vez mais. Vi que mais triste é a ignorância de passar por cima do próximo ó ridicularizando e usando suas fraquezas contra o próprio.

    Em alguns passos fui caminhando meu próprio caminho pela praça. Por não estar sã cada pisada era como me afundar cada vez mais em minhas tristezas. Então olho para um lado e para o outro, ao vê-la caio...

    Eu me invejava cada vez mais de sua companhia, vi que mesmo que negasse ainda te amava. Eu estava bem abaixo mas pude notar que me percebeu, fez certos comentários e partiu em risadinhas...

    Acordei e ninguém mais ali estava. Estava meio baixo ainda mas pude enxergar minha residência. Tão simples e sem graça, mas sempre me enxergava ali.

    Assim como o dia algumas teorias se esclareceram em mim : Se tudo o que me fazia sentir-me estava ali, não devia eu naquele momento me procurar por aí...

Parte 2

    Passou-se certo tempo e fui me encontrando cada vez mais ali. Era tão gratificante caminhar pela casa e saber que tudo era simples, mas ao mesmo tempo glorioso e esbelto. Com muito medo comecei a fechar portas e janelas para que ninguém me tirasse essa minha segurança de sempre me encontrar ali. Sei que já se foi o pesadelo mas não me sinto desperto.

    Todos os dias eram demais, caminhava por toda a casa sabendo que tudo de mim estava ali. Às vezes eu pegava minha caneca e sentava na escrivaninha, assim como escrevia também recebia alguns e-mails. Essa era a minha forma de não estar tão distante assim. Passando à escrever mais e consequentemente tomar muito café...

    É difícil pra mim mas eu tinha uma necessidade de me ver um pouco longe daqui, sendo a maneira mais segura...

Então certo dia parei com a caminhada quebrando a rotina. Desliguei-me da casa assim como da televisão, não me sentia bem para escrever e deitei-me no tapete...

    De repente ouço vindo de fora uma suave música um pouco baixa. Não me segurei, pois, tinha que saber de onde partia e se eu poderia ouvir melhor. Tento olhar pela fechadura e não vejo nada. Resolvo então abrir um pequeno espaço na janela e consigo ver uma garota do outro lado da rua. Tive certeza que a música vinha dela, ou por delírio de café comecei à escutar coisas...

O som foi ficando aos poucos mais alto como se quissese dialogar e ser ouvido.

    Pego meu óculos em minha escrivaninha e volto para a janela. Estranhei o fato de ela não tirar os olhos da casa, poderia sentir dó por ser tão insignificante ou então também gostava de coisas simples. Coloco o óculos, me parece uma garota um pouco familiar...

    Fico com medo de que me veja, apago então as luzes com medo de que me veja pois dia estava cada vez mais escuro. Sei que agora está meio escuro para que me reconheça. Não resisto a todo esse clima dentro de mim e abro então a janela...

Que olhar doce é esse que mesmo no escuro insiste em querer me encontrar?

    A mania de querer saber o real motivo de tudo o que recebemos e transmitimos me limita como sempre...

Será um delírio ou realmente em tão pouco tempo essa perturbação sentimental em mim foi causada por ela? Realmente talvez não dê para negar que há algo estranho acontecendo.

    Seria tão prático abrir a porta e acabar com toda a confusão que poderia se resultar em algo grande ou quem sabe uma ruína. No real nem ao menos eu sei o que se passa dentro de mim...

É como o início de algo grande que você não abre mão mas que você sempre se afasta com medo de levar tudo à ruína, ou quem sabe com medo de esperar demais de algo que talvez não signifique nada. Seria tão arriscado passar pela porta havendo possibilidades de ser apenas algo momentâneo...

Tranco a janela e vou dormir...

    Acordo às seis da manhã, tomo café e cuido do meu jardim. Mais tarde ligo a televisão e pego outra caneca de café. Passam-se horas e vou para minha rotina. Caminho pela casa com a tristeza da dúvida. Ao término da caminhada vou para minha escrivaninha e abro meus e-mails. Mais uma vez ouço aquelas suaves músicas vindo de fora e resolvo dar um sinal de vida a quem talvez tenha dedicado horas e horas à minha porta lhe mandando um e-mail não muito direito. Por gostar da sua persistência e do seu jeito amigável de ser passei a realizar minha rotina mal podendo esperar para que pudesse ouvir suas músicas e conferir seus e-mails.

    Passou-se duas semanas e com sua forma um pouco indireta de se ligar a mim fui me acostumando.

    Certo dia então ao término da minha caminhada confiro meus e-mails...

Não quero mais café...

Desligo então a televisão e meio sentido fico pelo silêncio da noite. A janela abro e vejo toda a praça escura e sem o menor sinal de vida presente.

Ouço um barulho na maçaneta...

Fico com medo e me afasto...

E o computador me denuncia com o barulho...

  -Um novo e-mail:

   "Seria tão difícil abrir a porta? Rsrs"

                       Anna... 19/02  20:45