O AMOR NÃO ENVELHECE

Ela o surpreendia a todo instante, era bonita, viçosa e agradável. Ele se admirava com tanta ternura, às vezes, nem acreditava que alguém pudesse amá-lo de tal forma. No início do relacionamento fora ele que se esmerara em conquistá-la. Lindas cartas de amor, ligações inesperadas, presentinhos em dias comuns, muito afeto em dias especiais. Ela tornou-se virtuosa em retribuição. Sempre atenda às necessidades dele, não deixava nada lhe faltar. A casa era gostosa de viver. Sempre um cheiro bom de uma nova receita recendia pelo ar. Flores frescas adornavam os ambientes. Tudo muito limpo e asseado. Ele se acostumou tanto àquela rotina de bem viver que nada mais lhe causava admiração. Entrava e saía do lar como se estivesse em um hotel. Recebia as dádivas de um bom casamento como se o mérito fosse apenas seu e a nada mais devesse agradecer. Aos poucos, ela foi notando aquela indiferença peculiar. Ao invés de reclamar, ao contrário de provocar algum desajuste ou coisa similar, ela aprimorou-se mais e mais na arte de servir. E ele gostou e utilizou cada serviço como uma bonificação extra. Sequer recolocava no lugar os objetos pessoais. Deixava-os pela casa e ela, sempre solícita, saía recolhendo um por um e os recolocava onde ele pudesse avistar assim que os requisitasse. O tempo passou e ele se tornou um senhor galante. O grisalho da barba e cabelo transformou-o em um charmoso cavalheiro. E logo, veio a adolescência tardia. Um namorico aqui, uma tarde de picardia ali. Ela sofria calada e calada mantinha a ordem da casa. Os filhos casados seguiram para terras distantes. Apesar de bonita, ela já não era tão atraente. O seu cabelo branco não lhe parecia tão excitante como o do marido. Passava despercebida na fila do banco ou do mercado. Cismava consigo mesma como ele bem mais velho atraía para si tanta atenção. Ele lhe parecia tão jovial. Voltava das viagens animado, sempre bronzeado, com um perfume fresco pelo corpo. Ela se sentia só como ninguém. Às vezes, sentava-se no alpendre da casa, e ficava a balançar na cadeira que um dia fora de sua velha mãe e chorava. Um choro silencioso, de poucas lágrimas. Somente o cão também idoso podia suspeitar e com o focinho no chão, às vezes, erguia o olhar daquele jeito que só os cachorros sabem fazer. E no meio do caminho os olhares se encontravam, de certa maneira, isso a fazia feliz. Eles tinham algo em comum: ela também se sentia como um bichinho abandonado. Nunca mais ele levara o cão para passear, e quando dormia em casa não queria brincadeira, só descanso e paz. Ela cuidava agora também do animal dando-lhe além de afeto, alento e diversão. Quando o cachorro morreu, ele não soube o quanto ela sofreu. Nem sequer desconfiou daquele jardinzinho de flores azuis que ela fez bem em frente ao alpendre. Certo dia, logo depois do café, ele resolveu abrir-se em definitivo e pôs fim ao juramento infinito do “até que a morte os separe”. Pegou uma pequena maleta e saiu desconfiado. Parecia ansioso, mas triste. Quando ela compreendeu o que havia acontecido, ele já tomava a rodovia. Viu de longe a caminhonete brilhante sumindo no horizonte. Pensou em como ele estava bonito no curso daquele volante. Não conseguiu levantar-se durante três dias. Virava-se de um lado para o outro e tornava a dormir. Atendeu duas ligações dos filhos e no limite do esforço dissimulou animação. Tudo bem, tudo em ordem. Mamãe vai bem e o papai também. Abençoava os filhos e desligava o telefone para novamente desligar-se de si mesma. No terceiro dia, levantou-se como um enfermo sai da internação. Foi cuidando de si e das coisas ao seu redor. Ficou melhor. Passaram dias, passaram meses e, não se sabe se foi tempo, silêncio ou oração, mas ela foi se avivando e em tudo encontrando animação. Não pintou o cabelo, nem plástica fez não. Mas, renovaram-se as suas forças. Cuidou de si e dos filhos também. Nunca lhes disse o destino do pai. E, apesar de eles virem a saber, aceitaram a história que a mãe contou. O pai morava na fazenda onde o ar é bem melhor. De vez em quando o pai vem, de vez em quando a mãe vai. As estações fizeram o jardim florescer e deu-lhe frutos no pomar. O sol queimou a grama que secou e desapareceu, mas tornou a crescer quando a chuva caiu. Ela passou muitos fins de tarde à beira da piscina tomando sol e alimentando a melanina. Depois vieram as folhas que entupiram a calha e, mesmo com toda ventania, ela conseguiu sozinha limpar. Fez um quadro de folhas secas, de tamanhos e cores variadas. Caminhou sobre elas sentindo a gostosura do estalar bem debaixo de seus pés. De repente, o frio começou e agora ela saía muito pouco. Fazia uma chávena de chocolate quente e bebia diante da lareira enquanto chovia uma água fria sobre o telhado. Foi numa tarde dessas que o telefone tocou. Uma voz de mulher, meio ríspida e nervosa. Ouviu sem falar, sem palavras ficou. Abanou com a cabeça, assentindo bem assim. Enquanto do outro lado a pergunta se repetia, ao que ela firme, respondeu: traga sim. À noitinha ele chegou. Por dois ou três amparado. Magro, cego e pálido. Levou-o para o quarto que um dia foi dos dois. Aqueceu-o debaixo dos cobertores que os cobriram por toda uma vida. E quando os desconhecidos saíram, recomeçou a amá-lo. Dia e noite labutou pela saúde de seu único amor. Ele encorpou e corado ficou. Já andava sozinho pelo jardim amparando-se aqui e ali. Um dia sorria, no outro também. Brincava com os netos e se divertia. Ajudava no almoço e na casa também. Um dia perguntou pelo cão e quando soube, ajoelhou-se, chorou e tocou no chão. Tocando as flores parecia como se uma carícia fizesse. Ficou Amuado e triste, passava as tardes a meditar. Ela sentava a seu lado também em silêncio. Ficavam agora os dois a balançar muito vagarosamente até o sol se por no horizonte. Um dia ele lhe pegou a mão e levando-a aos lábios começou a beijá-la e a chorar. Pediu-lhe perdão do desatino da velhice. Declarou o seu amor e confessou sua tolice. E quando ele terminou, ela falou: ”_ meu velho e único amor, vamos entrar que a noite está fria e a nossa história mal começou”

Adelaide de Paula Santos em 17/02/2017, às 00:23.

O amor não envelhece jamais.

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 17/02/2017
Reeditado em 17/02/2017
Código do texto: T5915000
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