Sozinho, no inverno

E naquela tarde gelada de dezembro, estávamos sentados ao balcão da lanchonete, com nossas canecas de chocolate quente à frente, enquanto observávamos o movimento de transeuntes encapotados lá fora. Curiosamente, ele começou a falar sobre o verão. Mais especificamente, sobre o verão em "O Grande Gatsby".

- Você sabe, aquele tipo de verão em que o suor pinga e parece que vamos nos desmanchar...

- Neste exato momento, essa me parece uma lembrança das mais distantes - ponderei, olhando a fumaça que subia da minha caneca.

- Pois é o que tem me sustentado nalguns desses dias curtos e noites longas e frias: um verão sufocante, abrasador, onde o próprio ar quente me abrace como um cobertor num suadouro e me impeça de pensar na mera possibilidade doutro corpo colado ao meu. Em que esta simples ideia pareça não só desagradável, mas bizarra.

- Lembro-me de algumas passagens no Gatsby em que a coisa é colocada mais ou menos desta maneira...

- Sim! E isso, por alguns instantes supre a ausência dela... mas também exige um trabalho de evocação consciente e contínuo. Não é somente pelo calor do corpo, claro. Trata-se também da presença física, emocional... e que o inverno absorve, como se extraísse de nós, seres humanos, não somente a energia, mas a vitalidade.

- Talvez você devesse fazer cromoterapia - sugeri, lembrando-me de que aumentam os casos de suicídio no inverno.

- A única cromoterapia que faria sentido no meu caso seriam as praias de alguma ilha ao sul, um lugar com palmeiras, céu azul e sol forte!

- Está além das nossas possibilidades - retruquei.

- Ou então que ela volte, - prosseguiu ele - mesmo que esteja com as mãos enregeladas e os pés frios...

E voltando o olhar para a rua coberta de neve lá fora:

- Mas que traga um sorriso no rosto capaz de derreter todo o gelo que sinto por dentro.

[08-02-2017]