Tarde chuvosa
Já havia algum tempo que estavam juntos. E cada vez parecia mais difícil por um fim àquela relação. De um lado, ele comprometido há um tempo, em um relacionamento tão desgastado quanto o de um casal com 20 anos de casado. Do outro lado, ela, solteira, cheia de fé no amor e perdidamente apaixonada. Se conheceram em uma festa, no começo do mês passado. Entre conversas fiadas, cigarros e bebidas, eles se beijaram, e foi magnetismo instantâneo.
Começou com aquele fogo e curiosidade normal a todo casal que começa se descobrir. Cada encontro era mais intenso, mais forte, mais ardente. Ele por sua vez via-se mais encrencado e mais enroscado nela. Ansiava pelo fim do dia, para encontrá-la. Seus corpos encaixavam-se de forma perfeita e completa. O corpo dela era uma obra de arte. Descendência nipônica, com tempero latino. Cintura estreita, quadril largo, pele macia e delicada. Olhos levemente puxados, sorriso contagiante e jeito de menina. Difícil de resistir. Mas o fato de ele ainda ter seu relacionamento para resolver, e pior ainda, contar a ela que era comprometido, dia a dia consumia longas horas que seriam destinadas ao sono.
No último encontro que tiveram, ela notou uma certa distância em seu pensamento, mas resolveu não questionar. Ainda tinham tudo em comum, e o mês que passaram juntos, parecia apenas mais um de uma longa vida que nunca tiveram. Ela colocaria o mundo aos seus pés, se ele pedisse. Nutria por ele uma enorme admiração e desejo. Mas o momento de abrir o jogo chegou, e não haviam mais meios de esconder toda a história.
Chovia muito naquela tarde. Ele fumava um cigarro após outro, inquieto e impaciente. Atravessou a cidade para encontrá-la, sem notar o trânsito ruim que sempre se formava quando chovia. Não ouvia a música que tocava no rádio, não percebia que a chuva entrava pela janela que deixara aberta para fumar no percurso. Provavelmente passara alguns sinaleiros que estavam fechados. Ao falar com ela no telefone, sentira a voz embargar, e teve medo de não conseguir falar, afinal, aqueles pequenos olhos rasgados e sorridentes levariam qualquer homem para a sepultura. Ele mesmo já estava na metade desse caminho.
-Nossa, que clima é esse? O que aconteceu? - ela perguntou, enquanto eles se sentavam em um café.
-Vamos pedir primeiro, depois conversamos.
A demora para chegada dos pedidos parecia eterna. Ele como sempre, pedira seu expresso duplo e sem açúcar. O amargor do café combinava com o momento. Ela pediu um cappuccino. Enquanto tomava, ele não conseguia encará-la. Sentiu estremecer até a alma, em pensar que, dali a alguns minutos, ela estaria em prantos. Terminaram o café, e voltaram para o carro. Ele se sentia mais seguro ali.
Entre um trago e outro do cigarro, ele começou.
-Olha, não fui totalmente sincero com você.
-Como assim?
-Bem, eu... eu não sei como dizer. Mas isso está saindo do controle.
-Diz logo, o que é...
-Bom, eu tenho uma namorada. Ela mora atualmente em São Paulo. E...
-Eu não acredito nisso. É mais uma de suas piadas isso... - disse ela, com a voz começando a engasgar.
-Não, não é piada.
Ela se desmanchou em prantos. Como doía vê-la chorando. Um choro silencioso. Seu corpo tremia entre um soluço e outro. Ele realmente não sabia o que fazer. Na verdade sabia. Estava apaixonado por ela, louco por ela. Naquele momento ele sabia que a única decisão a ser tomada era terminar o namoro, e se entregar nos braços dela. Ele queria gritar, queria tirar aquela dor com as mãos de dentro dela, se fosse possível. Mas nada aconteceu. O silêncio pairou por uns longos e intermináveis 15 minutos.
-Acho que preciso de uma bebida - disse ela com a voz ainda chorosa.
-Eu também.
Havia uma loja de conveniências na esquina. Ele comprou algumas cervejas e um maço de cigarros, e voltou para o carro. Até a maneira como a luz do isqueiro refletia rapidamente no rosto dela o deixava deslumbrado. Ficaram ali, e por mais meia hora só se ouvia o barulho dos goles de cerveja que desciam asperamente pela garganta, e de isqueiros que incessantemente trabalhavam.
-Há quanto tempo você namora?- perguntou ela, já recomposta.
-Quase dois anos.
-Eu sou a primeira com quem você a trai?
-Não...
-E não serei a última, pelo jeito...
-Não sei.
-Quando ela vem?
-Se vier, no fim do ano.
Em um gesto quase involuntário, ele a puxou para seus braços. Ficaram ali, olhando a chuva que caía na rua. Um guerra de pensamentos travando em sua cabeça. Ela voltou a chorar. Dessa vez um choro quase imperceptível. Acendeu outro cigarro, deu uma longa tragada, enxugou as lágrimas.
-Acho que tenho uma solução - disse ela - vamos fazer igual àquela música da Pitty?
-Que música?
-Vamos aproveitar cada minuto antes que isso vire uma tragédia.
-Mas vamos sofrer depois, e depois, e depois...
Ela o interrompeu dando-lhe um longo e forte beijo. Pronto. Ele estava vencido, e pelo menos por hora, o amor também venceu.