Ah, Amanda
As buzinas tocavam ao longe. Agudas, insistentes e sem uma ordem definida. Uma sobrepondo-se à outra e misturando-se ao zumbido gelado do vento noturno que entrava pela fina abertura do vidro do carro.
Ele estava com as duas mãos sobre o volante quando aconteceu. Era o primeiro em uma fila de carros que esperava o semáforo abrir. Estava no cruzamento com a avenida principal e se perguntava para que lado dela rumaria. Que situação embaraçosa aquela. Seria padrinho no casamento da melhor amiga. Amanda. Ele com uma amiga dessa amiga. Já estava atrasado e o combinado era buscar sua companheira em casa antes de ir. E era naquele problema que se encontrava: não encontrava a casa da companheira, não sabia o caminho da festa e o GPS não funcionava por nada no mundo.
A perna do rapaz tremeu sobre o pedal do acelerador inutilizado. O pensamento vagueou, buscando as indicações do caminho da casa da tal moça que mal conhecia. Mais embaraçoso que ser padrinho com alguém quase desconhecido seria chegar atrasadíssimo e ser padrinho com alguém quase desconhecido. Por que o semáforo demorava tanto?
As buzinas começaram logo depois daquele pensamento. Primeiro pareceram tão fundo na mente do rapaz que ele teve certeza de que estava apenas ouvindo coisas, mas elas ficaram mais altas fazendo com que ele temesse o que significavam. “O casamento já acabou e estão todos indo para a festa”, fazia algum sentido. Ele não tinha sido o melhor padrinho do mundo desde o anúncio do casamento, afinal. Não tinha sido o mais presente ou o mais entusiasmado, mas era culpa do trabalho, da correria dos dias; alguma coisa precisa sempre ficar um pouco de lado e por acaso ou não ele tinha feito sua escolha. A noiva não devia se importar em esperá-lo para começar. Mas talvez esperasse a amiga, não é?
Em instantes o comboio passou pela avenida. Vários carros com os piscas acesos e as buzinas apertadas poluindo um pouco mais o ruído da cidade. Quem diria, dois casamentos numa mesma noite, alguém roubou a vez de alguém. No final Amanda não era tão especial ou exclusiva assim. Ele sorriu.
Outra lufada de vento frio zuniu pela abertura da janela e ele enfim a fechou por completo. A rua em que se encontrava era uma transversal pouco importante e todos continuavam aguardando o milagre do semáforo abrir. Passou-se todo o comboio. Passou-se o sorriso no rosto do rapaz e voltou o temor. A hora não tinha parado como ele. No painel do carro tentou ajustar o GPS. Velho, inútil, já o tinha mandado para dois lugares errados, ou talvez o endereço estivesse errado. Maldição. Pensou na entrada da noiva na igreja. As trombetas, o noivo sem graça babando de chorar no altar e Amanda vindo caminhando de braço dado com o irmão mais velho. Todos de pé. Todos os sorrisos voltados para ela que gostava tanto de atenção e toda atenção dela desviando-se de suas amizades postadas como padrinhos no altar e voltada para o noivo. Quanto desperdício.
Os dedos do rapaz tamborilaram no volante, algumas referências do endereço para aonde ia voltaram a sua mente de súbito. Carros pararam na avenida, o semáforo dos pedestres piscou e ficou verde, pessoas cruzaram o caminho. Pessoas cruzam o caminho o tempo todo. Amanda cruzou o caminho do rapaz e ele vislumbrou o dela. Uma boa relação, momentos maravilhosos, sempre uma aparente irmandade e calmaria e conforto e aconchego. Ele não poderia perder a entrada dela na igreja. Entraria antes, de braço dado na direção do altar e esperaria por ela, mas também já estaria acompanhado. Decisões, decisões e anseios e dúvidas e restrições. A vida daquele rapaz via-se definida naquele momento. Era um estranho pesar e emoção crescente e o casamento nem tinha começado ainda. Ou talvez já estivesse acontecendo. Não, ainda não! Ao menos o relógio não mente e não faz promessas impensadas. Ao contrário, ele gritava a possibilidade do atraso da dele e do novo início da vida de Amanda. Que saudade de você, Amanda.
O minuto e meio completou-se e o semáforo abriu. Começava a chover. Para que lado, coração? Ele seguiu com a água lhe dificultando a visão no para-brisas.