Trabalhe a pedra bruta que lançaste na lixeira. Faça ficção. Convença o leitor que é uma realidade. Ou que a realidade é uma ficção. Rapte Dina e deixe Páris acertar com seu arco o tornozelo de Aquiles. Por certo, Simeão e Levi ficarão satisfeitos porque alguém lutou no lugar deles contra Siquém. Ou então, tome a pastora que apascenta com seu amado os lírios do campo, apanhe o perfume que ela exala e ponha em Iracema.
— Alencar quis enaltecer a beleza da América, não da índia Iracema. Não percebeste que Iracema é anagrama de América? É só trocar as letras de lugar.
— Nunca tinha reparado! Não sobra nenhuma letra.
— Nem falta!
Robert rabiscou no papel a palavra: Piracema e apresentou a Ravenala.
— Veja: retirando-se o (p) iracema salta no meio dos borbotões de espuma.
— Onde queres me levar, Martin? Ainda não é tempo da pirapora.
Ravenala percebeu que Robert conduzia o assunto à época de procriação, pois ele não retirava os olhos dos seios dela, pontiagudos e atrevidos, quase saltando fora da blusa. Então imaginou-se entrando nos sonhos de Robert, a partir da imagem que criava de Martin, conduzindo Iracema a uma cabana nas margens do rio.
Pôs as mãos sobre os seios. Inclinou-se como uma plebeia reverenciando seu príncipe, e disse com maciez na voz.
— Há uma grande cascata em uma das lapas do Pamecari.
Robert entendeu que ela brincava com as letras. Seu rio Pamecari estava em piracema. Ravenala era assim mesmo: fazia menção de mudar o foco, mas permanecia na mesma linha de raciocínio. Com certeza, seus anseios já subiam a correnteza. Ainda não chegara, no entanto, a maturidade dos alevinos para serem retirados do aquário e lançados nas águas do grande lago da Tijuca.
— Quero ter filhos, disse ela — não agora. Preciso de estabilidade econômica e só depois realizarei meu sonho de mulher.
Filho...filhos... Estaria o pai de Robert ainda vivo? Quem seria ele! O pai não estava no RG, nem no álbum de família. Dona Leide falava vagamente de um colega de trabalho, um certo intelectual...E referia-se a ele como finado, sem citar o nome: o finado era assim... o finado era assado...No dia dos pais era um tormento para Robert. Algum menino maldoso lhe dava os parabéns: ‘Feliz dia dos pais!’ Outros, indiscreta e estultamente perguntavam: ‘Você tem pai?’ Alguém nascer sem ter um pai? Mesmo que morto, continua sendo pai. Muitas vezes recebem por acréscimo ao nome a palavra finado ou defunto. Finado fulano... Finado sicrano. Mas finado não é o pai. O pai é o fulano... ou o sicrano... Ravenala também tinha vontade de perguntar sobre o pai de Robert, mas não sabia como.
***
Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...
— Alencar quis enaltecer a beleza da América, não da índia Iracema. Não percebeste que Iracema é anagrama de América? É só trocar as letras de lugar.
— Nunca tinha reparado! Não sobra nenhuma letra.
— Nem falta!
Robert rabiscou no papel a palavra: Piracema e apresentou a Ravenala.
— Veja: retirando-se o (p) iracema salta no meio dos borbotões de espuma.
— Onde queres me levar, Martin? Ainda não é tempo da pirapora.
Ravenala percebeu que Robert conduzia o assunto à época de procriação, pois ele não retirava os olhos dos seios dela, pontiagudos e atrevidos, quase saltando fora da blusa. Então imaginou-se entrando nos sonhos de Robert, a partir da imagem que criava de Martin, conduzindo Iracema a uma cabana nas margens do rio.
Pôs as mãos sobre os seios. Inclinou-se como uma plebeia reverenciando seu príncipe, e disse com maciez na voz.
— Há uma grande cascata em uma das lapas do Pamecari.
Robert entendeu que ela brincava com as letras. Seu rio Pamecari estava em piracema. Ravenala era assim mesmo: fazia menção de mudar o foco, mas permanecia na mesma linha de raciocínio. Com certeza, seus anseios já subiam a correnteza. Ainda não chegara, no entanto, a maturidade dos alevinos para serem retirados do aquário e lançados nas águas do grande lago da Tijuca.
— Quero ter filhos, disse ela — não agora. Preciso de estabilidade econômica e só depois realizarei meu sonho de mulher.
Filho...filhos... Estaria o pai de Robert ainda vivo? Quem seria ele! O pai não estava no RG, nem no álbum de família. Dona Leide falava vagamente de um colega de trabalho, um certo intelectual...E referia-se a ele como finado, sem citar o nome: o finado era assim... o finado era assado...No dia dos pais era um tormento para Robert. Algum menino maldoso lhe dava os parabéns: ‘Feliz dia dos pais!’ Outros, indiscreta e estultamente perguntavam: ‘Você tem pai?’ Alguém nascer sem ter um pai? Mesmo que morto, continua sendo pai. Muitas vezes recebem por acréscimo ao nome a palavra finado ou defunto. Finado fulano... Finado sicrano. Mas finado não é o pai. O pai é o fulano... ou o sicrano... Ravenala também tinha vontade de perguntar sobre o pai de Robert, mas não sabia como.
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Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...