Um olhar de atenção

Ele se estende sobre a toalha que o livra da pedra quente. Sua boca está vazia, não há palavras, nem pensamentos. No peito, tatuado o A de anarquia em uma liberdade seca que, ele talvez não saiba mais o que significa no meio de tantas coisas sem sentido. Eu de longe observo como posso, sem pretensões, sem propostas. Um mundo onde seu olhar não significa absolutamente nada, além de algo que já foi amor para alguém. Lembro de todas as vezes que você disse a palavra amor. Elas pareciam incompletas, semeadas de insignificâncias, rançosa.

Eu deixei de solidificar as memórias. Eu deixei de pedir aos Deuses, e agora eu te vejo perdendo o sentindo das coisas. Eu já fui algo assim, perdido, mas então Aphrodite me olhou, cuspiu em mim e depois riu. Ela sentou do meu lado com seu cheiro de Muscat Blanc à Petit Grains, e sem qualquer filtro começou a retirar toda a gordura podre que você deixou em mim. No fim me perguntou o que eu aprendi sobre o amor. Olho em seus olhos e digo que não posso falar sobre algo cuja a palavra me é desconhecida. Ouço o seu gargalhar, seus lábios cheios e vermelhos se juntam e tocam a minha tez pálida.

Acordei com uma fome incontrolável. Devoro quase todos os pães cheio de margarina de soja, queijo de castanha produzidos aqui nesta fazenda, ou o iogurte de amêndoas produzidas especialmente para mim. O suco da laranja desce pela minha garganta substituindo o café. Ouço o som do rio no fundo desta casa preparada para receber um parente distante, alguém que eu aprendi a conhecer, eu.

No céu não há nuvens, e o sol começa a queimar as minhas pernas. O cheiro da lenha queimada na noite anterior se torna quase imperceptível, e lá, atrás da Seriguela você vem se encontrar com o mundo.

Sou transparente, através de mim há o nada. Mas entre a grama e o caos o mais interessante é questão de opinião. Todos nós pedalamos até o rio. Minha bota esbarra por diversas vezes na corrente, arrastando o coro vegetal na graxa, o que não me faz entender do por que isso seria importante. Não nos olhamos, tudo aqui foi dito. Não existe se quer motivos para sins ou nãos ou qualquer coisa que nos tenha feito chegar até aqui.

Longe você se estende sofre a toalha do vazio, em uma pedra quente e seca. O rio corre sobre os meus pés, o sol queima, chega nos meus olhos, e alguém molhado pela água fria do rio deita sobre o meu corpo quente. Outro alguém que me faz lembrar o cheiro do Muscat Blanc à Petit Grains acompanhado de frutas vermelhas dando significado à todas as palavras insignificantes. Você não vê a verdade, não faz parte do que você é, a verdade.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 24/12/2016
Reeditado em 30/12/2016
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