UM CONTO DE AMOR
A noite estava linda. As estrelas brilhavam demasiadamente reluzentes no céu, com reflexos esplêndidos que chegavam a estremecer. O clima estava ameno. Aprazível. A lua tímida no céu iluminava o amor dos jovens Bianca e Matias. Sentados num banco de madeira em frente à praça da matriz da cidade de Vila Bella, sul de Minas Gerais, o casal apreciava a noite enquanto namoravam. A troca de olhares, gestos de carinho e beijos apaixonantes, despertavam a curiosidade de quem passava pelo local. O amor era tão grande que foram incapazes de notar que o sorvete de morango derretia em suas mãos enquanto se beijavam.
- Adorei passear com você Matias, mas já está ficando tarde e eu preciso voltar para a fazenda. A noite está bela mas a estrada oferece muitos perigos.
- Eu levarei você até a fazenda Bianca, não se preocupe. Se sua mãe vê você chegar sozinha em casa, te garanto que ela não ficará nada contente com isso.
Bianca estava acompanhada do motorista da fazenda que a aguardava dentro do carro, mas Matias fazia questão de entregá-la na porta de casa. Repetia esse mesmo hábito todas as vezes que saiam juntos. Depois ele voltava para Vila Bella caminhando, não temia os perigos da noite. A mãe de Bianca, dona Carmelita já desconfiava demais do namorado da filha, não poderia dar mais motivos para isso. Seguiram até a fazenda.
- Boa Noite seu Basílio, dona Carmelita. Os cumprimentos de Matias foram as primeiras palavras ditas por ele logo que adentraram a sala da fazenda.
Basílio estava lendo um jornal enquanto ao seu lado sua esposa fazia crochê no sofá. Dora, a empregada da casa, ainda estava de pé. Também estava na sala para caso os patrões precisarem de alguma coisa. O tardar da noite não incomodava Dora, estava sempre trabalhando com gosto para a família.
- Boa noite. Responderam os pais da jovem Bianca.
- Eu acompanhei a Bianca até aqui.
- Não precisava rapaz. Nosso motorista é pago para isso. Não têm necessidade de você se despencar de Vila Bella todas as vezes que sai com minha filha para trazê-la até aqui. A estrada é muito perigosa a essa hora, a noite pode ser traiçoeira as vezes. Carmelita rebateu.
Matias sempre ficava um pouco sem jeito com as palavras de Carmelita. No fundo ele sabia que ela não estava de acordo com o romance da filha.
- Imagina, só quis ser gentil! Em momento algum deixarei a Bianca desacompanha quando em minha presença. Matias continuava sem jeito. Os olhares de Carmelita o deixavam tímido, sendo capazes de causar tremores à sua voz.
- Agradecido senhor Matias. Mas agora pode indo. Já está tarde. Palavras de Basílio que ao mesmo tempo estava agradecido e expulsando o rapaz de sua casa.
Despediu-se de Bianca com um beijo de amor que somente eles sabiam dar.
Matias seguiu pela estrada em direção até o centro de Vila Bella. Barulhos na mata, morcegos que voavam velozmente a sua frente e a escuridão da noite não o fizeram acovarda-se. Carregava consigo uma lanterna no bolso da calça jeans. A camisa branca que trajava já estava um pouco marcada pela poeira que se levantava da estrada. Seus sapatos também estavam sujos. Caminhava cantalorando. Matias estava feliz. Apaixonado. Felicidade que não cabia em um só coração, pensava ele.
Depois de pouco mais de uma hora, Matias chegou em casa. Era uma casa simples, muito singela, mas também aconchegante. Abriu o portão verde de ferro que rangia ao ser aberto. Estava enferrujado.
- Mãe, cheguei. Chamou Matias pela mãe.
Provavelmente Lucelinda já estaria dormindo. Já estava tarde e o trabalho diário a deixava exausta. Tão exausta que não poderia ficar acordada até altas horas a espera do filho, como fazia antigamente quando ele ainda era adolescente.
Matias acendeu a luz do quarto onde a mãe dormia e teve uma surpresa nada agradável. O momento de alegria pelo qual vivenciava a minutos atrás tornou-se um mar de tragédia. Sua mãe Lucelinda estava caída no chão.
Lucelinda estava doente nos últimos tempos. Estava muito frágil. Por vezes mal conseguia levantar-se. Mas sempre insistia em trabalhar, o que deixava Matias ainda mais preocupado.
- Mãe, mãe, acorda, fala comigo. Desesperado Matias tentava reanimar Lucelinda.
Quando percebeu que não obteve resposta, Matias correu e pediu ajuda a uma vizinha, e levaram Lucelinda até o posto de saúde. O médico de plantão a examinou e afirmou o que já esperavam. O caso era grave.
- A sua mãe não está bem rapaz. O estado de saúde só tem se agravado. Ela precisava de um tratamento urgente.
- Eu faço o que for doutor, mas salva a minha mãe. Pode fazer esse tratamento.
Doutor Camilo olhava a angústia de Matias e ficou ainda mais preocupado quando ainda tinha algo mais a dizer a ele. Algo que não o consolaria e muito menos o faria ter esperanças. Mas continuou:
- Esse tipo de tratamento é muito caro, e... só tem na capital. Não temos recursos aqui em Vila Bella para esse tipo de caso.
Matias encostou-se na parede da recepção do posto ao lado de um cartaz que pedia silêncio na unidade de saúde. Suas lágrimas correram. Ele sabia que não tinha condições de financiar o tratamento, mas queria salvar a mãe a qualquer custo.
Pensou por alguns minutos e lembrou de algo. Um flasback veio em sua memória. Lembrou-se de Bianca guardando um colar de pérolas em uma caixa e o colocou dentro do guarda-roupa.
- Esse colar é especial pra mim. Minha avó que me deu antes de morrer. Ela desejou que fosse meu. Até hoje as palavras de vovó estão em minha mente. Ela pediu pra eu usar em uma data especial. E assim vou fazer. Vou usar no nosso casamento.
- Realmente é bonita mesmo. Deve ser muito valiosa. Eu espero algum dia poder te dar uma igual a essa.
- Sim, vale muito dinheiro. Mas pra mim o valor é sentimental sabe. Não tem preço. E você não precisa me dar jóias caras seu bobo. Seu amor por mim vale mais do que tudo.
Matias e Bianca se beijaram. Logo depois ele sentou-se na cama vendo Bianca guardar o colar em seu guarda roupa.
Depois daquela lembrança o próprio Matias aterrorizou-se com os seus pensamentos. Ele sabia o quão arriscado era o plano que tinha em mente. Poderia por tudo a perder. Mas ele pensava que não tinha outra opção.
O amor entre Matias e Bianca agora estava em jogo.
No outro dia, Matias foi logo cedo a fazenda Vale do Café. Dora ainda estava passando o café quando ouviu bater na porta.
- Matias? Você aqui tão cedo. Aconteceu algo? Dora não escondeu o espanto.
- Não, está tudo bem. Eu só preciso falar com a Bianca. Ela já acordou?
- Ainda não se levantou. Mas vou chamá-la.
Matias acomodou-se na sala enquanto aguardava Bianca.
- Oi amor. O que aconteceu? A Dora me chamou apressada. O tom de voz doce e suave contrastava-se com a surpresa ao ver Matias logo cedo.
- Eu vim te fazer uma surpresa. Não aguentei esperar até o entardecer.
- Me diga o que é. Bianca ainda um pouco sonolenta demonstrou curiosidade.
Matias pediu que fossem até o quarto da moça, onde poderiam conversar a vontade. Carmelita não agradaria muito se presenciasse esta cena.
- Pronto Matias, já estamos aqui no quarto. Pode falar.
- Eu comprei pra você. Matias tinha em sua mão um pacote.
Bianca estava deslumbrada com o pacote e não hesitou em desembrulhá-lo. O rapaz sentado na cadeira da escrivaninha observava a reação da moça.
- Um vestido! É lindo amor, obrigada. Como você conseguiu comprar, você mal sabe comprar calças para si, quem dirá um belo vestido como esse. Bianca indagou com risos no rosto.
- Hum, acha que não tenho bom gosto é? Matias sorriu. Minha mãe me ajudou a escolher. Realmente eu não entendo nada.
- Agradeça a dona Lucelinda por mim.
Bianca ficou feliz com o presente, mas não escondeu que havia estranhado a presença de Matias tão cedo para levar apenas um vestido para ela. Realmente ele me ama. Pensou.
- Experimenta pra ver como ficou.
- Vou me trocar já volto.
Matias conseguiu ali a oportunidade de que tanto queria. Conseguiu ficar sozinho no quarto de Bianca. Sem perder tempo vasculhou rapidamente o guarda roupa e encontrou o colar que procurava. O colar valioso que Bianca ganhará de sua avó. Guardou a jóia em seu bolso e cuidou de deixar o móvel de uma maneira que Bianca não notasse de imediato que alguém pudesse ter mexido ali.
Depois de ver o vestido na namorada, Matias despediu-se e voltou para a cidade.
Lucelinda foi encaminhada para o hospital da capital onde pode realizar seu tratamento. E alguns dias depois recebeu alta para voltar à Vila Bella. Não estava totalmente curada. Mas o tratamento já havia surtido efeito positivo, porém ainda requeria alguns cuidados médicos.
Matias estava contente ao ver sua mãe bem.
Enquanto isso na fazenda Bianca estava preocupada com seu grande amor. Há dias que ele não dava notícias, não aparecia no Vale do Café. Tudo estava muito estranho.
Era domingo. Todos na fazenda se aprontavam para a missa. Carmelita não perdia uma missa dominical e fazia questão que a família seguisse seu exemplo.
- Não!!!!!!!!! Escandalizou Bianca em seu quarto. Fui roubada. Gritava desesperada Bianca.
- O que foi filha?! Perguntaram ao mesmo tempo Basílio e Carmelita.
- O colar que a vovó me deu. Não ta aqui.
Carmelita sem muito esforço já tinha em mente a sua suspeita.
Foi um alvoroço na fazenda. Todos os funcionários da casa foram revistados. Um constrangimento. Mas o colar não apareceu. Continuaram a procurar e nada.
Bianca foi até Vila Bella e encontrou por acaso com Matias. Ela estava em prantos e contou o que havia acontecido. Ele tentou esconder por alguns minutos, mas não resistiu. Acabou confessando que roubou a jóia de Bianca para salvar sua mãe.
- Como assim Matias? Você me traiu. Eu sempre pensei que você era uma pessoa honesta, um homem diferente. Sempre achei que podia confiar em você. Mas eu estava errada.
- Não Bianca, não é assim. Eu estava desesperado, sem saber o que fazer, só me veio isso na cabeça. Me perdoa.
- Você tinha outras maneiras de conseguir esse dinheiro. Você devia ter me contado essa história, eu falava com meu pai, a gente dava um jeito. Mas isso é imperdoável. Acabou Matias, acabou! Bianca desolada chorava muito.
Matias ajoelhado implorava o perdão da amada. Mas em vão.
Bianca chegou aos prantos na fazenda. Contou o que havia acontecido. Basílio pediu ao delegado que prendesse Matias. E assim o fez.
Matias acabou preso e foi espancado na cadeia até a morte. Bianca trancou-se no quarto e não queria ver ninguém. Não queria ver a luz do dia. Não queria viver. Só chorava. Basílio e Carmelita tentaram de tudo para fazer a filha sorrir novamente. Mas não conseguiam.
Um grande amor, fruto de uma intensa paixão, um casal apaixonado, cheio de planos. Se amando. No auge de um romance que tinha tudo para dar certo. Os abraços, os beijos, os carinhos e olhares de amor e ternura que tanto trocavam incansavelmente, que contagiava a todos em volta. A chama daquele grande amor havia se apagado. Era como se alguém tivesse jogado água na fogueira da paixão e apagasse sem nenhuma dó o fogo de um amor lindo que qualquer pessoa desejaria viver. As estrelas perderam o brilho, as flores murcharam e perderam o perfume, a lua acanhou-se, a noite tornou-se mais escura e o dia ficou cinzento. Bianca perdeu o sorriso doce e a voz meiga e aconchegante. A tristeza tomou conta da fazenda. O conto de fadas que Bianca pensou que estava vivendo, não teve um final feliz.