Conto 1
Sophia sentou-se no banco surrado pelo tempo, já havia presenciado muitas revoltas daquele mar, este agora, estava de ressaca, e a sensação daquela mulher de 36 primaveras, era exatamente igual daquele velho amigo que se rebelava contra as pedras. Mas So, como Henrique carinhosamente a chamava, não havia bebido uma gota de álcool. O vento não parecia suficientemente gelado para congelar o sentimento de culpa que estava sentindo, nem o tempo que escurecia as nuvens do céu, parecia poder fazer regredir para que tudo fosse concertado.
Apesar de todas as vozes da razão na cabeça de Samuel, dizer que ele não deveria ir atrás de Sophia, o advogado não podia evitar o impulso de querer estar perto daquela mulher que lhe fascinara mais que qualquer outra, até mesmo que Alice. Que por sinal, não parava de ligar desde terça-feira. A estagiária estava simplesmente apaixonada, o que era comum na vida de Samuel, uma vez que sua preocupação com o físico o fazia frequentar a academia da esquina regularmente, mesmo não sendo de grande necessidade, pois Samu, assim chamado pelos íntimos, herdara da genética dos pais a fisionomia de um príncipe. De estatura alta, cabelos castanhos escuros, olhos verde esmeralda, tinha o queixo largo e o nariz em perfeita simetria, às vezes deixava a barba por fazer, os ombros eram largos, e os braços envolviam perfeitamente o corpo frágil e feminino de Sophia.
Ele sabia que Sophia estaria na velha casa da avó, senhora amável - Que Deus a tenha - aquele era o lugar onde os pensamentos silenciavam, onde o tempo parava.
- Eu perdoo você.
Samuel falou aquela simples frase com a voz embargada pelas emoções que sentia. Ele tinha muito mais a dizer, pelo menos fora o que parecera quando no caminho conversava, discutia e batia no volante do carro, contudo, o lado racional de advogado admitiu ser mais prudente partir para o final da conversa. Do que adiantaria esbravejar, gritar e brigar, se no fim, ele sabia que não queria viver sem Sophia?
- Você veio até aqui só para me dizer isso? - Perguntou Sophia ainda a fitar o velho chão de madeira da varanda de sua vó.
Samuel inclinou a cabeça e soltou o ar dos pulmões como se na verdade estivesse sufocando por dentro:
- O que você quer que eu diga?
Sophia se levantou e finalmente o encarou, e por mais errada que soubesse que estava, também sabia que dividia de alguma forma aquela culpa com seu marido. Com a voz sobressaltada, os olhos banhados pela emoção, gritou;
- O que eu quero que você diga, Samuel?! Eu não quero que você diga nada! Aliás, eu não espero que você diga nada! Foi assim ao longo desses cinco anos, como posso esperar que agora você tenha uma reação, não é mesmo?
Samuel manteve-se calmo e parado, apenas observava Sophia gesticulando, e como ainda amava quando suas maçãs do rosto ficavam ruborizadas toda vez que ficava tímida ou nervosa. No caso, estava completamente descompensada.
Ela continuou gritando, de uma forma que parecia nem mesmo respirar:
- Eu avisei a você! Eu disse tantas vezes! Eu falei tantas vezes! Eu gritei, eu briguei, eu desisti, eu tornei a gritar, mas não! Você nunca se manifestou, exatamente como agora!!! - Sophie aproximou-se dele com aquela raiva que há muito deixara guardada - Sabe o que você é, Samuel?! Você é como um placebo! É Exatamente como você é! Você parece um medicamento, é receitado como medicamento, é até mesmo tomado como um medicamento, mas você não é um medicamento!!!
Samuel agora parecia se esforçar para não retribuir toda aquela agressividade. A verdade era que ele entendia exatamente o que Sophia estava passando, e por isso, não podia se permitir sentir nem mesmo raiva da esposa adultera. Porém, aquele era um momento decisivo na relação do casal.
- O que você está dizendo, Sophia?! Está dizendo que não sou homem o suficiente pra você? Você... Você só está dizendo isso porque está com raiva! Está com raiva de você mesma, porque foi você quem errou aqui! Você foi fraca e quer me culpar pelos seus erros!!!
A raiva de Sophia aumentava, ela sabia que aquele era o advogado falando em sua própria defesa, exatamente como em todas as brigas que tiveram. Mas não! Dessa vez Não! Dessa vez, Samuel não faria ela se sentir mais culpada do que realmente era. De uma vez por todas ela faria ele entender que mesmo não sendo o autor do crime, era partícipe.
- Você sabe que não é isso!!! Quantas vezes você ficou horas extras no seu trabalho, sabe Deus fazendo sei lá o quê? E quantas vezes você chegou em casa empolgado com um dos seus casos que nem mesmo perguntou como foi o meu dia? Quantas vezes você chegou irritado por causa do mesmo caso e simplesmente fazia as suas coisas e ía dormir?!! Por falar nisso, quando se está raramente almoçando com alguém não se fica horas mexendo no telefone, ou falando assuntos desagradáveis, ou reclamando da vida!!! Onde foi parar a boa educação das pessoas???
Samuel, com toda a sua sagacidade para lidar com argumentações, parecia estar confuso e desorientado.
Sophia continuou:
- A verdade é que você é um grande egoísta. Você fica aí se fazendo de coitado e carente porque tem uma vida cheia de obrigações ”terríveis”, tribulações e tudo mais. E eu sei que você acredita verdadeiramente que você é uma vítima da vida só por que não tem a vida que gostaria de ter, mas eu tenho uma notícia pra você, Samuel! Ninguém tem a vida que gostaria de ter, nem mesmo a pessoa mais feliz, mais milionária e mais linda do mundo!!! Encare o fato de que você fez as suas próprias escolhas, e você continua fazendo todos os dias, inclusive quando resolve pôr em primeiro lugar todas as coisas que poderiam esperar só pra você me dar um bom dia decente. Isso porque eu seria a pessoa que você diz amar.
Samuel gritou por não saber mais o que fazer;
- Mas eu amo você!!! - Ele se virou de costas fitando o mar e passou os dedos entre os cabelos - Quer saber de uma coisa? - Samuel novamente encarou a esposa - Eu vim atrás de você! Você me traiu com aquele projeto de ser humano, e sou eu que estou aqui dizendo que te ama, pedindo pra você não me deixar. Que espécie de corno eu devo ser??!!! Você tem toda razão, eu sou um grande idiota!!! Eu posso admitir isso Sophia, eu só não posso admitir perder você para àquilo.
Sophia balançou a cabeça negativamente:
- Ah! É claro! Você nunca perde! Então só veio até aqui porque não pode perder. Você não está preocupado se eu ainda te amo. Você nem mesmo tenta me dizer sobre as coisas boas que nós temos!! Você só não quer perder. Mais uma vez está sendo egoísta.
Samuel esbravejou;
- O que você quer que eu diga??!!!
Sophia se aproximou dele com o indicador apontado;
- Se você realmente me amasse a primeira pergunta que faria seria se me apaixonei de verdade! Se acho que posso ser feliz com ele! Se eu verdadeiramente o amo!!!
Um silêncio se fez, e Samuel indagou, agora o tom de sua voz deixava transparecer a desânimo de sua alma;
- E você o ama?
Sophia ficou calada diante daquela pergunta tão cruel. Sabia a resposta que deveria dar, mas não sabia se seria a verdadeira. Naquele espaço de tempo, qual fez parecer tudo parar, as ondas do oceano, o vento forte que surrava a pele, o rosto de pedra de Samuel que aguardava a resposta tentando disfarçar seu desespero e ansiedade, ela pesava tudo que havia acontecido e o que havia sentido. Estar com Henrique significava leveza, não havia cobrança, ela não tinha que ser uma esposa perfeita, nem abordavam assuntos sobre o telhado da casa que já deveria ter sido consertado, ou os problemas no trabalho, ou sobre por que nunca viajam. Estar com Henrique era divertido e sua presença fazia seu coração disparar de uma maneira boa. Ela pensava em como um homem tão belo e desejável fora querer logo ela, mas não sabia que pensava assim porque Samuel a fazia se sentir pequena toda vez que exaltava a beleza das ex-namoradas, também não sabia que ele só fazia isso, porque a beleza dela e seus dez anos mais jovem o faziam se sentir ameaçado. Sophia adorava tudo em Henrique, o sorriso, a voz, o perfume, o jeito de andar, a altura, os ombros largos, a energia positiva e feliz que o circundava, os braços fortes e definidos, as pernas em igual beleza e de perfeita proporção com a simetria do seu corpo escultural. Mais ainda, ela adorava seus olhos, e como ele olhava para ela, qualquer pessoa que estivesse por perto decifraria o desejo nos olhos de Henrique quando a encontrava no caminho até a padaria do Novo Bairro. E era exatamente assim que Samuel a olhava, mas isso já fazia muito tempo, fora exatamente assim que ele a fez se sentir um dia. Agora, tudo era pesado demais para se carregar, e seu marido a fazia se sentir como se tivesse oitenta anos.
Contudo, lá estava ele, ainda aguardando a sua resposta. Com os braços cruzados devido ao frio que fazia, as mãos escondidas nas axilas para não congelar, Samuel aguardava sem pronunciar nenhuma das milhões de palavras que vinham na sua cabeça atordoada e confusa. Ele ouvia o vento uivando, as portas balançando, o mar estremecendo as pedras, e via a dor no rosto de Sophia que se esforçava para responder sem o magoar ainda mais, todavia, ele não podia ficar mais ferido do que já estava. Ele, que tanto amou e ainda amava aquela mulher. Sabia que a usava para justificar seu mau humor, as horas a mais no trabalho e tudo mais de ruim que poderia aparecer para pressioná-lo, quando dizia que tudo que estava fazendo era para ela ter uma vida melhor, mas ainda assim, tudo que fizera, fora porque tinha medo de perdê-la, porém, lá estava ele, perdendo-a.
Até que Sophia quebrou aquele vazio.
Sophia olhou dentro dos olhos esmeraldas e já marejados de Samuel, ela reconheceu a velha doçura daquele homem e se lembrou de quem ele realmente era. Com a voz embargada, apenas pronunciou;
- Não. Eu não o amo.
Uma lágrima escapou pelo canto do olho de Samuel, a fronte que estava enrugada, agora relaxava, mas seu peito ainda parecia carregar uma tonelada de concreto no lugar de um coração. Sophia continuou:
- Eu não sei se é por que estou habituada, ou se tenho medo da mudança, mas eu acredito que ainda amo você, só acho que esses anos de casamento e todas as coisas que vem junto, me fizeram e me impelem a esquecer isso.
Samuel ainda estático indagou:
- Então não tem certeza se ainda me ama?
Sophia respirou fundo e tornou a sentar;
- Ah, Samuel. Eu sei que o que eu sinto pelo Henrique, não é amor. Pode ser amizade, carinho, vontade de estar perto, tesão. Todas as coisas que nós esquecemos de continuar investindo no nosso casamento. Mas o amor, aquele que verdadeiramente se preocupa quando o outro adoece, que o defende dos outros mesmo quando sabe que ele está errado, aquele que faz você não imaginar a sua vida sem ele, esse eu sinto por você. Contudo, eu não sei se eu consigo viver só desse amor e esquecer todas as outras coisas.
Samuel se aproximou:
- Mas nós podemos ter as outras coisas também. Nós... Nós só precisamos querer restaurar isso juntos.
Naquele momento, o céu crepuscular pareceu clarear, nuvens brancas desenhavam-se no fundo azul. O mar revolto, acalmara. O vento turbulento, agora decidira por uma leve brisa. Os raios de sol entravam na varanda pelas brechas do velho telhado, o que era de se estranhar, pois que, pelo o que Sophia e Samuel se lembravam, a noite só estava por começar.
A luz que invadia todo o cenário era tão intensa que seus olhos mal podiam enxergar. Aos poucos foram se habituando àquelas cores vivas e intensas, diferente da negritude que os circundava anteriormente. Samuel caminhou em sua direção e sentou ao seu lado, ainda olhando para o mar que cantava uma suave marola de beira mar. Aquela calmaria os distraíra e logo voltaram para as questões discutidas.
Samuel falou serenamente:
- Eu amo você. Tanto que não me importo com o que você fez, desde que escolha seguir comigo - Ele sorri - Eu te amo tanto que não me importo com o que as pessoas vão falar. Eu abdico do meu orgulho de homem, da minha vaidade e de qualquer uma dessas idiotices, se você me disser que acredita que eu ainda posso te fazer feliz - Samuel a encarou enquanto buscava suas mãos para segurá-las - Porque Sophia, eu errei muito, mas eu errei tentando te fazer uma mulher feliz. E agora... Agora que nós estamos finalmente falando, eu sei onde eu errei, e sei que posso concertar tudo isso se você acreditar junto comigo que nós podemos melhorar.
Sophia abaixou a cabeça e suas lágrimas transbordaram;
- Me perdoa por tudo que eu fiz. Eu... Eu não sei onde estava com a cabeça. Eu ainda amo você.
Samuel a envolveu em seus braços como se abraçasse uma criança que acabou de ralar os joelhos numa brincadeira perigosa. Ele beijou seu rosto e as lágrimas de Sophia salgaram seus lábios. Em pouco tempo, se encontraram em um beijo cheio de perdão, amor e saudade, e o coração de Samuel não pesava mais.
Fora então que um grande reflexo os iluminou. Curiosos com aquela luz radiante, olharam para frente, e estranhamente, uma grande luz saía do oceano. No seu centro era de uma brancura reluzente, conforme se expandia para as extremidades, um leve colorido, feito arco-íris envolvia aquela presença ainda enigmática.
Depois daquele demorado abraço de perdão entre Sophia e Samuel, ficaram eles observando a linda luminescência que estranhamente saía do mar agora calmo. A luz transformara-se numa silhueta quase transparente, que por sua vez transformou-se em um jovial corpo que flutuava pela planície de areias branquíssimas. Sophia logo pensou estar vendo um lindo anjo, mas este não possuía asas. O semblante jovem lhe lembrava alguém, mas quem seria?
Tão belo e sereno, percebia-se uma mulher que apenas com seu meigo olhar transmitia toda afabilidade que um ser poderia ter.
Enquanto se aproximava com aquele sorriso singelo, Sophia se esforçava para lembrar. E quando finalmente a presença chegou, a jovem exclamou em uma explosão de alegria;
- Vovó?!
Agnes sorriu com os lábios e com os olhos, acalmando a neta num abraço cheio de aconchego e amor, exatamente como fazia quando ela era pequena. A lembrança que Sophia tinha de sua avó era de uma senhorinha de cabelos brancos, pele enrugada, mãos pequenas, de postura levemente curvada. Agora, quem apresentava-se a ela era uma bela mulher que quase parecia brilhar a pele. Contudo, "Sôphie", como a avó sempre a chamara, jamais esqueceria aquele olhar doce e amoroso cheio de vida e de luz. A voz afável e melodiosa soou aos ouvidos tanto de Sophia quanto de Samuel, acalmando suas indagações.
- Minha querida! Fico feliz que tenha me reconhecido. Você está tão bem. E esse bonito rapaz, não vai me apresentar?
Samuel se prontificou quase sem perceber. É que a presença de Agnes era tão relaxante que ele se sentiu como se já a conhecesse.
- Samuel. Eu sou o marido da Sophia.
Agnes o olhava com tanta ternura que Samuel sentiu-se abraçado por ela.
- Mas vovó, como a senhora veio parar aqui? - Sophia tinha um leve sorriso de incompreensão no rosto - Como pode estar tão jovem e bem? E não vou nem pedir explicações sobre sua saída triunfal deste mar.
Agnes com o semblante ainda adorável, respondeu:
- Mas eu estou aqui justamente para isso, para sanar suas dúvidas.
Eu pedi, e pela misericórdia de Deus, foi-nos concedido esse maravilhoso encontro. Ah, minha amada neta. Não sabes o quanto eu aguardei para poder estar aqui, e que você pudesse finalmente me ver.
Samuel e Sophia ainda confusos não compreendiam o porquê de Agnes falar daquele jeito.
- Mas vovó, eu não entendo. A senhora morreu quando eu tinha doze anos. Eu agora estou vendo fantasmas, por acaso?!
Agnes sorriu assim como Samuel, e respondeu:
- Oras, se é isso que você conclui.
Samuel se lembrou de um livro que leu por alto, qual havia ganhado de um amigo, e falou descontraidamente:
- Bom, ou nós morremos também, ou viramos mediuns. Como eu não me lembro de ter morrido...
Sophia indagou curiosa:
- Mediuns?
Samuel respondeu animado;
- Exatamente. Eu li que existem essas pessoas que conseguem se comunicar com os mortos. Umas podem ver, outros os ouvem.
Sophia
- Sim, eu já ouvi falar. É um assunto interessante, mas ainda existe muita especulação. Eu particularmente prefiro não acreditar nessas coisas.
Agnes abismou-se;
- Oras! Então o que achas que eu sou?
Sophia respondeu quase que de imediato:
- Um sonho, um devaneio. Ou eu posso finalmente estar ficando louca.
Agnes ainda serena;
- Minha querida, uma hora você terá que parar com essas fugas. Se quiser finalmente se libertar dessa crisálida onde se encontra, precisa remover o gesso desses seus pensamentos. Não há o que temer aqui do outro lado, apenas aquilo que nós mesmos fabricamos com as nossas mentes e nossas ações.
Sophia pareceu entristecer novamente, e assim o céu nublou.
-Eu não a entendo, minha vó.
Naquele instante os olhos de Samuel arregalaram, agora sim parecia ver um fantasma, e logo também entristeceu profundamente. Agnes o observou percebendo que ele se elucidava de tudo que estava para acontecer. O jovem moço pareceu ficar fraco por um segundo e precisou se sentar. Agnes fora ao seu socorro e o envolveu em seus braços o soerguendo naquele momento. Os olhos de Samuel pareciam vidrados, como se um filme lhe passasse rapidamente, bem na frente dos seus olhos. Sophia ficava cada vez mais amedrontada, e o tempo voltava e enegrecer.
- Samuel! O que foi? O que está havendo?!
Agnes disse calmamente:
- Dê-lhe um tempo, minha querida.
Sophia se desequilibrava e os trovões urgiam;
- Mas nós não temos tempo! Ele precisa de um hospital.
Samuel piscou os olhos e foi até a esposa atordoada, estava calmo e sereno, porém, não podia esconder a tristeza, assim como quem aceita uma derrota. Ele segurou amorosamente a face de Sophia, e a beijou. O trovão se calou.
- Olhe nos meus olhos, meu amor - Ela o obedeceu - Agora pense. O que você estava fazendo antes de vir para cá?
Sophia tentava se lembrar;
- Eu não sei. Nós tivemos uma briga horrível.
Samuel confirmava;
- Sim. Tivemos. E o que mais?
Sophia começou a chorar e o mar novamente se agitava.
- Eu não sei, eu não me lembro, Samuel! - Ela foi até sua avó - Vovó, o que está acontecendo? - Ela pôs as mãos sobre o coração - De repente sinto uma dor horrível no peito e no corpo.
Agnes se mantinha estranhamente serena. Samuel foi novamente até a esposa.
- Sophia, minha querida. Você precisa se lembrar. O que aconteceu depois que brigamos?
Sophia olhou bem dentro dos olhos esverdeados de Samuel, e apesar de todo amor que ali morava, algo parecia estar errado, uma tristeza o consumia. Mas Sophia se concentrou, e como um relapso lembrou;
Naquele dia ela contou a Samuel, que provavelmente já sabia, que ela o estava traindo e que se apaixonara, assim, estava indo embora da sua vida para viver seu romance. Samuel obviamente se descontrolou, e aquela fora mais uma discussão horrível. Talvez a pior de todas. Sophia pegou sua mala, e aos prantos, saiu com seu carro, dirigindo completamente transtornada. Fora rápido demais para que ela mesma percebesse que furou o sinal e um cargueiro praticamente a atravessou ao meio. As lágrimas de "Sôphie", agora eram silenciosas, pois tudo que via passava dentro dos olhos de Samuel, ele a abraçou com todo amor que possuía igualmente emocionado.
Agnes se aproximou e a tocou no ombro como quem anunciasse que estava ali por um motivo. Sophia olhou para sua avó, e como quem tentava aceitar o inaceitável, perguntou:
- Como isso pode acontecer comigo?
Agnes deu um brando sorriso que indicava que o pior já havia passado;
- Minha querida, não devemos questionar Deus. Só Ele sabe o que é melhor para nós. Você e Samuel lutam há algumas encarnações para concretizarem o resgate como uma família. Infelizmente, desta vez, falharam em muitos pontos. Se por acaso você ainda estivesse nos planos terrenos, será que não estaria a se endividar ainda mais com as leis de Deus? Você o teria largado por um romance que não sobreviveria por muito tempo, seu amante a deixaria, assim o orgulho não a deixaria voltar atrás, e como não te restaria mais ninguém para contar, você ficaria sozinha e paupérrima. Acostumada com o luxo que Samuel sempre a mimou, não aguentaria a labuta, e por caminhos ilusoriamente mais fáceis, se endividaria de corpo, e de alma. E quando já cansada, seu corpo não aguentaria e ainda nova, porém com a beleza roubada pela amargura e a promiscuidade que rompe todos os elos do ser com ele próprio, você poderia estar em situação pior que esta, pois só aqui, no cenário o qual a sua mente conturbada a colocou, você ficara por dez longos anos, sofrendo e chorando. Até que o tempo de Samuel sem ter vivido a programação ao seu lado, se cumpriu. E como a lei da atração une todas as almas que verdadeiramente se amam, quando ele falecera de um infarto fulminante, seu pensamento estava em você e na última vez que estiveram juntos. Assim, por misericórdia do Pai, fora permitido que para cá ele viesse, e assim, os dois se ajudassem na passagem.
Samuel ficou intrigado;
- Como não nos lembramos de nada?
Agnes serenamente respondia:
- Sophia não se lembrou porque sofreu um choque muito grande no momento do desencarne, além de sua mente estar transtornada com a briga, ficando assim, presa aquele momento, vindo pra onde estava indo antes de sofrer o acidente. Já você, querido amigo, viveu todo esse tempo se culpando pela morte de Sophia. Não constituiu outra família, não aproveitou a tragédia que sofreram para ajudar outros casais que passavam por situação parecida. Apenas viveu como um zumbi, desprezando a dádiva da vida e a lição que poderia ter tirado de tudo isso. Contudo, a culpa e a angústia que cresciam e que você regava todos os dias ao relembrar os últimos momentos de vocês, sobrecarregou seu sistema cardíaco e o fez parar. Mas o amor de Deus e do Mestre é infindo. Ele é todo amor, toda justiça, e toda misericórdia. E permitiu que você finalmente viesse ajudar Sophia a parar de sofrer. Pois é chegada a hora, meus amados, de seguirmos em frente, em vista que nada se perde, e que a evolução é a lei maior, é a lei de Amor e de Caridade.
Sophia abraçou Samuel, ele a retribuiu com um doce beijo. E apesar da tristeza de terem falhado mais uma vez, a esperança de uma nova oportunidade e um recomeço alimentava seus corações cansados.
Samuel com um tímido sorriso perguntou:
- E agora, o que fazemos?
Agnes embalou o casal nas suas Vibrações de Amor Fraterno, levando-os, com a ajuda de amigos espirituais, para a colônia de refazimento, onde os dois puderam observar e refletir sobre seus erros, aprendendo e esperando assim, com paciência e resignação, a permissão de Deus para que pudessem retornar à mãe terra, para o refazimento da reforma íntima, qual por infinito Amor e Bondade, Deus nos concede, hoje, agora e sempre, nesta indumentária que nos veste a alma para soerguermos a excelsitude da nobreza do coração.
Samuel e Sophia aguardavam além de tudo, que a vergonha e o arrependimento se tornassem uma força maior e uma vontade imensurável de se redimir, aprendendo diariamente com os amigos da colônia, que somente o amor é capaz de transformar os seres, mas que para se alcançar esse amor, ainda em nosso nível evolutivo, é necessária a dor e o sofrimento. Pois como um simples carpinteiro uma vez disse - Que mérito há em amar aqueles que nos amam e nos agradam amar? -Eu vos pergunto irmãos: Que mérito há em amar e ser feliz em condições favoráveis, quando ao menor torvelinho, esse amor se apaga e se transforma em ódio, mágoa e rancor?
Após longos trinta anos de espera, Sophia reencarnou como Bernardo, um lindo menininho de família razoavelmente abastada, seria um belo advogado, e se apaixonaria por Elisa, quando em um fim de semana numa praia qual parecia dos anjos, tropeçaria em seus olhos esverdeados. Samuel reencarnaria como Elisa, uma menina tímida de uma família pobre de pescadores. E assim ficara acordado a inversão entre ambos, para que desta forma, compreendessem um a dificuldade do outro.
Continua no conto 2