Hora da refeição
De repente foi intrigante aquele bando de galinhas saindo meio atabalhoadas do galinheiro, entrando pela cozinha e dobrando a primeira porta do corredor, à direita, para entrar no quarto onde ela ficava. Tia Matinha havia deitado há pouco, o que não era comum porque não passava das três e meia. Ninguém viu porque além de o quarto ficar um pouco afastado da sala, Geórgia, a filha do patrão, a única na casa naquele dia, para quem Matinha era uma segunda mãe, tinha ido até ao portão, que ficava a uns trinta metros da varanda, ver os meninos soltar pipa na rua.
As galinhas dirigiram-se à cama em que Matinha parecia repousar e posicionaram-se cinco de um lado e cinco do outro, ficando a que parecia a líder ao pé da cama. Quando pareciam perfiladas, Matinha deu o último suspiro. As galinhas demoraram-se mais alguns segundos e depois saíram em silêncio e devagar, em fila quase que indiana, fazendo o mesmo percurso para retornar ao galinheiro. Que ficara com a porta aberta. E de lá não saíram até às sete da manhã do dia seguinte.
Às quatro e meia, quando o padeiro passava para saber se iriam querer pão para o lanche, Geórgia resolveu saber por que ainda não tinha sido chamada pela Matinha. Ao se aproximar da varanda, achou estranho o silêncio. Não havia a voz da Matinha e nem o cocorocó das galinhas que àquela hora poderiam estar sendo alimentadas pela segunda vez pela negra ao som de canções que só ela sabia.
Ao invés de se dirigir ao galinheiro passando pela cozinha, Geórgia sentiu-se atraída para a porta do quarto de Matinha que estava entreaberta. Não sabia que por ali haviam passado as galinhas que, tendo cuidado ao sair, não deixaram a porta escancarada. E logo Geórgia – o silêncio em toda a casa – percebeu. Não iria mais contar com os afagos das mãos quentes da negra em seus cabelos, com as canções que ela cantava com a sua voz gutural, com o extremo carinho e cuidado com que era sempre recebida e tratada por Matinha – e a inveja que isso causava à sua própria mãe – e com a necessidade de nunca fazer algo que pudesse magoar Matinha. O primeiro impulso foi um sorriso leve e sem graça, desses que a gente dá porque sabe que nada é sério. E depois foram lágrimas. Que duraram até às sete da manhã do dia seguinte. Quando alguém teria que dar milho às galinhas.
Rio, 11/12/2016