O pássaro canoro
O silêncio da manhã era interrompido, ouvia-se ao longe seu gorjeio harmonioso, parecia um tanto pesaroso. Confesso, não sou sabedor da distinção entre um canto e outro, mas pareceu-me diferente melancólico. De repente, emudecia, saía dali enquanto outros revoavam entre galhos. Chamava minha atenção o fato dele sempre pousar no mesmo galho. Então, soltava sua tristeza. Tirei meus olhos da cena, comecei a procurar respostas que pudessem desvendar-me o mistério do canto. Aparentemente, nada que me veio ao olhar era suficiente, merecia consideração. A paisagem era farta, o jardim florido, árvores cercavam, aplacava o vento num balé barulhento e ostensivo. Um dia após o outro, tudo era igual. Lá vinha ele cantar sua canção. Como um pássaro poderia lidar com sentimentos? Isso me intrigava. De repente, percebi um beija-flor beijando as flores, com seu bico profundo a extrair o adocicado néctar. Todas as vezes que ele descia em seu voo rasante, prostrava extasiado diante da flor, extraindo sua essência; o pássaro, por sua vez, olhava para baixo, dobrava seu canto, como que tentando expulsar o bicudo. O pássaro encantava-se com aquela flor, não compreendia como o outro nascera com aquele bico. Seu cantar triste era uma voz que rebelava contra essa impossibilidade. Não podia beijar sua amada, como pudesse ela ouvir, gritava sua lúgubre melodia.
A natureza nunca nos engana; somos sempre nós que nos enganamos (JJ. Rousseau)
Dedico esse conto a amiga das letras Limaflor que incentivou-me a escrever contos. Obrigado, caríssima.