O caso de Toinho, o desprezado

Ficou por alguns meses como que prostrado numa rede na casa do pai. Quem quisesse vê-lo era só ir até lá. O homem estava sem forças, choramingando como um paciente acometido de fortes dores. Encontrava-se rendido, alquebrado, dependente, sem ação até mesmo para se levantar, andar ou conversar. Por aquela região, ninguém nunca tinha visto nada igual acontecer com um homem casado como era o caso do Toinho. Antes da crise, ele era do tipo despreocupado, bem-humorado, trabalhador sim, mas talvez por ser muito liberal em seus atos, amargou brusca e inesperada mudança de vida. Sua esposa, mulher corpulenta, amorenada, baiana diziam, pessoa bem-disposta para o trabalho na agricultura, é.... isso todo mundo via. Ele, trabalhava nos projetos de irrigação em outras localidades e às vezes ficava uma semana ausente do lar.

Dormia no barracão, se fosse do tipo farrista, podia muito bem ir em busca de alguma aventura amorosa em Baraúna ou Mossoró como muitos dos seus colegas faziam. Mas já não via atrativos nisso de gastar dinheiro e sono em bebedeiras e putarias. Contentava-se com a trivial e bem-humorada conversa de alguns companheiros de ofício, só não abria mão nos fins de semana de receber com cortesia, e esta era até demais, diga-se de passagem, os vizinhos e conhecidos que apareciam em sua casa. Ali estavam em casa, bebiam umas e outras, com tira gosto de provas antecipadas do que havia na panela para o almoço, conversavam, ouviam música, falavam da vida alheia... era essa a diversão dele. Entrava semana e passavam meses e vinham às chuvas e estios e a vida corria na normalidade de regra para os moradores do vilarejo de Tanque do Lima, mas nem todos estavam satisfeitos com a vida que levavam.

Lucia, a baiana forte, mulher do Toinho teve dois filhos com ele. Aparentemente estava satisfeita com o companheiro e tudo parecia em ordem e equilíbrio, mas quem é profeta para fazer previsões? Pois é, ninguém imaginava que as coisas iam chegar aonde chegaram. Alguns dizem que mesmo antes do nêgo Paulo ficar viúvo, já havia fumaça no meio da lenha. Outros asseguram que não, foi a solidão do homem que fez com que ele começasse por desviar o olhar para a casa do Toinho com outros interesses. Pouco mais de um mês após o enterro da mulher do nêgo Paulo, todo o vilarejo observou que as visitas do viúvo passaram a se tornar mais frequentes na casa do Toinho. Onde há brasas, há fogo e é fato que o nêgo solitário tomou a mulher do pacato Toinho. Este ao constatar o triste ocorrido, sofreu, chorou, esteve incrédulo pensando que aquilo era um pesadelo ruim, pensou em matar o ladrão e a sem-vergonha da mulher, mas o que se viu foi o homem se deixar dominar pelo desalento. Chegou a dizer para o pai que pensou em se matar, mas cadê coragem?

Este caso de separação trouxe a princípio, grande insatisfação para o marido, visto que se sentiu traído e desmoralizado. Já a sua ex-mulher parecia bem gratificada no aconchego do viúvo. Diante do ocorrido, cada um tomava outra direção e passava a viver nova etapa de vida. Lucia permaneceu no vilarejo, num ritmo muito semelhante ao que vivia com o Toinho. O Toinho, apunhalado pelo vizinho e pela mulher, foi aos poucos criando forças para sair do duro entorpecimento e renascer com nova e, despudorada cara. Seu antigo bom humor aos poucos lhe fez perceber que agora já não tinha mais problemas, nem compromisso com ninguém. A mulher lhe deixara, os filhos nem apareciam, e ele simplesmente estava só na casa do pai.

Daí em diante, a população de Tanque do Lima, percebeu a metamorfose de Toinho. Viu renascer das cinzas o cabra mais sem-vergonha, o sujeito mais palhaço para falar as coisas mais depreciativas nos casos de vida a dois. Se estava sem moral por ser o corno mais recente do vilarejo, começou a alardear suas ideias como um arauto, rebaixando-se ainda mais à condição de imoral e sem escrúpulos. Para alegria dos amigos do lugar, extrapolou na ironia consigo mesmo, voltou a beber, passou a dar e a ser o alvo de faustosas gargalhadas pelos ditos que dizia. O trágico virou cômico.

Não teve recaídas e alguns meses depois, resolveu se mudar. Foi à procura de trabalho na capital. Agora estava só, não precisava se incomodar com ninguém essa era a verdade. Pensando bem, o nêgo Paulo fora até generoso com ele, em se encarregar de toda a trinca. Toinho agora era como um viúvo também, podia encontrar outras mulheres e quem sabe até, uma bem melhor, mais nova, mais formosa do que aquela gorda e peidona, a baiana do Paulo que ele havia comido até demais. Na cidade grande, com pensamentos de recomeço, arranjou emprego no comércio e tocou a vida. Para divertir-se mais ainda, se tornou membro de uma confraria de homens traídos. Procurou o clube dos cornos, onde se leva a coisa é séria mas a chacota também faz parte. A filosofia maior da entidade era semelhante ao que faz a medicina ao usar a peçonha para a própria cura, e Toinho se destacou entre os seus pares.

No tal clube, as reuniões acontecem e os testemunhos de cada sócio são ouvidos com atenção pelos outros, como no AA. Há os aconselhamentos para os que ainda não estão bem curados dos traumas do desamor. Contudo a maior parte dos frequentadores já apresenta curadas cicatrizes e fôlego para novas aventuras nos escorregadios terrenos da paixão. Para os novos e assumidos bichos de chifre, já vai bem distante o tempo em que era vergonhoso para um cabra macho ser tratado de cornudo. Toinho aprendeu isso por conta própria e sem precisar de lição externa. Ele e os seus confrades sabem pelas estatísticas do clube e estudos feitos na história de casais mundo afora que:

Artigo 1. Só não leva chifre, quem não namora, nem se casa, logo ninguém é chifrudo à toa!

Artigo 2. Chifre é coisa que botam nas cabeças uns dos outros.

Com raríssimas exceções, e aí se enquadra o caso do Toinho, a regra mais infringida e a responsável pela fundação e o grande número de adeptos daquela nobre instituição é a que diz depois do último artigo e inciso.

- Mulheres não passam chifres nos homens, elas simplesmente se vingam, ou aceitam uma proposta melhor de algum interessado maior.