Embaixo de uma figueira

Até então, muito já havia ouvido falar de você. Você entrou naquele lugar, com tantas pessoas, com o seu namorado, e eu já estava perdido. Nos apresentaram,nos abraçamos. Te vi mais algumas vezes, e nesse tempo eu ainda estava perdido. Você sabe bem o que eu vou dizer agora: quando você faz pavê, e você faz muito, acho que é sua sobremesa preferida, e você coloca umas camadas de biscoito? Então, eu estava com essa primeira camada. Uma camada vazia, confusa, entregue a qualquer coisa.

Eram onze e meia da noite, quando cheguei na praça General Osório e andei até o Arpoador. Eu me escondia do frio, enquanto falar ao celular e segurava uma garrafa de vodca, porque esse foi o combinado, a vodca. Você havia construído um luau falso, mas eu não me importava, estava entregue a tudo. Me sentei na areia, mais ou menos perto da Paola, e em seguida todos se aproximaram de nós. Totalizávamos duas bebidas, a minha vodca e uma garrafa de uísque de alguém que provavelmente pensou em bebê-la sozinha toda a noite. Não me lembro muito bem quantas pessoas eramos e o enredo das conversas, pois eu só conseguia prestar atenção na Paola, na dor dela, eu entendia todas aquelas expressões que ela esboçava, lembrava de mim, me via.

Todos levantaram. Você apontou para mim e disse que eu dormiria na sua casa, eu sorri, te segui. Agora totalizávamos quatro, eu era o quarto de um grupo que não mal conhecia, mas não me importava.

Cortando um pouco as imagens, nos tornamos ótimos amigos. Sua família me acolheu, você me protegeu, sua mãe me protegeu. Mas voltando ao pavê, vocês sempre souberam que havia algo errado. Lembro quando sua mãe jogou as cartas e me disse, logo no inicio, que "esse rapaz, que você namorou, ele pensa muito em você e você pensa muito nele. Vocês vão voltar! Ele é um leão, e sem dúvidas ele te ama muito, ama mais do que a ele mesmo, mais do que qualquer coisa. Cuidado.", e ela ri até hoje quando lembra que eu disse "eu não acredito". Quando abre as cartas sempre me pergunta no final, "acredita?", e eu sorrio. E aconteceu, essa camada de biscoito foi tampada.Voltamos. E eu tive medo. E brigamos. E ele soube de todos os meus segredos. E ele me acolheu, despertou o melhor e o pior de mim, e me amou, e eu o amei, e brigamos, e nos deixamos, e ele me deixou, e voltamos mais uma vez, e eu fiquei 'doente', e ele me traiu, e nunca mais me amou, e me deixou novamente, vazio, sozinho, perdido, da pior forma, pior do que a primeira vez. Eu dormi. Acordei. Chorei até dormir. Me mediquei até não chorar mais. E acordei com você do meu lado. Você nunca me disse, mas eu soube, você queria encontrá-lo no inferno, arrancar a cabeça dele, entregar para todos os demônios do mundo uma parte do corpo dele. Mas você não o fez, eu pedi que não fizesse. Você me abraçou, me carregou, limpou meu rosto, me levou para a sua casa, me colocou na sua cama, na sua vida, nas suas coisas. Você nunca me abandonou, e toda vez que eu me perdia no pensamento você dizia me amar. E suportou todo o mal do mundo, e nunca me deixou sozinho. Foi limpando todas as feridas abertas, mesmo que tivesse que fazer o que tivesse que fazer. Você não me negou, você não me deixou morrer naquele quarto sozinho, naquele cheiro de morte, de dor, de vazio. Você cuidou de uma dor que não era sua. E eu acordava do seu lado.

Lembro que alguns meses depois, quando eu já estava melhor, fomos ao show do Johnny Hooker, e eu estava com o Lucas um pouco afastado de você, do grupo que estávamos, quando você chegou dizendo que iria matar, bater e trazer toda a sorte de dor e sofrimento para aquele cara que por várias vezes você me viu chorar. Lembro que você o viu e disse "eu vou matá-lo!", enquanto ele beijava o mais novo companheiro dele. Eu disfarçava, porque não queria deixar o Lucas mais sem graça, mas logo ele se foi, e eu não me importei, não me importei com nada, só com você, ali, querendo me proteger mais uma vez.

Eu não posso deixar de dizer, que agora, depois de quase cinco meses as coisas estão bem melhores. Acho que tenho encontrado uma felicidade clandestina bem oportuna, porque eu tenho andado sozinho pela enseada de Botafogo e às vezes me pego sorrindo pelo simples fato do céu ser azul, do cheiro da maresia, ou do rapaz que sempre me olha no ponto de ônibus, pois sempre pegamos no mesmo horário, tanto na ida quanto na volta, e ainda nos esbarramos na academia às vezes. Mas o rapaz não me importa, aliás, nenhum cara tem me importado. Eu não tenho me ligado à ninguém, nem ao Lucas, nem ao Jhonata, ou o José, Davi, Fábio, ou o Sam, o Californiano. Eles são pessoas que passam, que vem ou só estão indo, e temos ótimas conversas, e ótimos encontros, e ótimas noites e dias. Mas nada se comparada à você, a saudade ou a felicidade que eu tenho desesperadamente de chegar no fim da tarde e te encontrar, nem que for para brigar, porque dentro de mim, quando minha alma te vê só sente amor. E eu te amo em qualquer situação.

Eu te amo minha amiga, minha irmã. Obrigado por cuidar de mim, Siggia.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 30/10/2016
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