O AMOR REVELADO POR UMA CRIANÇA

O AMOR REVELADO POR UMA CRIANÇA

Se as crianças soubessem o poder que elas têm, certamente, a vida se tornaria mais simples e emotiva. Esses seres são tão frágeis, mas recheados de compaixão, amor e inocência. Quando dois corpos compartilham do mesmo amor doado por uma criança, a vida pode até seguir à loucura, contudo, o final da estrada mostrará o bálsamo da comunhão e do afeto.

Na correria da metrópole, encontrava-se Roberto Noah, um jovem formado em Educação Física, mas que ainda não conseguira encontrar o emprego dos seus sonhos. Seus olhos eram azuis, sua boca fina e nariz pontudo. Seus cabelos eram loiros e encaracolados, eram visíveis suas ascendências germânica e judia. Seus braços eram fortes e, por ser muito branco, eram visíveis as veias saltadas. Seu maior desejo era possuir uma academia aquática, afinal, sua especialidade era a natação; contudo, durante a semana dava aulas para as crianças do ensino fundamental no Centro Esportivo de sua cidade. Seu salário era ruim, apenas lhe servia para pagar o aluguel da quitinete onde ele morava, assim como a compra no mercado, as contas de água, luz, gás, internet e seu curso de Inglês. Sempre guardava uma quantia pequena para no fim do mês ir ao cinema ou comer um lanche. Noah era solitário, não possuía amigos, quase não conversava. Mesmo assim, tudo mudava quando caía na piscina junto com seus alunos. A paixão por aquelas crianças o fazia rir e brincar e, ainda, quando um aluno conseguia aprender os passos certos para se mover sobre as águas, Roberto ficava emocionado. Os alunos o chamavam de tio Betinho.

Em uma de suas aulas às crianças entre cinco a sete anos, na segunda-feira, o professor notou que um de seus alunos, o Carlos, estava triste e não se alegrava como os outros, todos amavam estar dentro da água menos esse menino franzino e míope. A piscina era grande e aquecida, Roberto sempre possibilitava um momento de recreação antes do fim das aulas. Para os seus alunos esse era o momento mais aguardado da aula. Quando o tio Roberto gritava pausadamente “Recreação!” era inconfundível o coral de gritos de alegria, as crianças subiam na borda da piscina e pulavam na água, as meninas riam das imitações que os meninos faziam ao pularem de volta na piscina. Por isso, ao notar esse menino triste e cabisbaixo, Noah teve a ideia de adiantar o momento mais aguardado da sua aula e gritou:

- RE-CRE-A-ÇÃOOO!

Apesar de antecipar aquilo que era o oásis das crianças, Roberto notou que Carlos se sentou na borda da piscina e ficou batendo os seus pés na água. Seu semblante era triste, seus olhos denunciavam uma dor aguda naquele coração sem pecado. O professor vendo tudo isso, aproximou-se do menino e disse:

- Carlos, por que você não vai brincar?

- Não quero brincar! – Respondeu o menino de modo raivoso.

- Por quê? Por acaso alguém lhe fez algo e você não gostou?

- Não... Mas... Eu não consigo brincar... Na verdade, eu não quero

fazer nada...

- Você gostaria de me dizer alguma coisa? Eu posso lhe ajudar?

- Não quero falar nada... Minha vida não está bem... Minha mãe... Deixa pra lá! – Desviou o olhar.

- O que aconteceu? - O professor puxou o ombro do menino e disse olhando em seus olhos míope – Eu sou o seu professor, eu nunca vou lhe querer o mal! Confie em mim, por favor, quero lhe ajudar! O que é que tem a sua mãe?

O Carlos percebendo a sinceridade do seu professor titubeou por alguns instantes, olhou longamente para os outros meninos que pulavam desesperadamente na água e resolveu desabafar:

- Eu não tenho pai! Ele morreu quando eu ainda era um bebê e minha mãe...

Nesse instante um dos alunos de Roberto veio lentamente por trás do professor e o empurrou na piscina. Os outros alunos pularam por cima do tio Betinho e fizeram uma algazarra. Carlos ao ver tudo isso, levantou-se e foi para o banheiro trocar de roupa. Noah até tentava encontrar o aluno franzino por entre os meninos e meninas que pulavam ao redor dele, contudo, já não o avistava mais. Desse modo, aos poucos se notava a chegada dos pais das crianças. Elas fingiam não os verem para aproveitarem ainda mais a piscina. Como era obrigado a não deixar nenhuma criança sozinha dentro e próxima da água, o professor tinha que permanecer ali com os seus demais alunos até que o último fosse ao banheiro vestir-se.

Enquanto as crianças estavam no banheiro, Roberto cobria a piscina com uma lona azul. O local onde se encontrava o tanque de natação era grande e a piscina era de formato retangular, havia várias cadeiras brancas de plástico, além de um vidro enorme e transparente que possibilitava a visão da secretaria, a qual continha várias cadeiras com estofados vermelhos em que possibilitavam aos pais se sentarem e verem os seus filhos tendo a aula. Sendo assim, enquanto Noah apagava as luzes, olhou por esse vidro e viu uma moça abraçando e beijando Carlos. Ela era baixa e magra, de pele morena e roupas simples. Seus cabelos eram levemente encaracolados, seus olhos eram castanhos, sua boca era grossa, sua pele por mais que estava oleosa era lisa e delicada. O professor se apressou com os afazeres, queria pelo menos se despedir do seu aluno míope e lhe dizer que o ajudaria, contudo, ao chegar à secretaria já não se deparou com eles. E sem se importar com as pessoas que ali estavam, correu para fora do Centro Esportivo e se deparou ao longe com uma criança na garupa de uma bicicleta Monark de cor vermelha com uma mulher pedalando, percebeu que era Carlos o menino, mas “quem seria aquela mulher?”, pensou.

Roberto foi embora pensativo, naquele dia. Queria ajudar o seu aluno, pois não admitia ver uma criança triste. Pensou em ir à casa de Carlos, mas não imaginava como. E percebendo que naquele dia nada poderia ser feito, logo, sem motivo, pegou suas apostilas da época de faculdade e começou a folheá-las. Estava apreensivo, queria respostas, desejava ter a sensação de que estava fazendo algo. Os livros universitários apenas lhe serviam de distração até que algumas fichas de estudo caíram ao chão. Noah se abaixou e as pagou e viu que eram nomes e algumas medidas corpóreas de seus antigos alunos, quando ainda era estagiário. Foi nesse momento que teve uma ideia, afinal, por que não olhar as fichas de seus atuais alunos e procurar por Carlos. Seguindo o seu pensamento, o professor pegou a pasta onde se encontrava as autorizações que os pais davam às crianças para realizarem aulas de natação e ali encontrou o nome Carlos Henrique Mariano e o endereço Rua Monte Rei, número 123, bairro Capitão Rodrigo. Sem titubear, Noah pegou a sua moto e partiu para o endereço. Conforme ia se aproximando do bairro onde morava o seu aluno franzino, Roberto percebia o surgimento de casas humildes e ruas cheias de buracos.

Quando chegou à casa de Carlos, bateu palma e gritou o nome do seu aluno. Aquela mulher que buscara o menino olhou pelo vão da cortina para verificar quem era e abriu a porta, aproximou-se do velho e enferrujado portão e disse:

- Boa noite, professor! Por que está aqui?

- Boa Noite... - O professor ficou encantado pela beleza daquela mulher, mas como possuía dificuldades para criar novas amizades, inicialmente titubeou e criando fôlego perguntou de modo cordial - Qual é o seu nome? E o que você é do Carlos?

- Sou a mãe dele, por quê?

Roberto ficou paralisado por um tempo, ao ouvir daquela bela mulher a palavra ‘mãe’. Seu pensamento fugiu à realidade. Os olhos dele estavam direcionados a ela, porém, a graça e simpatia daquela moça mexeram com a mente dele.

- Professor! – Disse a mulher à mãe de Carlos.

E voltando em si, Noah falou:

- Perdão... Eu não consegui acreditar que você é mãe de Carlos... – Falou sem perceber - Eu... Eh... – o professor estava embaraçado, mas prosseguiu - Novamente, perdão! Eu gostaria de falar com Carlos.

- Aconteceu alguma coisa? Por favor, 'me diga'!

- Não é nada de grave, mas eu preciso falar com o seu filho.

- Tudo bem! – Aquela mulher olhou para trás e gritou: - Carlos! 'Vem' aqui!

Roberto ficou olhando para ela enquanto o seu aluno não vinha. Queria lhe perguntar pelo menos o seu nome, porém, o medo possuiu os seus sentimentos. Desejou criar coragem, respirou fundo. Não conseguia. Sendo assim, a mãe do menino míope virou-se para o professor e disse:

- 'Me desculpa!' – estendeu as mãos – Prazer, meu nome é Laís.

Noah tremia, ficou sem graça, olhou para o chão enquanto estendia a sua mão para cumprimentá-la.

- Prazer! Eu me chamo Roberto Noah... Sou professor!

- Eu já sabia que você é professor - riu – Meu filho faz aula de natação com você.

Roberto ficou ainda mais tímido, seu rosto estava vermelho. Por isso, desejou desesperadamente que Carlos aparecesse naquele exato momento. E foi o que ocorreu. O menino franzino veio ao portão e abraçou a cintura de sua mãe e quando viu que era o seu professor teve um susto e disse:

- Tio Betinho! O que faz aqui? – Sorriu e correu ao encontro do professor.

Laís ficou feliz, pois era raro ver o seu filho tão alegre. Nesse momento ela mudou a forma de como percebia aquele professor. Antes apenas via um homem qualquer, agora, portanto, começou a notar o humano Noah. Começou a ver o seu filho pulando no colo daquele alemão cheio de músculos, teve vontade de chorar, rir. Ver outra pessoa brincando com o seu filho, despertou nela o desejo de esperança e até de algo mais. Afinal, sua vida se resumia em trabalhar, cuidar da casa e de Carlos. Desejou convidar o professor para o jantar, contudo, não tinha a quantidade de comida suficiente para três pessoas.

- Vou ‘deixar vocês sozinho’- Disse a mãe de Carlos enquanto se retirava dali.

Noah não queria que ela saísse, porém, tinha que conversar com o seu aluno. Ficou a vê-la e admirá-la até que entrasse naquela casa de madeira e, em seguida, olhou para o menino, abaixou-se, e disse:

- Eu não disse que queria ajudá-lo? Aqui estou! Diga-me aquilo que você estava me dizendo.

- Vamos entre aqui em casa. Vamos sentar ali- apontou para duas cadeiras de madeira que por sinal estavam velhas e apodrecendo.

Ambos foram e se sentaram. Carlos olhou para o professor e começou a dizer:

- Meu pai morreu quando eu ainda era um bebê. Minha mãe trabalha muito e ela sempre está muito cansada. Não tenho ninguém além dela e ela não tem ninguém além de mim. Eu não tenho com quem brincar, não tenho com quem conversar... Ás vezes, eu penso que minha mãe seria mais feliz se eu não tivesse nascido... Ela trabalha muito para ‘me dá’ comida e caderno ‘pra mim estudá’. Eu só ‘vejo ela’ descansando quando vai dormir... Quando vejo os meus amiguinhos felizes e se divertindo lá na piscina... Fico com vontade de que minha mãe tivesse esse momento de alegria.

Roberto ficou surpreso e emocionado. Ouvir essa voz melancólica e ver a expressão triste de Carlos o deixou preocupado. Não sabia como ajudar. Queria ver o sorriso do menino míope, queria ver o sorriso da mãe.

- Você pode me ajudar? - Perguntou o menino.

Apesar de Noah não saber como, respondeu:

- Claro que posso! Afinal, você é meu aluno!

Carlos se alegrou, via em seu professor a possibilidade de que alguma coisa seria mudada e curiosamente perguntou:

- Como o senhor pretende fazer isso?

Roberto não sabia o que dizer. Desse modo, olhou para o seu relógio de pulso que possuía a data e verificou que naquela semana receberia o seu salário. Teve uma ideia ousada:

- Que tal sairmos para jantar neste final de semana? Eu pago! O que você acha de nós irmos comer um lanche? Eu, você e a sua mãe?

- Eu nunca comi um lanche! – Os olhos de Carlos misturavam ansiedade com admiração, só de imaginar que comeria um lanche e que sua mãe poderia se divertir ficou agitado, animado e numa atitude infantil correu para dentro de casa e chamou Laís. Disse que o professor queria lhe falar algo. A princípio ela se assustou, mas foi puxada pelo braço por seu filho e o acompanhou até onde estava o professor. O menino olhou para Noah e, sem querer, o intimidou dizendo - Tio Betinho fala ‘pra’ ela o que você falou ‘pra’ mim!

Roberto era tímido, porém, fazer boas ações lhe promovia se esquecer desse sentimento. Ele se levantou, olhou no fundo dos olhos castanhos de Laís e disse:

- Eu quero lhe convidar... - Olhou para o menino- E ele também! Para irmos comer um lanche neste final de semana. Ficarei feliz em pagar para vocês e ficaria muito triste se você recusasse.

Laís teve múltiplos sentimentos dentro de si. Os olhos azuis do professor a instigava, ela ficou hipnotizada, queria dizer "NÃO!", pois não achava justo que Noah pagasse pelos lanches, contudo, desejava estar, novamente, perto dele. Optou em concordar. Carlos a abraçava e a beijava do mesmo modo em que pulava nos braços de Roberto.

- Eu quero que ‘nós três se abrace’- Gritou o menino.

O professor hesitou e timidamente olhou para Laís e ela teve a atitude de abraçar Carlos. O menino franzino olhou para Noah e disse:

- Vem abraçar a gente!

Roberto, vendo que não teria outro jeito, abraçou o menino e a mulher. Os corpos de Noah e Laís ao se encostarem ficaram quentes. O professor sentiu próximo a sua nuca a respiração ofegante da mãe do menino. Isso lhe causou arrepios. Ela, no entanto, sentiu-se protegida ao perceber o braço forte dele. Ambos não queriam que aquele abraço em conjunto terminasse, contudo, Carlos foi o primeiro a se soltar, fato que os abrigaram a se soltarem também. Desse modo, ocorreu um momento de silêncio até que Roberto se despediu e foi embora.

O professor contava os dias para chegar o momento de reencontrar com Laís e Carlos. Finalmente, o último dia da semana chegou. Como Roberto não possuía carro ficou combinado que ele iria até a casa do seu aluno com a moto e a partir de lá os três iriam a pé até uma lanchonete próxima. Assim sendo, quando a noite chegou, o professor seguiu o plano. Quando chegou à casa de Carlos o chamou pelo nome e bateu palma. Noah viu a luz da sala se apagar e a porta se abrir. Ao ver Laís seu coração disparou, afinal, ela estava linda vestida com uma simples blusa vermelha que ganhara no natal, calça jeans e um salto também vermelho. Seu corpo seguia os padrões de beleza, sua boca com batom vermelho entrava em contraste com a sua pele, algo que a tornava desejada por qualquer homem. Apenas o seu jeito de andar estava engraçado, já que havia anos que não usava saltos. Carlos, no entanto, estava com bermuda jeans, camiseta preta, tênis e com o seu inseparável óculos. Ao abrir o portão os olhares de Noah e Laís se encontraram. Ele, cordialmente, estendeu-lhe a mão para cumprimentá-la. Ela quando lhe deu a mão, surpreendeu-se quando o professor a beijou carinhosamente. Todavia, ao perceber que o menino os olhava, Roberto se abaixou e também deu um beijo no rosto do menino. Carlos em sua inocência olhou para a sua mãe e perguntou:

- Mãe por que você não chama o Tio Betinho para ser o meu pai? Ele gosta de mim e, também, gostou de você!

Laís ficou sem palavras, estava tímida assim como Noah.

- Você não queria ser o meu pai Tio? Se minha mãe deixar, 'você namora ela'?

A inocência de Carlos era eminente, contudo, o professor e a Laís não sabiam o que dizer, ambos sentiam-se apaixonados, entretanto, não sabiam se o outro partilhava do mesmo sentimento. O menino franzino olhava para os dois esperando uma resposta, mas ambos disfarçavam. Desse modo, Carlos pegou a mão dos dois e as aproximou até que ambos ficaram de mãos dadas. Roberto, apesar do constrangimento, estava gostando, pois o menino fazia tudo o que ele mesmo já queria ter feito, porém, que a falta de coragem não deixava. Laís partilhava do mesmo sentimento do professor até que o seu filho disse:

- Eu os declaro marido e mulher! - E olhando para Noah disse: “Pode beijar a noiva”.

O professor que estava vermelho ficou ainda mais tinto. Sua mão tremia e Laís podia sentir isso. Uma criança fez com que os adultos ficassem sem graça. Roberto percebeu que agora era um bom momento para dizer aquilo que sentira e estava sentido. E foi isso que ele fez. O professor segurou nas mãos dela e disse:

- Laís, eu pensei em você durante toda a semana, desde o primeiro dia que eu a vi eu já me apaixonei por você... Sabe esse negócio de amor à primeira vista? Eu não acreditava até ter 'te' conhecido. E se você deixar – riu - Como disse o Carlos, eu aceitaria me tornar como um pai para ele e para você... Bom, eu sei que fomos declarados como marido e mulher, contudo, eu não sei se posso beijar a noiva...

Laís ficou emocionada e pulou nos braços fortes de Noah. Beijaram-se longamente. Carlos pulava e gritava:

- Papai e mamãe! Agora eu tenho um novo pai!

Roberto pegou Carlos no colo, colocou-o entre ele e Laís e disse:

- Agora eu tenho um filho – Olhou para Laís- e uma linda esposa...

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Esse conto está contido no E-LIVRO "A Visão do Cego", disponível gratuitamente.

E Alyson Ribeiro
Enviado por E Alyson Ribeiro em 24/10/2016
Reeditado em 22/11/2016
Código do texto: T5802152
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