Uma simples solidão

O silêncio da sala estrondava em seus ouvidos. Não mais do que os leves barulhos que vinham do andar de cima.

“Poderia ir até lá”. Ele dizia. “Entrarei, fecharei a porta do quarto, conversaremos e tudo isso acabará”.

Ele levanta, caminha três passos em direção aos degraus da escada e para. Lembra-se da árdua discussão que tiveram momentos atrás, se irrita e pensa: “Mas ela é tão... Tão dramática! Não consegue enxergar além de suas próprias razões! Como pode me culpar se ...”

Ele fecha os olhos, respira lenta e profundamente.

“Não! Isso não vai adiantar, ela nem sequer abriria a porta do quarto.”

Então ele olha para cima. “Mas é o nosso quarto! É a nossa vida que ela está jogando fora por nada! Nada!”

Ele sobe um degrau, para e pensa novamente. “Não! Aquele beijo não foi um nada para ela...”

Outro barulho ecoa vindo do quarto. Cada segundo que passa se torna uma agonia para ele. “Ora! Mas eu sou homem! Aconteceu. Será que ela não pode entender isso?”

Ele fecha as mãos e acerta a parede como se estivesse atingindo um adversário em nocaute. Sente a dor intensa deste ato, recolhe as mãos e reclina a testa sobre elas. Retorna outra vez ao centro da sala, senta-se e diz para si mesmo em voz baixa: “Idiota! Idiota! Como pôde ser tão burro? Como pôde cair nessa?”

Fecha os olhos e pensa: “E como posso perder ela?”

Nesse instante, a cena do beijo volta a mente dele. Um raro e inconsequente momento de deslize interrompido pelos olhares lacrimejantes de sua esposa.

“Não!” Ele continua pensando. “Não posso perdê-la. Não vou admitir perdê-la! Simplesmente não posso perdê-la.”

A porta do quarto se abre. É ela. Ele olha para cima. E ela, não mais com aquele semblante dramático de antes, desce firme e decididamente pelos degraus da escada. Eles se encontram.

“Por favor!” Ele insiste. “Precisamos conversar. Você sabe que está exagerando com isso. Céus! Pelo amor de Deus! Foi só um beijo, será que...”

Ela o interrompe e diz: “Tudo bem! Eu não quero mais discutir.” E ao olhar fixamente nos olhos dele, deixa cair uma única lágrima dos seus enquanto diz: “Você quer que eu entenda que foi só um beijo? Tudo bem! Entenda agora que isto é apenas uma mala e um adeus.”

E foi assim que ele aprendeu, com o silêncio da casa e do barulho dos pensamentos dele, que um beijo pode não significar um simples desejo, assim como não significou para ele uma simples solidão.

Jaildes Ferreira
Enviado por Jaildes Ferreira em 04/10/2016
Reeditado em 18/01/2017
Código do texto: T5781188
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.