Tecelão De Sonhos

Plock, plock, plock...

...o som das gotas deixa-me inquieto, enquanto aguardo em minha cela fria e pouco iluminada.

Espero o momento final, escravo de um poder muito maior do que qualquer outro, o poder da morte... olho pela janela com grades de aço formando quadriculados e vejo o brilho da lua me iluminar, um raro momento de felicidade me inunda.

Lembro-me dos tempos áureos quando era um deus e tinha minha morada no mundo dos sonhos, onde era conhecido como Sonerôs o Tecelão de Sonhos.

Tecia e criava túnicas perfeitas de linho e seda etéreos cumprindo os desejos dos mortais... Fui um deus totalmente imparcial e justo, galgava o destino dos seres inferiores sem interferências respeitava as leis dos primeiros deuses.

Só que me apaixonei por um ser terrestre algo condenável no reino, os mandamentos eram claros quanto a este ato impróprio: ''nunca terás sentimentos pelos humanos'', até os deuses são sujeitos a punição por tal ato...

Ela era divina demais para um simples mortal, curvas simetricamente perfeitas para alguém vindo do barro, carisma e feições adoráveis, seria ela uma deusa perdida no mundo inferior?

Sendo assim comecei a tecer sua túnica em cores vivas e brilhosas dava toda atenção que tinha para ela, me dediquei totalmente a ser quem realizaria seus sonhos.

Claro que os outros tecelões perceberam meu vício profano aos olhos deles, eu não estava sendo justo moldando a realidade a favor dela, estava estagnado, cego. Um deus aprisionado a correntes devaneias

Certos pensadores terrenos classificam a paixão como loucura algo insano... Ouço a porta se abrir e os pensamentos me escapam...

Nherccccc!!!

... A velha porta enferrujada se abriu vagarosamente revelando figuras horrendas, agora a minha frente vejo dois carrascos divinos de pele reluzente, com roupas pretas, descalços, encapuzados e com máscaras de abutres.

Eles me pegam com extrema delicadeza e respeito, eu não consigo andar minha áurea jaz debilitada pelo processo de exautoração.

Me arrastam pelo corredor que parece infinito, alguns outros condenados batem nas grades das celas são outros deuses, divindades, semideuses e magos. Eles gritam xingamentos e desejam coisas boas, tudo ao mesmo tempo formando um aflituoso emaranhado de vozes ecoantes.

A sentença....

A luz da lua ilumina a fenda da saída para o abate, vejo uma silhueta que conheço bem... A Morte...

Vejo a morte, linda, pálida, graciosa, cabelos negros e ondulados e uma feição gentil e delicada, ela passa sua mão macia e suave sobre meu rosto tristido, seu toque é imperceptível e estranho, eu o sinto se decompor e vejo fragmentos dele no chão ela dá uma risadinha de canto, e pisca para mim de uma forma sarcástica.

Ela vira de costas e com o indicador movimenta-os para que os guardas a sigam, eles voltam a me arrastar pelo chão de granito gelado, eu sinto o fim se aproximando e apesar de tudo que fiz e por ter perdido meu lugar como um deus imortal, não tenho arrependimento algum apenas indagações constantes nos meu pensamentos confusos...

''Como amar é desrespeitoso, sofrer por algo que não está ao alcance e ainda perder tudo que já fui, eu era um deus!!! Deuses não morrem...''

"O que virá depois? Será realmente o fim, e não um sonho louco?” “Meu ser voltará a ser parte do cosmo'', assim penso tentando achar conforto em meio a cenários confusos.

Meu pescoço toca o pedestal de mármore, pelo reflexo de um espelho posto em minha frente vejo a lâmina prateada descer... A sentença cai sobre mim...

Pós Morte

Agora morto sinto-me dissipar e expandir para todos os lugares

Sim...nunca estive tão vivo...estou radiante... sinto que posso tudo... sinto tudo... estou em tudo...

Não se preocupe agora que me fui

Porque me tornei onisciente, fui para o além conhecer a maior das verdades da vida e mesmo sendo um deus sinto como se parte de minhas eras fossem vividas como um mortal, pois pensei como tal, vivi como eles e amei... e sofri também assim como muitos...

Um dia você entendera o que lhe digo hoje, e se tornará único como eu.

Fim

Matheus Lacerda
Enviado por Matheus Lacerda em 10/09/2016
Reeditado em 25/01/2019
Código do texto: T5756443
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