Ela descobrira. E não era de hoje. Ele andava rarefeito em sua comunicação, nada mais dizia pela Face book, nem mandava os bilhetes de antigamente ou telefonava às duas horas da manhã, quando seu Epaminondas estava dormindo.
Não, indiscutivelmente, não era mais o mesmo. Uma agonia constante. Ela ainda sentia por Miro tudo o que experimentara anteriormente, nos tempos dos grandes arroubos de amor, de ambos os lados. E muito mais. Seu desejo, agora também muito físico, pois bem aprendera a sentir, extravasar e saciar estas demandas de seu corpo fazia com que padecesse do chamado mal de amor nos menores detalhes, sem condições de resolver seus chamados.
Haviam se encontrado apenas quatro vezes, em um motel não muito longe dali e em sua casa, aonde ia para a cozinha feliz e realizada. E tudo isto, este tanto todo de amor, fora ensinado a Sheila pelo ardente temperamento amoroso do seu homem amado.
Ele tinha por ela, também naquele tempo, uma violenta admiração, dizia isto o tempo todo, enaltecia suas qualidades de mulher, demonstrava o quanto apreciava seus dotes culinários, seu porte bonito e feminino, com proporções tão adequadas aos seus carinhos masculinos.
Ambos, isto poderia sim, ser, afirmado, formavam um belo casal de pessoas apaixonadas.
Sheila se lembrava dele, apenas lembrava... e um prurido intenso e continuado tomava conta de seu corpo, arqueando-o de tal maneira que em certas ocasiões era difícil despistar quem estava perto.
Naquele tempo tão bom de amor, nem morava ainda com seu Epaminondas.
Mas depois, quando pouco já se viam, arranjou aquele emprego que lhe devolveu a tranquilidade financeira. Era bom, tinha casa, um quarto só seu comida boa e dispendia pouco esforço. Seu patrão era educado e bondoso.
Entretanto ela pensava em Miro nas horas mais inusitadas. Ás vezes servindo a comida de seu Epaminondas. Ou trocando suas fraldas agora necessárias. Um verdadeiro horror... No entanto, disfarçando. Escrava do seu desejo.
Quantas vezes o patrão a chamava, tarde da noite, para que arrumasse a coberta caída, frio intenso, de onde o escorregadio edredom de seda também ia para o chão. E lá vinha ela, do quarto ao lado, minúsculo e frio, erguer o cobertor, tecendo as pernas, ainda nos seus calafrios de amor quase difíceis de esconder.
Enquanto ela o ajeitava, fazendo um aconchego em suas costas com o cobertor macio e agradável ao corpo, por cima o leve edredom, silencioso, ele a observava, sem nada dizer
Seu Epaminondas estivera, até ha muito pouco, inteiro e saudável. Setenta e dois anos vividos de maneira comedida, comida correta, pouca bebida, hábitos saudáveis, faziam dele um homem de integridade física absolutamente normal.
Nos últimos quarenta dias, porém, precisara arranjar uma cuidadora.
A falecida mulher Nana, um tipo muito esquisito e irascível, briguenta por tudo, descendente de gente italiana, se fora há dois anos. Epaminondas vivia só. O único filho morava na Itália, lá constituíra família e não vinha ao Brasil há mais de dez anos.
Era também uma relação muito rasa, de pai para filho, quase inexistente. Talvez por culpa de Nana, pouco propensa a possibilitar amores à sua volta. Não ensinou o filho. Nem podia. Ninguém ensina a amar sem saber. Era isto!
Ficou só, o Epaminondas, tocando sua canoa, sem sentir muito a falta da mulher, que a vida toda fora prepotente e chata, o tipo que arranja encrenca por tudo, um temperamento muito difícil e pouco adaptável a qualquer outro. Viviam juntos sem amar-se.
Aparentemente, ela nem o respeitava. Ou nem ao menos o via, como ser humano. E ele, bem, ele há muito não sentia o nada que andara sentindo tanto tempo.
Ao contrário, desde então, sentia-se livre e propenso a sentires diferentes, a amares relativos às coisas até então não vivenciadas. Embora não exercesse totalmente tais liberdades...
Sonhava. Depois de morta a mulher passou a ver o colorido das flores, ouvia os passarinhos pela manhã, sorria para os vizinhos, para o homem do açougue, à menininha que ia á escola, passando pela frente do seu portão. E sorria, principalmente, para dentro de si. O melhor sorriso existente...
Surpreendia-se, sonhando, de olhos abertos quando, ali na pequenina varanda, onde, sistematicamente, aguava suas flores ha mais de quarenta anos. Um canto lindo da sua casa, que fora seu refúgio para escapar dos humores intempestivos de Nana e sonhar com alguma coisa que nunca soube o que seria. Na verdade ele sempre fora assim. Romântico, amador, sensível. Mas esteve tolhido por suas próprias reservas, o tempo todo. Passou a ter vergonha de viver seu eu frente à maneira de ser da mulher. Não poderia nem atribuir á Nana a culpa deste fato. Ninguém agrilhoa ninguém que não se deixe agrilhoar. Ele, somente ele, era o culpado. Sabia!
Porém, de repente, a satisfação de ser feliz do nada foi interrompida. Naquela manhã, sentado em sua poltrona preferida, admirava as flores da sua varanda, agora já refortalecidas pela aguada do dia. Como se agradecessem a ele. O mal estar veio aparentemente do nada. Sentiu aquela dor horrível e antes do que imaginasse ser possível fazer alguma coisa estava no chão, inerte. Ao cair, trouxe consigo a tolha da mesa onde estavam dispostos os seus vasos...
Todos os hospitais são horríveis. O dele também era. Mas a agonia em seu coração era muito grande. Nenhuma sequela do derrame impedia o fato de um inalterado raciocínio perfeito.
Quem sabe, melhor fora o contrário, não podia se impedir de pensar nisto.
Acabara de contratar a jovem. Ela era graciosa, simpática, atenciosa. Sentiu bem estar com sua presença. Como se fosse uma questão de pele pensou. Como era mesmo o nome? Ela dissera. Mas não guardou. Na segunda, quando ela viesse para ajuda-lo a ir para casa, saberia. Havia os documentos a assinar, o pagamento do hospital. Era muita coisa.
E muito mais difícil era a terrível dependência. Mas haveria de se acostumar. Não havia alternativa... Os dias iam se sucedendo. Sheila, este era o seu nome, era especial. Atenta a tudo, extrapolava no exercício de suas funções. Encarregou-se da casa, das flores, do jardim interno, do quintal externo, de manter tudo limpo, de modo geral.
Atendia o doente, que melhorava dia a dia, já ensaiando seus primeiros passos. Dia a dia se fortalecia. Era outro homem! O radio era ligado por ele próprio, quando com seu andador de boa qualidade chegava à sala.
Gostava de ir ali, depois do banho, sensação deliciosa de estar vivo e feliz. Observava Sheila colocando água em suas flores, que lindas eram as suas mãos pequenas segurando o regador.
Abanava as mãos, dali, prazeroso e simpático, quando a moça virava seu corpo de frente. A vida caminhava. Bonita e calma.
Sheila sofria muito, ainda, mas já haviam se passado três meses. Não conseguia, ainda, aceitar bem a ideia de que Miro a trocara pelo moço que trabalhava na Mercearia do Bom Peso. Isto era incrível! Mas como, era só um garoto, com uma mecha verde pintada bem na frente do cabelo, lado esquerdo. O direito, raspado.
Não conseguia, sequer, entender um homem gostar de homem. Como assim? Que era quem? Na verdade, não sabia...
Epaminondas já possuía total controle dos movimentos e da própria vida. Mas naquela noite, teve um pesadelo. Não lembrava sobre o quê. Por uma razão qualquer deu um grito.
Sheila, sobressaltada e prestativa.... aquele homem... devia-lhe tanto e era tanto em sua vida, saiu apressada de seu quarto. Nada sentia. Apenas acordara. Nenhum desejo, nenhum prurido como aqueles de então, na outras noites de seus desejos por Miro, agora morto em seu coração. Nada que o lembrasse dele. Preferiu o outro! Poisnque fosse assim...Um homem...Ela tinha brios!
Epaminondas, suado, deixa que Sheila o afague. Acaricia de leve o seu rosto...
Na manhã seguinte, o homem levanta de leve e com certa dificuldade da cama... Trás consigo a bandeja de café pronto e uma flor no copinho de plástico.
Quando os seus olhos acordam, a mulher, feliz, realizada, deslumbrada e de novo apaixonada, escuta da própria voz:
Eu só queria entender, sabe? Porque uma mecha verde pintada bem na frente do cabelo do lado esquerdo. E o direito, raspado? Eu só queria saber, Epaminondas! Você entende?
Não, indiscutivelmente, não era mais o mesmo. Uma agonia constante. Ela ainda sentia por Miro tudo o que experimentara anteriormente, nos tempos dos grandes arroubos de amor, de ambos os lados. E muito mais. Seu desejo, agora também muito físico, pois bem aprendera a sentir, extravasar e saciar estas demandas de seu corpo fazia com que padecesse do chamado mal de amor nos menores detalhes, sem condições de resolver seus chamados.
Haviam se encontrado apenas quatro vezes, em um motel não muito longe dali e em sua casa, aonde ia para a cozinha feliz e realizada. E tudo isto, este tanto todo de amor, fora ensinado a Sheila pelo ardente temperamento amoroso do seu homem amado.
Ele tinha por ela, também naquele tempo, uma violenta admiração, dizia isto o tempo todo, enaltecia suas qualidades de mulher, demonstrava o quanto apreciava seus dotes culinários, seu porte bonito e feminino, com proporções tão adequadas aos seus carinhos masculinos.
Ambos, isto poderia sim, ser, afirmado, formavam um belo casal de pessoas apaixonadas.
Sheila se lembrava dele, apenas lembrava... e um prurido intenso e continuado tomava conta de seu corpo, arqueando-o de tal maneira que em certas ocasiões era difícil despistar quem estava perto.
Naquele tempo tão bom de amor, nem morava ainda com seu Epaminondas.
Mas depois, quando pouco já se viam, arranjou aquele emprego que lhe devolveu a tranquilidade financeira. Era bom, tinha casa, um quarto só seu comida boa e dispendia pouco esforço. Seu patrão era educado e bondoso.
Entretanto ela pensava em Miro nas horas mais inusitadas. Ás vezes servindo a comida de seu Epaminondas. Ou trocando suas fraldas agora necessárias. Um verdadeiro horror... No entanto, disfarçando. Escrava do seu desejo.
Quantas vezes o patrão a chamava, tarde da noite, para que arrumasse a coberta caída, frio intenso, de onde o escorregadio edredom de seda também ia para o chão. E lá vinha ela, do quarto ao lado, minúsculo e frio, erguer o cobertor, tecendo as pernas, ainda nos seus calafrios de amor quase difíceis de esconder.
Enquanto ela o ajeitava, fazendo um aconchego em suas costas com o cobertor macio e agradável ao corpo, por cima o leve edredom, silencioso, ele a observava, sem nada dizer
Seu Epaminondas estivera, até ha muito pouco, inteiro e saudável. Setenta e dois anos vividos de maneira comedida, comida correta, pouca bebida, hábitos saudáveis, faziam dele um homem de integridade física absolutamente normal.
Nos últimos quarenta dias, porém, precisara arranjar uma cuidadora.
A falecida mulher Nana, um tipo muito esquisito e irascível, briguenta por tudo, descendente de gente italiana, se fora há dois anos. Epaminondas vivia só. O único filho morava na Itália, lá constituíra família e não vinha ao Brasil há mais de dez anos.
Era também uma relação muito rasa, de pai para filho, quase inexistente. Talvez por culpa de Nana, pouco propensa a possibilitar amores à sua volta. Não ensinou o filho. Nem podia. Ninguém ensina a amar sem saber. Era isto!
Ficou só, o Epaminondas, tocando sua canoa, sem sentir muito a falta da mulher, que a vida toda fora prepotente e chata, o tipo que arranja encrenca por tudo, um temperamento muito difícil e pouco adaptável a qualquer outro. Viviam juntos sem amar-se.
Aparentemente, ela nem o respeitava. Ou nem ao menos o via, como ser humano. E ele, bem, ele há muito não sentia o nada que andara sentindo tanto tempo.
Ao contrário, desde então, sentia-se livre e propenso a sentires diferentes, a amares relativos às coisas até então não vivenciadas. Embora não exercesse totalmente tais liberdades...
Sonhava. Depois de morta a mulher passou a ver o colorido das flores, ouvia os passarinhos pela manhã, sorria para os vizinhos, para o homem do açougue, à menininha que ia á escola, passando pela frente do seu portão. E sorria, principalmente, para dentro de si. O melhor sorriso existente...
Surpreendia-se, sonhando, de olhos abertos quando, ali na pequenina varanda, onde, sistematicamente, aguava suas flores ha mais de quarenta anos. Um canto lindo da sua casa, que fora seu refúgio para escapar dos humores intempestivos de Nana e sonhar com alguma coisa que nunca soube o que seria. Na verdade ele sempre fora assim. Romântico, amador, sensível. Mas esteve tolhido por suas próprias reservas, o tempo todo. Passou a ter vergonha de viver seu eu frente à maneira de ser da mulher. Não poderia nem atribuir á Nana a culpa deste fato. Ninguém agrilhoa ninguém que não se deixe agrilhoar. Ele, somente ele, era o culpado. Sabia!
Porém, de repente, a satisfação de ser feliz do nada foi interrompida. Naquela manhã, sentado em sua poltrona preferida, admirava as flores da sua varanda, agora já refortalecidas pela aguada do dia. Como se agradecessem a ele. O mal estar veio aparentemente do nada. Sentiu aquela dor horrível e antes do que imaginasse ser possível fazer alguma coisa estava no chão, inerte. Ao cair, trouxe consigo a tolha da mesa onde estavam dispostos os seus vasos...
Todos os hospitais são horríveis. O dele também era. Mas a agonia em seu coração era muito grande. Nenhuma sequela do derrame impedia o fato de um inalterado raciocínio perfeito.
Quem sabe, melhor fora o contrário, não podia se impedir de pensar nisto.
Acabara de contratar a jovem. Ela era graciosa, simpática, atenciosa. Sentiu bem estar com sua presença. Como se fosse uma questão de pele pensou. Como era mesmo o nome? Ela dissera. Mas não guardou. Na segunda, quando ela viesse para ajuda-lo a ir para casa, saberia. Havia os documentos a assinar, o pagamento do hospital. Era muita coisa.
E muito mais difícil era a terrível dependência. Mas haveria de se acostumar. Não havia alternativa... Os dias iam se sucedendo. Sheila, este era o seu nome, era especial. Atenta a tudo, extrapolava no exercício de suas funções. Encarregou-se da casa, das flores, do jardim interno, do quintal externo, de manter tudo limpo, de modo geral.
Atendia o doente, que melhorava dia a dia, já ensaiando seus primeiros passos. Dia a dia se fortalecia. Era outro homem! O radio era ligado por ele próprio, quando com seu andador de boa qualidade chegava à sala.
Gostava de ir ali, depois do banho, sensação deliciosa de estar vivo e feliz. Observava Sheila colocando água em suas flores, que lindas eram as suas mãos pequenas segurando o regador.
Abanava as mãos, dali, prazeroso e simpático, quando a moça virava seu corpo de frente. A vida caminhava. Bonita e calma.
Sheila sofria muito, ainda, mas já haviam se passado três meses. Não conseguia, ainda, aceitar bem a ideia de que Miro a trocara pelo moço que trabalhava na Mercearia do Bom Peso. Isto era incrível! Mas como, era só um garoto, com uma mecha verde pintada bem na frente do cabelo, lado esquerdo. O direito, raspado.
Não conseguia, sequer, entender um homem gostar de homem. Como assim? Que era quem? Na verdade, não sabia...
Epaminondas já possuía total controle dos movimentos e da própria vida. Mas naquela noite, teve um pesadelo. Não lembrava sobre o quê. Por uma razão qualquer deu um grito.
Sheila, sobressaltada e prestativa.... aquele homem... devia-lhe tanto e era tanto em sua vida, saiu apressada de seu quarto. Nada sentia. Apenas acordara. Nenhum desejo, nenhum prurido como aqueles de então, na outras noites de seus desejos por Miro, agora morto em seu coração. Nada que o lembrasse dele. Preferiu o outro! Poisnque fosse assim...Um homem...Ela tinha brios!
Epaminondas, suado, deixa que Sheila o afague. Acaricia de leve o seu rosto...
Na manhã seguinte, o homem levanta de leve e com certa dificuldade da cama... Trás consigo a bandeja de café pronto e uma flor no copinho de plástico.
Quando os seus olhos acordam, a mulher, feliz, realizada, deslumbrada e de novo apaixonada, escuta da própria voz:
Eu só queria entender, sabe? Porque uma mecha verde pintada bem na frente do cabelo do lado esquerdo. E o direito, raspado? Eu só queria saber, Epaminondas! Você entende?