Bólido da Saudade
Viveu muitos anos embarcando e apeando daquele trem...
A vida cinza que passava incisivamente pela janela, num dia abandonava o cárcere por acender a alegria da volta e com ela se coloria, e, em seguida, tornava em outro vento, regressando às tumbas da escravidão.
Foram tantas idas e vindas em que seu peito, molhado em prantos, mostrava um juramento a ser cumprido em outra era.
Afastava-se e se aproximava daquela incógnita vida naquele pendular ocioso, numa trajetória que marcava nó ante nó em sua garganta de sapo.
Foi numa daquelas noites, sacolejando em curvas e olhando a enésima chuva que acompanhava o féretro de seus sonhos que ele viu a lua, por uma fresta rápida entre as nuvens de chumbo.
Perguntou a si mesmo de onde vinha aquela clarão tão familiar e definitivo... Seria a consciência adicional da razão que nunca teve bem definida?
O bólido acelerou suas entranhas de máquina e desfez a pandora que por ter sido efêmera, nem seus efeitos mais básicos conseguiu produzir.
Mas , logo adiante, a lua teimosa se sacrificou entre as árvores da beira da estrada e se mostrou em prata como as lágrimas que acompanhavam seu destino de viajante.
Foi uma cena única. Parece que existiu apenas aquela lua. A reveladora , princesa a anunciar novo tempo. O estio se descortinava no céu escuro de seu entendimento. Voltava para casa? Quem soube?
De tempos em tempos essa lua vinha no agouro, iluminando o cepo que assiste a tortura das ruas. Caminhar sem a sombra de seu lume é a covardia se materializando no sofrimento imposto e injusto.
Mas, a dona desse mistério, numa sábia digestão de sonhos, fez seu currículo de mestra em tantas partes e iluminou palavras num caderno mágico. A bula que mistura o pó, que ao fim todos somos, e se recompôs de bailarina no céu, intimidando o sofrimento, tirando-lhe o aguilhão e dando asas ao mundo maravilhoso que estendeu ante os pés de seu escravo.
Tempestade !