BRINCANDO DE MÉDICA
 
Maria de Fatima Delfina de Moraes
 

     Um fato ocorrido hoje me fez retornar há, mais ou menos, quinze anos atrás.
 
     Um grande amigo foi internado no CTI com câncer generalizado.
 
     Não sei bem porque, mas apenas elevei o pensamento a Deus pedindo que Ele, em sua infinita sabedoria, decida qual o melhor caminho, conforme seja do merecimento do doente.
     Há quinze anos, estive quarenta e cinco dias no Hospital Mario Kraffer, acompanhando meu sogro que fora internado em estado adiantado de câncer.
 
     Lembro-me que só ia à casa uma manhã de sábado por semana, para abraçar meus três filhos, dos quais tinha imensas saudades.
     Estes quarenta e cinco dias, deixaram-me lições para uma vida inteira.
     Lembro-me que cheguei a ler uns duzentos livros. Não me perguntem quais ou o que diziam. Não sei responder.
 
     Lembro-me sim, que aquele era meu passatempo para não dormir a noite, ou para não ouvir o desespero dos parentes de pacientes que faleciam e até mesmo, para não ouvir gemidos e lamentos de dor nas madrugadas.
 
     Os sons do hospital, principalmente a noite, doeram muito mais em mim do que neles, pois queria muito poder fazer algo por aquelas pessoas.
 
     Em um dos passeios que fazia na hora do almoço, quando uma enfermeira vinha fazer companhia ao meu sogro, encontrei no pátio uma senhora e um menino de, mais ou menos, nove anos de idade.
     O menino, embora numa cadeira de rodas, sorria e parecia divertir-se muito.
 
     Olhei com atenção a cena: um menino franzino pela doença, já não tinha um dos braços e, segundo a senhora, havia quinze dias que ele havia operado um tumor no cérebro.
 
     Fui atraída até eles, pelas doces gargalhadas que davam, em meio ao caos ao nosso redor: adultos e crianças, levados a tomar um pouco de sol, carregavam suas tristezas e mutilações.
     Aproximei-me e disse ao menino que sorria:
     - Você é muito lindo e tem um sorriso muito gostoso.
     Olhou para mim e perguntou:
     - Tia, quer brincar de médico?
     Respondi:
     - Sim. E o que preciso fazer?
     Com um sorriso respondeu:
     - Você é a médica e tem que contar uma história divertida para eu acabar de comer.
 
     - A mamãe disse que se comer tudo nas refeições, não vou mais precisar tomar tantas injeções.
 
     Podia não ser médica do corpo, nem ter uma fórmula mágica para acabar com o sofrimento de tantos doentes.
 
     Naquele momento, entretanto, podia ser médica da alma, levando uma criança a sorrir, comer e livrar-se das temidas injeções de vitaminas, entre as tantas medicações necessárias.
 
     O menino companheiro do almoço teve alta, no dia em que eu não estava lá.
 
     Nunca mais o vi. E ele nem imagina o bem que me fez naqueles dias.

     Mesmo na dor, percebi que nem tudo está perdido.

 
Maria de Fatima Delfina de Moraes
Enviado por Maria de Fatima Delfina de Moraes em 05/09/2016
Reeditado em 05/09/2016
Código do texto: T5751628
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