O beijo de um estranho
O beijo de um estranho
Eu acordei muito cedo e quando saí para correr, estava um nevoeiro muito forte, a neblina era tão intensa que ficava impossível enxergar a dois metros de distância, mesmo assim saí para correr.
O sereno estava tão forte que chegava a assustar, pois trazia uma situação que levava a uma sensação constante de perigo, porém também tinha uma beleza incomum, parecendo estar num sonho oculto, numa privacidade total onde ninguém invadiria com olhares, pensamentos ou julgamentos.
Comecei a fazer aquecimento antes de correr e escutei passos correndo em minha direção, então mantive silêncio para não ser visto. Ao se aproximar, eu percebi que era uma garota correndo na cortina de névoa, que como um vulto se aproximou, parando bem próxima a mim.
Silenciosamente me aproximei dela, tapei os seus olhos e percebi ela tremer de medo, então falei:
- Fique tranquila! Eu não farei nada de mal para você, apenas te darei um beijo estranho nesse mundo estranho, um beijo do estranho da neblina.
Ela tremia de medo. Eu me aproximei da sua boca tremula, amedrontada e fria, mesmo assustada eu a beijei rapidamente, depois perguntei:
- Vamos correr menina estranha da neblina?
Saí correndo e ela virou rapidamente vendo o meu vulto desaparecendo em meio à neblina forte e ela saiu correndo atrás de mim.
Naquele nevoeiro forte, eu escutava os passos dela correndo ao meu lado, querendo a minha companhia, se aproximando e se sentindo segura ao meu lado.
Nós corríamos cadenciados, mas não conseguíamos ver o outro claramente. Conseguíamos ver apenas um vulto correndo ao lado e escutávamos o som das passadas fortes no asfalto frio. Éramos dois estranhos correndo juntos no meio da névoa úmida, mas querendo o calor humano do outro, mesmo que distante.
O som de cada passada soava como uma palavra em nossos ouvidos e soava como uma canção de fundo em um sonho vivido em meio à neblina, que nos levava como pássaros voando no meio das nuvens.
De repente ouvi mais passos, havia mais uma pessoa correndo no meio do nevoeiro, nosso sonho estava sendo invadido, havia um intruso no caminho e o silêncio calou os passos dela, pois eu ouvia apenas os meus passos. Então parei e resolvi voltar para entender o que acontecera, mesmo não conseguindo enxergar, voltei.
Eu voltei calmamente em passos cautelosos tentando encontrá-la, mas não consegui, talvez ela tenha mudado de direção e caminhado em outro rumo, pois voltei até o ponto de partida e não encontrei mais sinal dela.
Será que tudo isso realmente aconteceu ou foi um sonho no meio da neblina, mas se aconteceu eu fico pensando:
“No meio da neblina forte ela recebeu um beijo, mas não conseguiu ver o rosto estranho que a beijou, só sabe que gostou, pois foi um beijo estranho como nunca havia beijado, foi um beijo de um estranho que trouxe uma sensação estranha e a partir desse beijo, ela também se tornou uma estranha no meio da neblina forte”.
Eu continuei correndo no meio da neblina até amanhecer na esperança de encontrá-la. O sol apareceu e levou a neblina embora tirando as minhas esperanças de encontrá-la. Clareou o dia e agora enxergo nitidamente, mas quando penso nela, apenas lembro-me de uma estranha correndo em meio a um nevoeiro muito forte e sinto um gosto estranho na boca.
Sinto o gosto do beijo estranho dela.
Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de Vaga-Lumes
Iluminando Pensamentos