A genitália da alma
Um olha para o outro e, fulminantemente, suas almas se fundem num movimento harmônico e intenso. Ele a vê como solução para seus problemas, ela o vê como um príncipe tamanha a beleza diante dos olhos. Era uma tarde de calor, o sol quente do Nordeste brasileiro abrasava as almas e os corações de todos como de costume. Ela, de vestido estampado com as figuras que compõem os naipes do baralho, e ele, coincidentemente, com um short xadrez nas mesmas cores preto, branco e vermelho.
Olharam-se, observaram a coincidência das cores de suas roupas, e ele, tímido que era, sente seu rosto rubro. Ela, menos acanhada, toma a iniciativa. Mal sabia ela que, daquele momento em diante, estava fadada a tomar a iniciativa sempre.
- Você por aqui?! - arriscou ela - ansiosa por uma resposta que pudesse dar sustentação a um diálogo. Ele, ainda rubro, gagueja algumas palavras que ela desatenta nem entende direito, e continua:
- Está de férias já?
-Não, volto domingo. Férias só ao final do ano! Responde ele. E sai em direção ao carro que havia deixado no outro lado da rua.
Ela não gostou do que ouviu nem do que viu: tudo... menos a ideia de perdê-lo de vista novamente! Já haviam se visto algumas raras vezes antes, mas não de tão perto assim. Ele era realmente lindo!Bem que as amigas já haviam lhe dito! Ela tenta ocupar o vácuo que se formou com a saída dele, preencher aquele espaço, enfim, arrumar uma forma de contê-lo, de impedi-lo de sair, porém não consegue e sente-se atônita e impotente ao mesmo tempo.
Ele entra no carro e sai, aparentemente, apressado e decidido. Parecia convicto de que era isso o que mais desejava naquele instante, mas não a convence: de onde ela está, percebe que ele o faz apenas por timidez. Como não conseguiu criar um pretexto que garantisse a sua permanência ali por mais tempo, sentiu-se obrigado a sair e dar algumas voltas pela cidade para preencher seu tempo vago. Ela ainda o acompanhou com os olhos até perdê-lo de vista, disfarçando para si mesma o interesse pelo rapaz.
No próximo encontro, as coisas já fluíram como se fossem velhos conhecidos. Olharam-se com um olhar tão invasivo que as genitálias de suas almas é que ficaram rubras. E alma tem genitália?_ perguntaram-se, em pensamento, rapidamente, e ao mesmo tempo. Deve ter, respondeu ele de si para si, porque a genitália da minha alma ao vê-la destila hormônios e desejos insaciáveis. Ela, por sua vez, pensou de si para si mesma numa subjetividade que aflorou à pele, alma tem genitália, sim! É com a genitália da minha alma que o desejo ardente e euforicamente sempre que o encontro.
Nos próximos encontros, os pensamentos, as genitálias e os corpos foram vencidos pelo desejo ardente, pela atração física, pelo calor do momento e pela emoção que tomou conta dessas duas almas. Entregaram-se ao deleite, expulsaram a razão de suas almas. Alma feliz não tem razão!
A união dos dois não demorou a acontecer. Ela lhe dando a segurança de que precisava, e ele lhe dando a atenção e o carinho que nunca tivera. Foram anos e anos de cumplicidade de alma, graças às genitálias de ambas as almas. (Ou às almas das genitálias?! Não sei. Ninguém sabe ao certo). Mas uma coisa é certa: toda alma tem genitália! (Ou é toda genitália que tem alma?!) Ah...isso não importa! O que importa é que as genitálias dessas duas almas se satisfizeram uma à outra, enquanto possível, num orgasmo infindo e duradouro. O tempo passou rapidamente. Muito mais rápido do que se desejou.
A cabeça branca de ambos, o olhar perdido e já sem o mesmo brilho de antes, a voz trêmula e meio embargada pela emoção, o peso da sabedoria a arquear-lhes as costas e a impassibilidade diante da vida denunciam o aniquilamento total das almas dessas genitálias! Ou das genitálias dessas almas! Não sei, não sei ao certo! Uma coisa é certa: restam-lhes o amor e o respeito conquistados nos embates travados por suas almas.