Proposta em Vias de Fato 27- A Viagem(continuação)
Percebe-se a mesma sintonia. As falas de Joseph C. e dos outros que experimentaram da coragem de esbulhar a miscelânea que o homem provocou tentando alcançar a origem. Tecer a realidade do próprio destino é assunto de cada um, a arquitetura é a que define se a obra esta bela para o proprietário da obra; mesmo que a matéria prima e sua execução dependa da parceria de terceiros para realização.
A rosa para ser bela, aprazível aos olhos, isso após o processo que envolve: a semeadura, a germinação, o crescimento, e por fim o fazer de si em flor, dependeu do “Todo” para isso acontecer, mas se não tivesse ditado o desenho que queria para ser, isso não aconteceria.
Lídia sentada àquela mesa tinha sua vida passada como filme. Qual vida? Aquela! vivida no papel de engenheira, mulher solitária, que vivia vítima do reflexo de si no amado, que saiu abruptamente da sua vida para não voltar mais. Mas ali estava como observadora disso tudo, tanto que não se preocupou flertar com nenhum homem. Recomeço? Mais uma vez? Não! Seria como reincidência em crime cuja culpabilidade não poderia se perdoar. No direito criminal seria caso de conduta inescusável(sem chance de desculpa), caso fosse esta conduta tipificada como crime, aventurar-se no amor sem assumir os riscos desta empreitada; sabia do potencial a que expunha, sofrer por amor era caso de escassez de defesa à incolumidade individual.Pensou. Farol baixo era o que ditava a sabedoria.
Mas não ficou livre mais uma vez do confronto do destino e sua escolha naquele momento. Tinha terminado de deglutir uma pequena porção de Gaspacho. Terminando de limpar os excessos dos lábios com guardanapo, alocando-o ao colo, sentiu uma mão tocar seu ombro. Olhou para o alto, era um homem de tamanho médio, moreno, cabelos grisalhos e olhar definido. Assustou. Disse:
_____Olá! Boa noite. Daria o privilégio de uma dança comigo!
Lídia para não perder a postura e espírito cordial que sempre teve, aceitou acenando com a cabeça. Seus trinta e poucos anos havia ao menos tornado-a perita de presumir a possível personalidade que um homem tinha quando da primeira apresentação. E este sem dúvida sabia onde queria chegar e qual chão pisava. Quando Lídia encontrou seus olhos com o dele não teve tempo de situar-se para não perder na dialética que se estabeleceria, o homem chegou primeiro, tanto que tornou parte dominada da situação, não negou o convite. Foram para pista de dança. O guitarrista tinha tomado lugar em um dos banquinhos que circundavam a pequena pista, dedilhava os primeiros arranjos da música espanhola, “Lago dos Cisnes”.
Ela não podia deixar “ a peteca cair”, ao menos na dança chamaria à liderança a situação, iniciando os passos. Ele, de caso pensado, vendo a ousadia de Lídia, resolveu sentar ao lado do guitarrista para assistir o espetáculo. Lídia não viu mais nada, misturou em seu ser a consciência masculina-feminina que a dança irradia, aos finais das etapas finalizava na expressão dos braços, mãos, pescoço e cabeça, o veneno dos encantos femininos que chegava querer ser vistos além do corpo dela. Encantou.
Terminada a dança, Lídia abriu os olhos e sentiu a resposta calorosa dos presentes aplaudindo a apresentação. Olhou para a direção do guitarrista, junto dele estava o homem com a mão no queixo, sentado de pernas cruzadas numa serenidade suspeita; a tranqüilidade que queria transmitir não disfarçou para Lídia a impressão indiscutível que havia acabado de ser fisgado por ela.
Saiu de onde estava, sem desviar o olhar de Lídia ofereceu a mão esquerda passando conduzi-la até o “hall” que dava acesso a outro ambiente do restaurante, sala privada que havia na parte interior do prédio. Disse, envolvendo com certa força a cintura da moça enquanto caminhava:
____Você não me escapa. Meus quarenta e oito anos me deixaram esperando muito para isto que está acontecendo hoje. Onde estava? Quem é você? A partir de hoje será minha, e mais de ninguém.
Lídia manteve a discrição, pelo menos ela, todos notaram a mudança de postura do aniversariante, expressava sorriso discreto com ele falando esses absurdos. Chegando no hall intencionado por ele, não havia ninguém ali. Ele, que vestia um terno Givenchy, preto, sapatos Diamond, não tornava-o mais belo que aquilo que a roupa e sapato tentava otimizar. Era de uma beleza branco-dourada, não somente pelo que apresentava em músculos, pele, cabelo, olhos, boca, nariz e agregados. Mas pelo ser que dava vida a isso tudo. Passou falar a Lídia numa naturalidade que assustava:
____Me chamo Cortez. E você?
Lídia sorriu sem receio de escancarar os dentes até quase ao final dos extremos das arcadas, respondendo:
____Lídia. Não acha que está indo longe numa estrada que nem existe?
Imediatamente Cortez devolveu a resposta com outra que soou inesperada para Lídia.
___Quem diz que me preocupo com o que você pensa, é, ou espera de mim? Lido na minha vida com o ímpeto e a vontade, até hoje deu certo. Com você não será diferente, não houve mulher nesta vida que arrancasse de mim a capacidade da iniciativa como esta, não perderei a oportunidade, e criarei caminhos para que isto aconteça, nem que for para depois de tudo, você dizer não.
Lídia abaixou imediatamente os olhos que estavam inseridos dentro dos deles por puro capricho daquele homem que definitivamente foi maior que ela em vontade. Para desviar um pouco desta conversa nada informal, perguntou:
____O que faz aqui, veio festejar o aniversário do amigo?(ainda não tinham anunciado que era ele o aniversariante). Respondeu:
___Sou o aniversariante, vim da Espanha há três anos, a sede da empresa de construção civil que integro, é de lá, estou na função de diretor administrativo. Foi ideia do pessoal da subgerência de materiais elétricos, vim para agradá-los. Não sou de festa. Vivo sozinho em um duplex na região central da cidade, nas horas vagas trabalho, trabalho, trabalho. Sorriu. Continuou:
____Afinal, é o dinheiro que move o mundo, se é assim, é preciso virar amigo dele, íntimo, conhecer seus truques, manhas, senão o lucro não vem. Sabe como é...Vivo disso, se é que o amor não vinha...
Lídia reagiu retaliando:
___Que ironia! Também trabalho como engenheira, sócia de uma empresa de construção civil aqui na cidade. Mas nem por isso trabalho nas folgas, intimidade demais com dinheiro faz do homem joguete das possibilidades possíveis de posse, daí se perde. E olha que conheci o amor um dia...
Ele puxou Lídia para a sala que tinha ao lado e daí sem compostura passou beijá-la enlouquecidamente. Descabelou-a , deixando escapar até o laço turquesa que amarrava seus cabelos, caindo no outro canto da sala privativa, deslizava suas mãos pelo corpo dela freneticamente, sem pudor. Não restou nada no lugar, no rosto de Lídia não sabia o que fora maquiagem da boca, das maças do rosto, e dos olhos. Perdeu a força dos braços e pernas, teve que sentar. Ele ria baixinho e acarinhava-a, abraçados ao sofá. Sentiu aconchego, paz, o maldito conforto de ter sido vista, achada, querida sem esforço por homem que a via naturalmente. Imediatamente lembrou dos riscos da armadilha que as emoções de felicidade no afeto correspondido expõe, levantou, foi para o banheiro. Precisaria ao menos tirar a maquiagem.