Proposta em vias de Fato 21- A viagem(continuação)
Saiu cambaleando, olhando para trás, queria ficar ali, o lugar era sagrado, pensou...andando não cabia em seus olhos o luxo e mistério por onde passava, o suficiente para manter nutrido o prazer da admiração.
Oziel adiantou um pouco e abriu uma porta dourada sem o reluzo do ouro, com maçaneta em marfim, acenou para Lídia entrar, definitivamente sentiu-se princesa, rainha, ou seja lá o que for, o lugar era majestoso, tudo comunicava suntuosidade deliberada, paredes em tecido, floridas em tons verde água e dourado, lustres em gotinhas de cristais formavam um imenso arranjo de flores que uma em uma reluziam pequenas centelhas de luz ao ambiente. A cama, toda recheada de almofadas acetinadas, e o creme nos pequenos detalhes; a parede da cabeceira da cama estava pendurado quadro em moldura dourada pintado à óleo, uma mulher como as orientais do nosso mundo, muito bem maquiada, olhando fixamente para o lado da porta, irradiando feminilidade, olhos negros, pele clara, com longa trança negra caída em seu busto, levava uma rosa vermelha na orelha, o tom negro de fundo da tela dava a impressão que tinha acabado de chegar do nada e guardava o quarto como deusa-guardiã.
Lídia teve uma pontinha de receio quando olhou o quadro, logo retomou a postura. Oziel disse:
___Lídia, aqui no planeta não temos abundância de água como no seu mundo, assim, conseguimos desenvolver tecnologia suficiente para higienizarmo-nos sem água, com resultado até superior como se tivéssemos banhado, venha aqui.
Lídia assustou, será que teria que tirar a roupa na frente do moço? Entrar em algum tubo? Foi, entrou num lugar que podia dizer que era qualquer lugar, menos banheiro. Estranho, cheio de furos nas paredes do cômodo, no teto, espanadores parecidos com esses de lava - rápido em posto de gasolina, contudo, eram pêlos parecidos com os fios tirados do bicho da seda, o ambiente tinha cheiro delicioso, perfume nunca sentido, lembrava à distância mistura de cravo, rosas, e óleos orientais.`
Entrou, logo a porta atrás de si fechou acendendo luzes como aquelas de pista de dança no ambiente, parecia clima de festa, pensou:”vamos lá! o que querem fazer comigo, preciso tomar banho, morrer não é o caso!”. Lídia ria como nunca, tirou a roupa, interessante que não sentia o peso da roupa, abriu os braços e tudo começou vibrar, como máquina de lavar roupa centrifugando. Ela sentia como astronauta levitando no interior do foguete, tudo à seco, os espanadores desciam e subiam envolvendo seu corpo silenciosamente, provocava cócegas, não ouvia barulho, somente vibração, saiam umas escovinhas com maciez de contato que percorria cada canto do corpo, mesmo aqueles orifícios diminutos que temos, não ficando nenhum cantinho sem ser vasculhado.
Durou pouco tempo, abriu os olhos, tocou a pele, cabelo, rosto, passou sentir hidratação fantástica, e o cheiro! sentindo com a pele macia, limpa, hidratada, cheirando flores....L´Occitane ficou “no chão” perto da fragrância sentida. Pensou: “e as partes íntimas? pés...não sabe como, conferiu, estava tudo limpo. Saiu de lá renovada, havia uma moça arrumando a cama que ia dormir, que sinistro, aquilo não era cama sim tubo de ensaio gigante, como o caixão da cinderela, todo em vidro.
A moça não sorriu, tinha as sobrancelhas grossas, todas espetadinhas, como que embaraçadas, roupa cinza, botas beges, não movimentou o pescoço e nem dirigiu um olá. Lídia estranhou, sem olhar para trás , disse:
___O chefe mandou arrumar seu quarto e trazer esta peça de roupa aqui, irão sair.
Lídia olhou na direção que a moça apontou, viu estendida num cabide uma roupa estranha mas bonita aos olhos, era calça com blusa de corte fino, verdes claras. Pegou a vestimenta e voltou para o dito banheiro para troca.
O lugar não era o mesmo, tinha paredes todas em azulejos espelhados, sem nenhum rastro de esponja, cheiro de perfume, furos ou coisa parecida. Lídia se via por todos os lados, eram miniaturas de si que multiplicavam em centenas delas, intimidou-se com aquilo, mas vencida pela pressa, trocou a roupa e saiu, surpreendentemente serviu como se tivesse tirado medições para feitura. Soltou seus cabelos, negros como noite sem lua, viu no canto do quarto um par de sapatos, pensou:
___São meus, com certeza! Experimentou... e pronto... serviram perfeitamente, que delícia, macios, permitia a leveza do corpo nos passos dados. Saiu sem ver um rastro de gente no caminho, somente o som das flores nos vasos que ecoavam de todos os cantos da casa, cada um num ritmo, mas no conjunto resumia numa música aprazível aos ouvidos; sentia Lídia com este alimento surreal para alma o ímpeto da vontade de continuar estar ali, esqueceu o medo de estar só em mundo estranho.
Saiu como criança indo para festa, passou novamente em frente ao cômodo que poderia ser o biblioteca, aquele que viu tocha violeta saindo de um cálice gigante, olhou para dentro, a porta estava entreaberta, a imagem era a mesma, ousou entrar, empurrou a grande porta, o assoalho estralou junto com o barulho do movimento do abrir da porta, entrou e não tinha como escapar, um velho, com túnica branca, mangas largas, o mesmo do início, estava segurando em uma das mãos um papel duro em uma prancheta na forma de uma concha marinha, o outro apontava para a tocha vivificando o fogo violeta.
Ficou emudecida em frente à porta, o ancião continuou naquilo que fazia, na medida em que mantinha uma das mãos apontadas para a tocha violeta, lia o papel em voz balbuciada, como prece, ficou assim alguns segundos. Logo, deixaria a prancheta dentro de uma maleta que abriu a chaves, passaria por Lídia e seguiria para o corredor, não seria visto mais por ela.
A expressão daquele senhor longevo quando encarou-a ao cruzar naquele ambiente, seria um dos poucos sinais de sonho que ficaria na memória de Lídia. Era uma mensagem subliminar:
“Não direi o que sabes, esquecido fora por Ti pela liberdade usada na eternidade. Seguir é o caminho da volta. Não esmoreça, o depurar do denso vem pela desistência de mantê-lo no patamar do real, apesar de necessitar viver como se fosse. Chegará no destino, estado de repouso, vida, realidade que vive refém da própria sombra pronta para ser revelada na câmara do seu coração, e aí apropriada. Resgatada à partir da titularidade que sempre lhe pertenceu, desde antes do tempo-espaço “Não-ser”. “És”.