ETERNO BREVE MOMENTO

PARTE II
Esse meu filosofar de guaxima ainda me levará a ser um gênio do tipo Espinoza, Schopenhauer, ou então a ser mais um habitante do sanatório. Certo, eu não sou mais que um cidadão comum, anônimo na multidão, banal, que fica preso dentro das obrigações cotidianas. Acordar, escovar os dentes, café da manhã e assim vai até dormir. Eu penso, fico tenso, eu tenho meu filosofar, guaximamente.
Meu último beijo, na boca, pra valer, foi em Magali. É outra Magali. Não aquela que me pediu um tempo. Eu não dei e tudo terminou. Esse beijo foi a mais de um mês.
A matriz está bem decorada. Se a burguesia não aceita a interpretação revolucionária da Bíblia e o espírito de compromisso social do cristianismo, ao menos contribui para enfeitar com seu eterno bom mau-gosto os nossos templos de Jerusalém.
Críticas à parte, o fato é que as irmãs de caridade vão ser recebidas pela nossa aburguesada comunidade paroquial.
Elas são três: Irmã Glória, supervisora da casa recém-fundada em Mutum, ar sério e autoritário; Irmã Consolação, a mais idosa, parece ser uma pessoa resignada; Irmã Cristiny, a mais nova, rosto cálido e postura cauta. Belo trio.
Fiquei sabendo no dia seguinte que as três irmãs de hábito branco vão atuar em várias frentes pastorais. Irmã Cristiny, a cauta, vai nos ajudar na Pastoral da Juventude.
“Bem-vinda, Irmã Cristiny!”. Um coro uníssono na sua apresentação ao grupo de jovem. “Essa me parece ser das nossas”, Filosofei intimamente com os meus... bem, com a estampa da minha camisa que lembra o DNJ (Dia Nacional da Juventude) do ano passado.
Sua apresentação somente confirmou o que nós esperávamos. Pelo menos eu. Não sei por que. Escondi meus tênis sujos jogando-os para debaixo da cadeira quando notei que Irmã Cristiny olhava para eles.
Ela ficou esperando que eu me apresentasse. Desmanchei o embaraço inicial e uma salada de palavras foi se desembuchando de dentro da minha boca. Ela me ouvia atentamente, parecia encantada com o que eu falei.
Neste dia conheci formalmente Irmã Cristiny. Ela é natural de Caputira, cidade relativamente perto. De lá conheço Áurea. Sua tez cálida traz dois verdes olhares e um sorriso puro. Angelical.
Voltei para minha casa com a fisionomia de Irmã Cristiny na cabeça. Linda, bela, cauta, menina-moça.
Todo dia reunião. Quase todo dia vejo irmã Cristiny.
Aonde vou achar uma calça jeans para vestir? Onde estão os meus sapatos? Já sei. Depois de uma farejada, localizei-os debaixo da penteadeira. Minha mãe deveria colocar as roupas no guarda roupa assim que ela terminasse de passar.
Ah! Também por que tanta pressa? Hoje não tem reunião. Até que enfim. Bem, eu poderia estar saindo para paquerar, mas estou sozinho. Eu poderia ficar em casa e ver televisão, mas já me desacostumei da TV. Nem se qual a programação de hoje. Vou sair por sair. Hoje estou calmo. Vou procurar uma calça, como sempre, sobre a cama, e como sempre, amarrotada.
Calmo estou, mas ouvi palmas suavemente agressivas. Ouvi alguém chamando:
_Fausto!
Fechei rapidamente o zíper e sai tropeçando na bainha da calça.
_Irmã Cristiny? Entre.
Ela entrou, sentou-se no sofá, começou a conversar comigo e eu com os olhos verdes dela.
Ameacei de ir colocar uma camisa. Ela me segurou pelo braço e disse que não tinha importância. Foi aí que notei que estávamos a sós. Eu e ela e minha casa.
Vieram em minha cabeça maus pensamentos. Deu em mim uma louca vontade de beijar seus lábios, abraçá-la apertadamente. Sentei bem próximo ao eu hábito branco, bem alvo. Senti o seu cheiro de mulher.
Irmã Cristiny parece ter notado nos meus olhos o desejo de tê-la. Tocou em assuntos variados com certa cautela. Mas algo me dizia que ela não era tão cauta assim.
Arranjou uma desculpa e levantou-se para ir embora.
_Cedo, Irmã.
_Não, Fausto. Não posso demorar. Só vim mesmo fazer uma visita de beija-flor. Arrematou ela harmoniosamente.
_Então, finge que sou uma flor e me beija. Quase falei, mas deu para segurar.
_Até mais, Fausto.
_Então até, Irmã.
Um beijo na bochecha, outro na outra bochecha, e no terceiro, num eterno breve momento, nossos lábios se tocaram.
Irmã Cristiny se foi. Fiquei com a dúvida. O beijo nos lábios, fruto da minha intenção, teria sido também da intenção dela?
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 07/08/2016
Reeditado em 08/08/2016
Código do texto: T5721913
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