O CÁRCERE DO CIÚME
O CÁRCERE DO CIÚME
por E. Alyson Ribeiro
Hoje sou velho, entretanto, já fui moço um dia. Minha juventude foi bela e tão jovial quanto um leão quando parte em caçada. Amei várias mulheres, bebi vários drinks, joguei cartas, fiz amigos e ainda consigo rir dos momentos na pescaria. Fui um homem belo, vestia-me muito bem, sempre que comprava um terno novo logo o levava para o Tino, o artesão da cidade, para que o ajustasse em meu corpo. Das senhoritas que me fizeram companhia, apenas uma amei verdadeiramente ao ponto de pedi-la em casamento, as outras, contudo, sentia-me bem junto delas apenas por uma noite. Não me julguem, pois estou sendo sincero; apenas a Glória foi a minha musa, contudo, por minha ignorância, meus ciúmes não possui a glória em meu único casamento.
Em 1970 eu trabalhava na Fazenda Porto Saudade no interior paranaense. O dono daquelas terras era o Jeremias Forte. Para ele colhia algodão e com alguns trocados que dele recebia, eu os gastavam nos bailes da cidade. Certo dia, quando o galo ainda dormia, estava chegando à fazenda quando vi, pela janela da cozinha, a Glória, a filha do meu patrão, fazendo o seu perfumado café. Ela era alta, possuía cabelos pretos, pele morena e rosto delicado. Eu a observei por alguns minutos e tive vontade de ir falar com ela, mas o medo me impediu de imediato. Respirei por alguns minutos e parti em direção à cozinha. Estava com a cabeça baixa, cada passo fazia o meu coração bater mais forte, até podia ouvi-lo. Quando me aproximei da janela e levantei a minha cabeça, fui surpreendido e me assustei, visto que a minha musa estava me olhando. Fiquei tenso e em minha camiseta já podia ser notado o suor do meu corpo, apesar da temperatura agradável. Ela sorriu e me ofereceu uma xícara de café. Não sabia qual a atitude correta a ser tomada, afinal, seria mais educado recusar ou aceitar? Por impulso aceitei. O seu jeito de menina e seus pensamentos adultos me acorrentaram ali naquela cozinha. Tive vontade de que o tempo parasse, mas no horizonte, muito além da plantação vi a tímida luz do sol me dizendo que o dia estava chegando. Fiquei triste, afinal queria ficar ali, contudo, fui para a roça.
Os anos se passaram e a vida me possibilitou o casamento com Glória. Tivemos uma filha e a chamamos de Vitória. O meu falecido sogro nos havia presenteado com um quarto de suas terras. Agora, portanto, possuíamos condições para sermos uma família feliz. E de certo modo fomos... Até um dia tudo mudou. Chegou ali na fazenda o peão Marcos. Nunca gostei dele! Apesar de nunca ter me dado motivos para eu possuir tal atitude. Glória sempre tratou muito bem os funcionários do seu pai, mas eu não gostava dessa atitude. Sentia ciúmes, raiva e queria matar o homem que conversasse com ela. Essa cólera aumentou quando Jeremias morreu, afinal, cabia a ela, filha única e já órfã da mãe desde os 10 anos, administrar a fazenda. Sempre tive certeza que aqueles caras só queriam conversar com ela para imaginar o seu corpo sob o seu vestido.
Mas foi Marcos quem recebeu as injustiças dos meus sentimentos. Certo dia de outono, Glória e Vitória estavam passeando de charrete pela fazenda. Era visível no rosto da minha filha a alegria por sentir os ventos em seu rosto. Ambas riam muito. Sempre que passavam próximo do barracão das máquinas, onde eu geralmente ficava, gritavam por mim até me verem... As duas sentiam o desejo de que eu as visse para que pudessem mandar beijos para mim. Como era gostoso. Que saudade eu senti agora... Mas o inesperado aconteceu. Um coelho passou na frente do cavalo e o animal ficou descontrolado e começou o correr em direção à cerca. Não sei ao certo o que houve, pois não o vi. Lembro-me apenas de ouvir um dos nossos funcionários gritando por mim dizendo que Glória e Vitória sofreram um acidente. Segui o meu funcionário até o local. E foi ali que encontrei Marcos segurando com os seus braços a minha esposa e ao seu lado vi minha filha toda arranhada, porém, de pé e andando junto com ele. Ah, hoje sei que ele teve uma atitude nobre, no entanto, parti em sua direção tomei minha esposa nos meus braços, deitei-a no chão e peguei a pistola que estava em meu bolso e sem remorso o matei. Lembro-me de ter dito em voz alta: “Seu desgraçado, estava querendo aproveitar de minha esposa!”. Minha raiva desapareceu quando minha filha começou a chorar e a dizer: “Papai ele me salvou, antes da mamãe cair ele me tirou da charrete”. Foi nesse momento que percebi que eu era um monstro. Aos poucos foram chegando mais gente. Pedi para alguém chamar a polícia e a ambulância. Estava sem rumo.
Minha esposa morreu e minha filha teve que ser criada por meus pais, pois ainda estou preso. E hoje, 20 anos depois, eu Leonardo Leão, estou aqui neste Tribunal, ironicamente diante da Doutora e Juíza Vitória Forte Leão, filha da falecida Glória Forte Leão, para saber se serei solto ou continuarei na prisão. Seja qual for a sua decisão, Doutora, por favor, continue me visitando na prisão, pois o seu velho pai sente sua falta todos os dias. Por favor, sei que não é interessante e saudável, mas eu também gostaria de ver o Leonardo Leão Neto, a saber, o meu neto, pois ele me faz lembrar dos cabelos pretos e do rosto angelical de sua mãe. Contudo, seja qual for a sua decisão, que seja a mais justa. Doutora, qual será o meu futuro?
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Conto retirado da obra "A Visão do Cego", disponível gratuitamente para download em E-livros.