SEGUNDO TEMPO - Por Olavo Nascimento (29/06/2016)
Apesar da carta recebida por Odilon, pela qual Eliete praticamente determinava o fim de um pacto entre ambos, a história de amor relatada no meu conto "O AMOR DEPOIS DO PRIMEIRO" não terminou, teve continuidade e voltou mais forte.
Como foi dito, os dois mantiveram suas fidelidades durante dezoito meses separados um do outro e aquela carta escrita pela mocinha livrava o moço do compromisso assumido um ano e meio antes. A garota foi embora para Minas Gerais para complementar os estudos e aquela distância serviria, como desejava a mãe da rapariga, para fazê-la esquecer definitivamente do rapaz que, por outro lado, sentiu-se traído pela quebra inesperada daquele trato. E não era para menos.
Durante o período de afastamento que havia sido combinado, Odilon resolveu mudar sua rotina e se dedicar com mais afinco em seu objetivo principal que era conquistar a concordância da mãe da sua amada. Ele precisava dar outro rumo em sua vida e foi isso que ele fez. Não deixou de trabalhar, voltou aos estudos, mudou de emprego e, através de concurso, foi nomeado para um cargo de funcionário público. Por isso a sua decepção ao receber aquela carta das mãos de sua irmã Darci.
O tempo foi correndo com algumas correspondências enviadas pela menina não respondidas pelo rapaz e com outras tentativas frustradas de reaproximação por parte dela em alguns períodos curtos de férias escolares na casa da mãe. Já havia se passado dois anos daquele rompimento e aquela distância só fez aumentar a mágoa do rapaz e o arrependimento da rapariga que sofria com o desprezo e a falta de notícias do amado.
Após quatro anos de separação, quando cada um já estava envolvido com outras rotinas de vida, Eliete retorna de Belo Horizonte diplomada em professorado e pronta para iniciar sua vida profissional. Ela chegou feliz por ter conseguido o seu objetivo, mas ainda com esperanças de reconquistar o seu amor inesquecível. Apesar do longo período em terras mineiras, Eliete não se envolveu amorosamente com ninguém. Conquistou novos amigos com a sua simpatia, participou de festas e comemorações diversas com as duas primas da mesma faixa etária e estudou muito. Seus tios não a deixavam sozinha em nenhum momento e a vigilância era ferrenha por conta da responsabilidade que assumiram com a guarda da sobrinha. Portanto, para ela, instintivamente, o seu acordo com Odilon ainda estava de pé, apesar da sua carta desfazendo o compromisso há alguns anos atrás. Mas com relação a ele...
Odilon sempre gostou de ser um cara de palavra e era muito difícil para ele decepcionar alguém com alguma promessa não cumprida. Apesar de ter-se tornado um rapaz volúvel após a decepção com a primeira namorada Antônia, Odilon mudou de vida, se afastou das garotas até aquela viagem de Eliete e se preparou para retornar o namoro. Depois disso, a história dele é outra. Decepcionado e sem esperanças de rever ou reconquistar aquele amor que arrebatou seus sentimentos, Odilon teve alguns relacionamentos, mesmo sem deixar de pensar na sua querida Eliete.
A volta da garota após tanto tempo, como era de se esperar, reacendeu as esperanças do rapaz. Odilon, naquela ocasião, não estava só e já vinha mantendo um relacionamento com uma colega de trabalho da repartição há quase um ano. A moça estava divorciada do ex-marido que a deixou com a guarda de duas crianças pequenas e encontrou em Odilon o porto seguro que precisava. Apesar de não dividirem o mesmo teto, o rapaz frequentava a sua casa com bastante assiduidade. Era um relacionamento de companheirismo, amor e entregas sexuais arrebatadoras que consolidavam cada vez mais aquele compromisso. Portanto, no retorno de Eliete, Odilon já estava bastante envolvido com outra mulher, com a vida profissional se estabilizando e morando ainda com seus familiares na mesma casa vizinha à da Eliete.
Os dois começaram a se encontrar em algumas passadas pela rua e os cumprimentos de bom dia ou de boa tarde, deixava claro, por seus olhares brilhantes, que o sentimento de cada um ainda estava muito forte. O tempo que eles ficaram distantes trouxe marcas de maturidade e mudanças físicas, principalmente para Eliete. A moça estava mais encorpada, mais atraente e muito mais bonita. Seus olhos ganharam novos tons esverdeados e o seu sorriso branco irradiava a mesma simpatia inconfundível em seu rosto rosado, muito bem aconchegado por um penteado aloirado com algumas tranças.
Por outro lado, Odilon demonstrava para a rapariga, que tentava, sem sucesso, mostrar indiferença para ela. Seus caminhos passaram a se encontrar muitas vezes por conta da proximidade de suas residências, mas a falta de atitude de ambos para quebrar seus próprios orgulhos, dificultava uma nova aproximação. O tempo foi passando com aquela distância evidente e não desejada por ambos, até o momento do amor da garota ser ferido por Odilon, quando este passou a desfilar com a colega de trabalho à sua frente sem quaisquer sinais de constrangimentos.
Aquelas aparições de Odilon com a sua amante divorciada que demonstravam um namoro firme, foi a gota d'água para azedar de vez a reaproximação dos dois. Eliete, bastante triste e magoada ficou sem esperanças de reconquistar o rapaz e resolveu desprezá-lo totalmente. A moça se recolheu, evitou encontrá-lo em qualquer situação e o seu coração virou pedra sem perdões. Resolveu esquecê-lo de vez e tocar a sua vida.
Os ponteiros do relógio não pararam e quase três anos depois, a vida trouxe novas situações para aqueles dois. Odilon continuava solteiro e não estava mais comprometido com a sua colega de trabalho. A sua rotina retornou aos namoros pontuais sem compromissos sérios, enquanto Eliete curtia um noivado aprovado por seus pais há quase um ano. A situação se inverteu e o desconforto passou a ser de Odilon, quando a garota começou a aparecer à sua frente com constância, bem agarradinha ao seu noivo, mostrando felicidades e sorrisos provocativos como quisesse lhe dar o troco.
Odilon, na realidade, apesar de seus envolvimentos amorosos com outras mulheres, nunca deixou de pensar naquela rapariga que arrebatou o seu coração. A distância que a garota lhe infligia sem qualquer chance de reaproximação, além de desencorajá-lo com a presença constante do noivo a seu lado, afastava-o cada vez mais de tê-la novamente em seus braços. Os dois se evitavam, deixaram de se cumprimentar definitivamente e tudo corria para um desfecho de cada um para o seu canto, quando uma festa junina entre os moradores da rua, mudou todo o panorama.
Odilon era um dos principais organizadores da festa com participação direta nas brincadeiras quando, já no início da madrugada, Eliete apareceu livre e desacompanhada logo após o noivo ter se despedido dela em sua casa. O rapaz, talvez por conta de algumas doses a mais de quentões e outras bebidas, aproveitou a sua alegria e não perdeu tempo assim que a viu. Sem pestanejar, aproximou-se, segurou-a pelo braço e, puxando-a para fora da festa, determinou: -- Preciso muito falar com você. Venha comigo!
-- O que é isso? Largue-me e solte-me! Reagiu de pronto a garota.
-- Tudo bem! Já larguei. Não se aborreça, porque não quero magoá-la. Recuou Odilon.
-- Não me interessa se você vai magoar-me ou não. Isso você já fez algumas vezes e já estou acostumada. Rebateu a moça com indignação.
-- Vamos ali pra fora pra gente conversar melhor. As pessoas aqui na festa já estão nos observando... Insistiu o rapaz.
-- Você está bêbado Odilon? Nunca lhe vi assim! Talvez seja por isso esta sua atitude. Questionou a rapariga.
-- Não sei se estou bêbado, mas sei o que estou fazendo. Preciso que você me escute. Venha, vamos sair logo daqui. Sugeriu mais uma vez Odilon.
A moça se irritou, avaliou a situação e acedeu em acompanhá-lo para se libertar do incômodo ou do constrangimento. Mas, além desses contratempos, ela não viu melhor momento para saber da intenção do rapaz e colocar tudo em pratos limpos. Saíram da festa e caminharam até a esquina da rua sem qualquer palavra. E foi sem qualquer palavra, que ao ficar diante dos olhos verdes da moça, Odilon agiu: segurou o seu rosto com força e colou com sofreguidão, os seus lábios sedentos na boca de Eliete. A moça tentou recusar, se debateu, socou o peito do rapaz e, como estivesse sem resistência, relaxou, deixou-se envolver e compartilhou daquele beijo de que tanto tinha saudades.
O clima esquentou entre os dois e os beijos continuaram com várias trocas de carinhos e abraços, como que precisassem compensar o tempo perdido. Odilon abraçou a amada carinhosamente e deixou-a acomodada em seu peito, fazendo-a escutar as batidas aceleradas do seu coração apaixonado. Ficaram agarradinhos num silêncio amável que só era interrompido pelos soluços da moça. Suas lágrimas marcaram o peito do amado, como se fosse uma resposta às batidas daquele coração que tocavam em seu rosto. Mas aqueles momentos de um amor sublime, com lágrimas e alívio de suas almas, foi cortado por Eliete ao sussurrar no ouvido do rapaz: -- Porque você fez isso Odilon? Colocou minhas carências pra fora e deixou-me sem saber o que fazer.
-- Como é gostoso ouvir novamente a sua voz rouca chegando aos meus ouvidos, querida Eliete. Estou muito feliz por estes momentos. Retrucou o rapaz com satisfação.
-- Você não deveria agir dessa maneira Odilon. Tenho um compromisso sério com outra pessoa, Um compromisso com pedido de casamento aos meus pais.
-- Um casamento que não será realizado por que você é minha. A minha querida Eliete que nunca saiu de meus pensamentos e que não vou abandonar nunca jamais.
-- Vamos parar por aqui Odilon, porque você já bagunçou a minha cabeça. Você, por conta da bebida, talvez ainda não tenha avaliado o tamanho do meu problema. Não posso parar o meu casamento, entendeu?
-- Entendi mas não concordo. Já lhe disse que sei o que estou fazendo, mesmo com algumas doses a mais na festa. Vou confirmar tudo amanhã e em outros dias.
-- Então tá! Quero saber qual a sua solução para o problema com o noivo e meus pais.
-- Vamos tratar disso amanhã com mais calma. Você precisa ter certeza da minha sobriedade. Quero saber o que decide o seu coração e não a sua mente. Diga como lhe encontro amanhã.
-- Será muito bom mesmo essa conversa Odilon, pegue-me amanhã na saída da escola que estou lecionando. A última aula termina às 21;00 horas. É a Escola Municipal República e você sabe muito bem aonde fica.
-- Combinado. Estarei lá sem falta e com o coração em polvorosa.
Na noite seguinte, no lugar combinado, os dois voltaram a se encontrar com Eliete na defensiva e Odilon receoso para algum avanço. E a conversa recomeçou na viagem de volta para casa: -- Você está lembrado do que aprontou ontem? Instigou Eliete.
Odilon,com convicção e ironia: -- Posso repetir tintim por tintim e até os beijos que não deixaram-me dormir. Que saudade...
-- Então, se você está lembrado de tudo, diga-me o porquê. Que loucura foi aquela?
-- A loucura é o meu amor por você minha querida. E você sabe disso. A loucura é a minha luta para não lhe perder.
-- Pena que só tenha se lembrado disto muito tarde Odilon. Perdemos muito tempo com frescuras e orgulhos. Agora a minha história é outra.
-- Esta sua outra história Eliete, é uma mentira. Mentira deslavada que vai prejudicá-la e que eu não acredito. Não cometa esta besteira.
-- Que besteira? Do que você está falando? Então você acha que o meu casamento será uma besteira?
-- Acho e tenho certeza. Sabe porque Eliete? Porque ainda estou com o gosto dos seus beijos apaixonados de ontem.
-- Você estava bêbado e eu fragilizada. Esqueça porque não vai acontecer mais.
-- Só vou esquecer se você olhar para dentro dos meus olhos e dizer que não me ama. Vamos lá diga!
Eliete olhou com candura e não disse. Os dois se fitaram longamente e caíram nos beijos novamente, mas desta vez com a iniciativa partindo de Eliete. Estava dada a resposta que Odilon tanto sabia mas que dependia da certeza por parte dela.
Este amor que se iniciara alguns anos atrás com a força de dois corações apaixonados, que enfrentou tempestades de forças negativas com idas e vindas de reconciliações estava agora diante do seu maior desafio. Enquanto Odilon estava tranquilo quanto à sua situação livre no momento, Eliete ficou diante de um turbilhão de paixões atirando flechas em sua direção vindas de dois lados. Ela tinha que decidir em que lado ficar, por não ser da sua índole se envolver com dois homens diferentes ao mesmo tempo, com um deles sendo traído no compromisso assumido com seriedade. Mas naquele mesmo momento em que Eliete ainda se encontrava aos beijos e abraços com Odilon, com sua cabeça rodando em pensamentos que iam e voltavam na velocidade de um raio, ela afastou-o num repente e declarou: --Chega Odilon! Agora já fomos longe demais. Não posso continuar com você prestes a me casar com outro. Afaste-se de mim, deixe de me procurar, vá viver a sua vida e deixe a minha em paz.
-- Mas o que é isso agora? Você acabou de provar que me ama e quer me abandonar? Quero você toda pra mim Eliete! Apelou o rapaz.
-- Se você gosta realmente de mim, não insista. Estou com o casamento marcado para daqui há quatro meses e não posso continuar com esta loucura. Daqui pra frente vou evitá-lo e peço o mesmo de você. Sacramentou a moça, completando ao se separar do rapaz: -- Favor não subir a rua junto comigo para evitar desconfianças e motivos de fofocas.
E assim, mais uma vez, os dois se separaram. Eliete continuou com a sua atenção voltada para o casamento que, no entanto, não evitava sonhos e vontades de estar com Odilon. E cada dia que passava longe do rapaz, a saudade de seus beijos molhados e gulosos lhe amargurava o coração. E à medida que a data do seu enlace ia chegando mais perto, a distância do rapaz apertava o seu coração como mais força.
Por outro lado, Odilon também nunca havia se conformado com a nova decisão de Eliete. Aquele afastamento trouxe-lhe decepções por acreditar que a moça cederia finalmente ficar com ele. Sua mágoa não o abandonava e ele precisava buscar o seu sonho romântico que tanto lhe agoniava. O tempo passou com os dois vivendo suas tristezas recolhidas até a antevéspera do casamento da garota, quando, numa última cartada, Odilon, através da sua irmã Darci, fez chegar às mãos de Eliete o seguinte bilhete:
"Como sempre, nunca deixei de pensar em você e procurar os seus passos. Estou sabendo do seu casamento depois de amanhã e ainda há tempo para você decidir o melhor para o seu coração. Por conta de necessidades no trabalho, estou indo embora para São Paulo e quero que você vá comigo. Já tenho um apartamento todo mobiliado nos aguardando e com chances ótimas de você continuar dando as aulas de que tanto gosta. Apronte-se, prepare-se e vá encontrar-me comigo amanhã às quinze horas no Aeroporto Santos Dumont. Já estou com duas passagens compradas. Não pense em nada, a não ser na nossa felicidade. O que for deixado para trás a gente arruma depois. Confie em mim e faça-me feliz. Aguardo-te com ansiedade. Beijos do Odilon."
"A NOIVA SUMIU."... "DIZEM QUE FOI ATRÁS DE UM EX-NAMORADO... "ABANDONOU O NOIVO ÀS VÉSPERAS DO CASAMENTO"...
Eram estas algumas das expressões de convidados mal informados na porta da igreja. O padre, comunicado com antecedência, suspendeu a cerimônia e afixou a surpreendente notícia exposta aos desavisados. A moça resolveu atender seus sentimentos e, naquele momento de desconforto para várias pessoas, ela já se encontrava na companhia de Odilon em São Paulo. Ela partiu com o rapaz para uma aventura romântica, não sem antes deixar um envelope em cima da mesinha de cabeceira da mãe que, ao abri-lo, se deparou com as seguintes linhas enviadas por sua filha:
"Mãe, perdoa-me. Sei que causei grandes contratempos para muita gente com a minha decisão de desistir do casamento. Se você, o meu pai e o Ricardo, que foi abandonado antes de chegar à igreja, não me perdoarem eu vou entender. Mas não poderia deixar de seguir os apelos do meu coração. Relutei muito para que essa triste situação não acontecesse, mas não poderia entregar o meu corpo e a minha vida a alguém que não amo. Tenho muito carinho pelo Ricardo, um homem maravilhoso que não merecia essa trapalhada de minha parte, mas ele tem que compreender que eu não mereço a sua companhia e o seu amor por mim. Não se preocupe comigo, porque afinal de contas eu estou feliz junto a alguém que arrebatou o meu coração há muito tempo, e você sabe muito bem disso. Vou esperar a poeira baixar para a gente conversar e resolver as nossas diferenças com relação ao Odilon. Preciso da sua bênção e a do meu pai para prosseguir a minha vida. Aguarde novos contatos. Beijos desta filha que lhe adora. Eliete."
O final desta história entre Odilon e Eliete chega até aqui como prova de um amor verdadeiro e alucinante, que não poupou outros personagens bem chegados ou comprometidos. A avalanche que se formou com a fuga dos dois, provocou mágoas imperdoáveis aos pais da moça e vontade obsessiva do noivo Ricardo por vingança. Ricardo, num primeiro momento, chegou a pensar em acabar com a vida dos dois, mas conselhos paternos desviaram seus caminhos para outros lados e o afastaram daquela medida extrema. Resolveu então pedir reparação na justiça por danos morais e financeiros contra a família de Eliete. o que foi conseguido quase um ano após. A família teve que arcar com o pagamento indenizatório determinado pelo juiz por causa do casamento frustrado.
Com o tempo fazendo o seu papel de suavizar mágoas, consertar erros e conseguir perdões, dois anos após Odilon e Eliete retornaram para o Rio de Janeiro com um casal de gêmeos. E como dizem que os avós são pais duas vezes, seus progenitores foram os primeiros a correr ao encontro do casal fujão, ansiosos para acolher seus netos. E dali pra frente, mesmo com ressentimentos difíceis de serem apagados, os pais de Eliete não viram outro jeito que não fosse aceitar aquela união tão apaixonante.
UMA UNIÃO QUE PERMANECE ATÉ OS DIAS ATUAIS APÓS TRINTA E POUCOS ANOS.
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Apesar da carta recebida por Odilon, pela qual Eliete praticamente determinava o fim de um pacto entre ambos, a história de amor relatada no meu conto "O AMOR DEPOIS DO PRIMEIRO" não terminou, teve continuidade e voltou mais forte.
Como foi dito, os dois mantiveram suas fidelidades durante dezoito meses separados um do outro e aquela carta escrita pela mocinha livrava o moço do compromisso assumido um ano e meio antes. A garota foi embora para Minas Gerais para complementar os estudos e aquela distância serviria, como desejava a mãe da rapariga, para fazê-la esquecer definitivamente do rapaz que, por outro lado, sentiu-se traído pela quebra inesperada daquele trato. E não era para menos.
Durante o período de afastamento que havia sido combinado, Odilon resolveu mudar sua rotina e se dedicar com mais afinco em seu objetivo principal que era conquistar a concordância da mãe da sua amada. Ele precisava dar outro rumo em sua vida e foi isso que ele fez. Não deixou de trabalhar, voltou aos estudos, mudou de emprego e, através de concurso, foi nomeado para um cargo de funcionário público. Por isso a sua decepção ao receber aquela carta das mãos de sua irmã Darci.
O tempo foi correndo com algumas correspondências enviadas pela menina não respondidas pelo rapaz e com outras tentativas frustradas de reaproximação por parte dela em alguns períodos curtos de férias escolares na casa da mãe. Já havia se passado dois anos daquele rompimento e aquela distância só fez aumentar a mágoa do rapaz e o arrependimento da rapariga que sofria com o desprezo e a falta de notícias do amado.
Após quatro anos de separação, quando cada um já estava envolvido com outras rotinas de vida, Eliete retorna de Belo Horizonte diplomada em professorado e pronta para iniciar sua vida profissional. Ela chegou feliz por ter conseguido o seu objetivo, mas ainda com esperanças de reconquistar o seu amor inesquecível. Apesar do longo período em terras mineiras, Eliete não se envolveu amorosamente com ninguém. Conquistou novos amigos com a sua simpatia, participou de festas e comemorações diversas com as duas primas da mesma faixa etária e estudou muito. Seus tios não a deixavam sozinha em nenhum momento e a vigilância era ferrenha por conta da responsabilidade que assumiram com a guarda da sobrinha. Portanto, para ela, instintivamente, o seu acordo com Odilon ainda estava de pé, apesar da sua carta desfazendo o compromisso há alguns anos atrás. Mas com relação a ele...
Odilon sempre gostou de ser um cara de palavra e era muito difícil para ele decepcionar alguém com alguma promessa não cumprida. Apesar de ter-se tornado um rapaz volúvel após a decepção com a primeira namorada Antônia, Odilon mudou de vida, se afastou das garotas até aquela viagem de Eliete e se preparou para retornar o namoro. Depois disso, a história dele é outra. Decepcionado e sem esperanças de rever ou reconquistar aquele amor que arrebatou seus sentimentos, Odilon teve alguns relacionamentos, mesmo sem deixar de pensar na sua querida Eliete.
A volta da garota após tanto tempo, como era de se esperar, reacendeu as esperanças do rapaz. Odilon, naquela ocasião, não estava só e já vinha mantendo um relacionamento com uma colega de trabalho da repartição há quase um ano. A moça estava divorciada do ex-marido que a deixou com a guarda de duas crianças pequenas e encontrou em Odilon o porto seguro que precisava. Apesar de não dividirem o mesmo teto, o rapaz frequentava a sua casa com bastante assiduidade. Era um relacionamento de companheirismo, amor e entregas sexuais arrebatadoras que consolidavam cada vez mais aquele compromisso. Portanto, no retorno de Eliete, Odilon já estava bastante envolvido com outra mulher, com a vida profissional se estabilizando e morando ainda com seus familiares na mesma casa vizinha à da Eliete.
Os dois começaram a se encontrar em algumas passadas pela rua e os cumprimentos de bom dia ou de boa tarde, deixava claro, por seus olhares brilhantes, que o sentimento de cada um ainda estava muito forte. O tempo que eles ficaram distantes trouxe marcas de maturidade e mudanças físicas, principalmente para Eliete. A moça estava mais encorpada, mais atraente e muito mais bonita. Seus olhos ganharam novos tons esverdeados e o seu sorriso branco irradiava a mesma simpatia inconfundível em seu rosto rosado, muito bem aconchegado por um penteado aloirado com algumas tranças.
Por outro lado, Odilon demonstrava para a rapariga, que tentava, sem sucesso, mostrar indiferença para ela. Seus caminhos passaram a se encontrar muitas vezes por conta da proximidade de suas residências, mas a falta de atitude de ambos para quebrar seus próprios orgulhos, dificultava uma nova aproximação. O tempo foi passando com aquela distância evidente e não desejada por ambos, até o momento do amor da garota ser ferido por Odilon, quando este passou a desfilar com a colega de trabalho à sua frente sem quaisquer sinais de constrangimentos.
Aquelas aparições de Odilon com a sua amante divorciada que demonstravam um namoro firme, foi a gota d'água para azedar de vez a reaproximação dos dois. Eliete, bastante triste e magoada ficou sem esperanças de reconquistar o rapaz e resolveu desprezá-lo totalmente. A moça se recolheu, evitou encontrá-lo em qualquer situação e o seu coração virou pedra sem perdões. Resolveu esquecê-lo de vez e tocar a sua vida.
Os ponteiros do relógio não pararam e quase três anos depois, a vida trouxe novas situações para aqueles dois. Odilon continuava solteiro e não estava mais comprometido com a sua colega de trabalho. A sua rotina retornou aos namoros pontuais sem compromissos sérios, enquanto Eliete curtia um noivado aprovado por seus pais há quase um ano. A situação se inverteu e o desconforto passou a ser de Odilon, quando a garota começou a aparecer à sua frente com constância, bem agarradinha ao seu noivo, mostrando felicidades e sorrisos provocativos como quisesse lhe dar o troco.
Odilon, na realidade, apesar de seus envolvimentos amorosos com outras mulheres, nunca deixou de pensar naquela rapariga que arrebatou o seu coração. A distância que a garota lhe infligia sem qualquer chance de reaproximação, além de desencorajá-lo com a presença constante do noivo a seu lado, afastava-o cada vez mais de tê-la novamente em seus braços. Os dois se evitavam, deixaram de se cumprimentar definitivamente e tudo corria para um desfecho de cada um para o seu canto, quando uma festa junina entre os moradores da rua, mudou todo o panorama.
Odilon era um dos principais organizadores da festa com participação direta nas brincadeiras quando, já no início da madrugada, Eliete apareceu livre e desacompanhada logo após o noivo ter se despedido dela em sua casa. O rapaz, talvez por conta de algumas doses a mais de quentões e outras bebidas, aproveitou a sua alegria e não perdeu tempo assim que a viu. Sem pestanejar, aproximou-se, segurou-a pelo braço e, puxando-a para fora da festa, determinou: -- Preciso muito falar com você. Venha comigo!
-- O que é isso? Largue-me e solte-me! Reagiu de pronto a garota.
-- Tudo bem! Já larguei. Não se aborreça, porque não quero magoá-la. Recuou Odilon.
-- Não me interessa se você vai magoar-me ou não. Isso você já fez algumas vezes e já estou acostumada. Rebateu a moça com indignação.
-- Vamos ali pra fora pra gente conversar melhor. As pessoas aqui na festa já estão nos observando... Insistiu o rapaz.
-- Você está bêbado Odilon? Nunca lhe vi assim! Talvez seja por isso esta sua atitude. Questionou a rapariga.
-- Não sei se estou bêbado, mas sei o que estou fazendo. Preciso que você me escute. Venha, vamos sair logo daqui. Sugeriu mais uma vez Odilon.
A moça se irritou, avaliou a situação e acedeu em acompanhá-lo para se libertar do incômodo ou do constrangimento. Mas, além desses contratempos, ela não viu melhor momento para saber da intenção do rapaz e colocar tudo em pratos limpos. Saíram da festa e caminharam até a esquina da rua sem qualquer palavra. E foi sem qualquer palavra, que ao ficar diante dos olhos verdes da moça, Odilon agiu: segurou o seu rosto com força e colou com sofreguidão, os seus lábios sedentos na boca de Eliete. A moça tentou recusar, se debateu, socou o peito do rapaz e, como estivesse sem resistência, relaxou, deixou-se envolver e compartilhou daquele beijo de que tanto tinha saudades.
O clima esquentou entre os dois e os beijos continuaram com várias trocas de carinhos e abraços, como que precisassem compensar o tempo perdido. Odilon abraçou a amada carinhosamente e deixou-a acomodada em seu peito, fazendo-a escutar as batidas aceleradas do seu coração apaixonado. Ficaram agarradinhos num silêncio amável que só era interrompido pelos soluços da moça. Suas lágrimas marcaram o peito do amado, como se fosse uma resposta às batidas daquele coração que tocavam em seu rosto. Mas aqueles momentos de um amor sublime, com lágrimas e alívio de suas almas, foi cortado por Eliete ao sussurrar no ouvido do rapaz: -- Porque você fez isso Odilon? Colocou minhas carências pra fora e deixou-me sem saber o que fazer.
-- Como é gostoso ouvir novamente a sua voz rouca chegando aos meus ouvidos, querida Eliete. Estou muito feliz por estes momentos. Retrucou o rapaz com satisfação.
-- Você não deveria agir dessa maneira Odilon. Tenho um compromisso sério com outra pessoa, Um compromisso com pedido de casamento aos meus pais.
-- Um casamento que não será realizado por que você é minha. A minha querida Eliete que nunca saiu de meus pensamentos e que não vou abandonar nunca jamais.
-- Vamos parar por aqui Odilon, porque você já bagunçou a minha cabeça. Você, por conta da bebida, talvez ainda não tenha avaliado o tamanho do meu problema. Não posso parar o meu casamento, entendeu?
-- Entendi mas não concordo. Já lhe disse que sei o que estou fazendo, mesmo com algumas doses a mais na festa. Vou confirmar tudo amanhã e em outros dias.
-- Então tá! Quero saber qual a sua solução para o problema com o noivo e meus pais.
-- Vamos tratar disso amanhã com mais calma. Você precisa ter certeza da minha sobriedade. Quero saber o que decide o seu coração e não a sua mente. Diga como lhe encontro amanhã.
-- Será muito bom mesmo essa conversa Odilon, pegue-me amanhã na saída da escola que estou lecionando. A última aula termina às 21;00 horas. É a Escola Municipal República e você sabe muito bem aonde fica.
-- Combinado. Estarei lá sem falta e com o coração em polvorosa.
Na noite seguinte, no lugar combinado, os dois voltaram a se encontrar com Eliete na defensiva e Odilon receoso para algum avanço. E a conversa recomeçou na viagem de volta para casa: -- Você está lembrado do que aprontou ontem? Instigou Eliete.
Odilon,com convicção e ironia: -- Posso repetir tintim por tintim e até os beijos que não deixaram-me dormir. Que saudade...
-- Então, se você está lembrado de tudo, diga-me o porquê. Que loucura foi aquela?
-- A loucura é o meu amor por você minha querida. E você sabe disso. A loucura é a minha luta para não lhe perder.
-- Pena que só tenha se lembrado disto muito tarde Odilon. Perdemos muito tempo com frescuras e orgulhos. Agora a minha história é outra.
-- Esta sua outra história Eliete, é uma mentira. Mentira deslavada que vai prejudicá-la e que eu não acredito. Não cometa esta besteira.
-- Que besteira? Do que você está falando? Então você acha que o meu casamento será uma besteira?
-- Acho e tenho certeza. Sabe porque Eliete? Porque ainda estou com o gosto dos seus beijos apaixonados de ontem.
-- Você estava bêbado e eu fragilizada. Esqueça porque não vai acontecer mais.
-- Só vou esquecer se você olhar para dentro dos meus olhos e dizer que não me ama. Vamos lá diga!
Eliete olhou com candura e não disse. Os dois se fitaram longamente e caíram nos beijos novamente, mas desta vez com a iniciativa partindo de Eliete. Estava dada a resposta que Odilon tanto sabia mas que dependia da certeza por parte dela.
Este amor que se iniciara alguns anos atrás com a força de dois corações apaixonados, que enfrentou tempestades de forças negativas com idas e vindas de reconciliações estava agora diante do seu maior desafio. Enquanto Odilon estava tranquilo quanto à sua situação livre no momento, Eliete ficou diante de um turbilhão de paixões atirando flechas em sua direção vindas de dois lados. Ela tinha que decidir em que lado ficar, por não ser da sua índole se envolver com dois homens diferentes ao mesmo tempo, com um deles sendo traído no compromisso assumido com seriedade. Mas naquele mesmo momento em que Eliete ainda se encontrava aos beijos e abraços com Odilon, com sua cabeça rodando em pensamentos que iam e voltavam na velocidade de um raio, ela afastou-o num repente e declarou: --Chega Odilon! Agora já fomos longe demais. Não posso continuar com você prestes a me casar com outro. Afaste-se de mim, deixe de me procurar, vá viver a sua vida e deixe a minha em paz.
-- Mas o que é isso agora? Você acabou de provar que me ama e quer me abandonar? Quero você toda pra mim Eliete! Apelou o rapaz.
-- Se você gosta realmente de mim, não insista. Estou com o casamento marcado para daqui há quatro meses e não posso continuar com esta loucura. Daqui pra frente vou evitá-lo e peço o mesmo de você. Sacramentou a moça, completando ao se separar do rapaz: -- Favor não subir a rua junto comigo para evitar desconfianças e motivos de fofocas.
E assim, mais uma vez, os dois se separaram. Eliete continuou com a sua atenção voltada para o casamento que, no entanto, não evitava sonhos e vontades de estar com Odilon. E cada dia que passava longe do rapaz, a saudade de seus beijos molhados e gulosos lhe amargurava o coração. E à medida que a data do seu enlace ia chegando mais perto, a distância do rapaz apertava o seu coração como mais força.
Por outro lado, Odilon também nunca havia se conformado com a nova decisão de Eliete. Aquele afastamento trouxe-lhe decepções por acreditar que a moça cederia finalmente ficar com ele. Sua mágoa não o abandonava e ele precisava buscar o seu sonho romântico que tanto lhe agoniava. O tempo passou com os dois vivendo suas tristezas recolhidas até a antevéspera do casamento da garota, quando, numa última cartada, Odilon, através da sua irmã Darci, fez chegar às mãos de Eliete o seguinte bilhete:
"Como sempre, nunca deixei de pensar em você e procurar os seus passos. Estou sabendo do seu casamento depois de amanhã e ainda há tempo para você decidir o melhor para o seu coração. Por conta de necessidades no trabalho, estou indo embora para São Paulo e quero que você vá comigo. Já tenho um apartamento todo mobiliado nos aguardando e com chances ótimas de você continuar dando as aulas de que tanto gosta. Apronte-se, prepare-se e vá encontrar-me comigo amanhã às quinze horas no Aeroporto Santos Dumont. Já estou com duas passagens compradas. Não pense em nada, a não ser na nossa felicidade. O que for deixado para trás a gente arruma depois. Confie em mim e faça-me feliz. Aguardo-te com ansiedade. Beijos do Odilon."
"A NOIVA SUMIU."... "DIZEM QUE FOI ATRÁS DE UM EX-NAMORADO... "ABANDONOU O NOIVO ÀS VÉSPERAS DO CASAMENTO"...
Eram estas algumas das expressões de convidados mal informados na porta da igreja. O padre, comunicado com antecedência, suspendeu a cerimônia e afixou a surpreendente notícia exposta aos desavisados. A moça resolveu atender seus sentimentos e, naquele momento de desconforto para várias pessoas, ela já se encontrava na companhia de Odilon em São Paulo. Ela partiu com o rapaz para uma aventura romântica, não sem antes deixar um envelope em cima da mesinha de cabeceira da mãe que, ao abri-lo, se deparou com as seguintes linhas enviadas por sua filha:
"Mãe, perdoa-me. Sei que causei grandes contratempos para muita gente com a minha decisão de desistir do casamento. Se você, o meu pai e o Ricardo, que foi abandonado antes de chegar à igreja, não me perdoarem eu vou entender. Mas não poderia deixar de seguir os apelos do meu coração. Relutei muito para que essa triste situação não acontecesse, mas não poderia entregar o meu corpo e a minha vida a alguém que não amo. Tenho muito carinho pelo Ricardo, um homem maravilhoso que não merecia essa trapalhada de minha parte, mas ele tem que compreender que eu não mereço a sua companhia e o seu amor por mim. Não se preocupe comigo, porque afinal de contas eu estou feliz junto a alguém que arrebatou o meu coração há muito tempo, e você sabe muito bem disso. Vou esperar a poeira baixar para a gente conversar e resolver as nossas diferenças com relação ao Odilon. Preciso da sua bênção e a do meu pai para prosseguir a minha vida. Aguarde novos contatos. Beijos desta filha que lhe adora. Eliete."
O final desta história entre Odilon e Eliete chega até aqui como prova de um amor verdadeiro e alucinante, que não poupou outros personagens bem chegados ou comprometidos. A avalanche que se formou com a fuga dos dois, provocou mágoas imperdoáveis aos pais da moça e vontade obsessiva do noivo Ricardo por vingança. Ricardo, num primeiro momento, chegou a pensar em acabar com a vida dos dois, mas conselhos paternos desviaram seus caminhos para outros lados e o afastaram daquela medida extrema. Resolveu então pedir reparação na justiça por danos morais e financeiros contra a família de Eliete. o que foi conseguido quase um ano após. A família teve que arcar com o pagamento indenizatório determinado pelo juiz por causa do casamento frustrado.
Com o tempo fazendo o seu papel de suavizar mágoas, consertar erros e conseguir perdões, dois anos após Odilon e Eliete retornaram para o Rio de Janeiro com um casal de gêmeos. E como dizem que os avós são pais duas vezes, seus progenitores foram os primeiros a correr ao encontro do casal fujão, ansiosos para acolher seus netos. E dali pra frente, mesmo com ressentimentos difíceis de serem apagados, os pais de Eliete não viram outro jeito que não fosse aceitar aquela união tão apaixonante.
UMA UNIÃO QUE PERMANECE ATÉ OS DIAS ATUAIS APÓS TRINTA E POUCOS ANOS.
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