Só há felicidade quando chove

Falta poucos minutos para às nove da manhã de domingo, quando o telefone tocou. Levantei meio sonolento, apesar de estar quase trinta minutos acordado imaginando como seriam os próximos dias. Mais um vez a angústia e a aflição me domava. Quando o telefone tocou e eu o atendi, escutei a voz de Beto, um jornalista recém convocado para cobrir uma matéria nas terras afegãs. Eu não entendia muito, até porque além dele se embolar com as palavras, eu não estava muito interessado nas coisas gerais, ultimamente.

Beto me convidou para ir à praia. Tentei recusar reiteradamente, mas me venceu no cansaço. Me pediu que eu o encontrasse na portaria quarenta minutos mais tarde. Não me esforcei muito, mas me restringi a me organizar dentro do tempo. Tentativas essas que metaforicamente foram frustradas, pois dentro de mim só havia desordem.

Trinta minutos depois, eu descia as escadas devido a um problema com a manutenção dos elevadores. E lá estava o carro do Beto parado frente a portaria. Estavam juntos Guilherme, Monalisa e um amigo. Me acomodei.

Eu sabia o que iria acontecer. Eu sabia que Beto iria beber, iria se declarar mais uma vez para qualquer pessoa que estivesse perto dele, e em alguma posição vulnerável, e eu sabia que era eu. Durante todo o percurso me mantive só dentro de mim mesmo. O sol batia contra o vidro, o vento entrava pelos vãos da janela, e o som não se conectava comigo.

Quando chegamos procurei o lugar mais isolado das outras pessoas, e ao mesmo tempo mais próximo do mar, porque o som dar ondas batendo evitaria uma possível conversa. Enterrei meus pés na areia entrelaçando as pernas. Todos correram para o mar, menos Joan, o amigo de Monalisa. Ele se sentou do outro lado do guarda-sol, e tentava dispor alguma conversa. Eu evitava o contato, mas ninguém é culpado da minha dor particular, além daqueles que as representam, então eu não o evitei. Perguntei o que tem feito, de onde veio, e quanto tempo estava na cidade que por muito tempo eu considerei minha. Ele soltava as respostas sem se esforçar, ou se restringir. As pessoas gritavam para nós, mas as ondas quebrando na costa nos permitia dizer não ter ouvido.

Joan era meses mais novo que eu. Ele me disse que cursava a escola de atores, e que está cumprindo aviso no seu trabalho atual. Morou na Rocinha por muito tempo, mas que atualmente havia se mudado para a Barra. Ele é magro, seus pulsos pareciam como a de uma criança, sua pele branca e cheia de preocupação do sol, tendo em vista que ele se encolhia no pequeno espaço de sombra. Seus olhos castanhos claros atrás dos óculos Buddy Holly, seu cabelo negro e liso, tudo começou a me chamar a atenção. Seus caninos deixavam escapar o sotaque do interior paulista, e a suas histórias e preocupações começaram a me entreter. Nele havia quase paz.

Bebemos de quatro a seis cervejas enquanto a conversa ainda acontecia. Eu contei para ele alguns planos, e ele me contou alguns também. Ele me contou alguns segredos, e eu tentei não contar tantos para ele. Encontramos afinidades onde o mundo já havia matado, e a dor voltou, o céu escureceu, as nuvens se juntaram. Eu pousei minha cabeça na areia, uma gota de chuva caiu sobre o meu ombro, Joan me beijou, e o mundo morreu de novo.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 27/06/2016
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