Eu e a nossa alma antiga
Texto dedicado a Gustavo Marinho
Já era o horário de almoço de Catarina G. Ela olhou no relógio para confirmar, desligou o computador, deu uma bufada de leve e foi para o estacionamento pegar sua bicicleta elétrica que estava com o pneu vazio. Os dias não andavam muito bem ali no escritório.
Por sorte o pneu não havia furado. A única coisa que ela precisava fazer era encontrar um posto próximo para encher o bendito.
O sol raiava forte, ela estava de social, sapato de salto, e entre ruas de pedras, ela arrastava a sua bicicleta pesada.
Logo ela avistou um borracheiro e deu um “ufa” de alívio. Os dias em seu trabalho estavam tão tensos que qualquer lance de sorte faria toda a diferença. De longe ela escutou um: hey moça!
Com seu óculos de sol gigante, ela olhou para o lado e havia um moço de meia barba atravessando a rua.
- Hey moça, quer ajuda? Quer carregar sua bateria na loja?
Seu cérebro congelou por alguns segundos. Ela tentou processar a gentileza, afinal, não se faz homens como antigamente. Almas antigas são raríssimas.
- Ah sim, obrigada. Mas eu tenho carga. Estou levando a bike para encher o pneu que está vazio.
- Ah entendi. Mas quando precisar, eu trabalho ali, se precisar de algo. Finalizou o breve papo apontando para a loja do outro lado da rua.
Catarina G. agradeceu com o rosto corado e seguiu viagem.
Chegando em casa, ficou refletindo a gentileza, na cena, no moço bonito e atencioso.
No retorno para o trabalho, ela ainda desanimada com a dura realidade de trabalhar num ambiente pesado, de pessoas hipócritas, ela suspirou e pensou: Mantenha o controle! Respire. Se você perder o emprego, não perca a oportunidade de pagar esse mico. Seja você. Pegue as flores e entregue ao rapaz.
Sua mente arquitetava toda a futura cena. E entre sims e nãos, ela debatia com sua razão e emoção, se ela realmente teria coragem de abordar o jovem, entregar as flores colhidas no meio do caminho, e agradecer pela gentileza.
“Mas se ele achar que estou dando em cima dele? Ou se ele for casado? E se ele me achar ridícula?” Sua mente borbulhava.
“Vá, entregue, você não sabe se vai fazer essa rota amanhã. Viva o hoje. Seja o agora!” Uma voz interior lhe indicava o caminho.
Pronto. Faltava segundos dela chegar próximo a loja dele.
- Hey, você ai de blusa xadreza. (Ele tinha um irmão gêmeo).
Ele corou e veio até a entrada.
- Olha, são para você em agradecimento pela gentileza de mais cedo.
- Oh, obrigado! Não precisava. Como se chama? Perguntou com um semblante angelical.
- Ah, Catarina. Olha, as flores estavam realmente lindas quando as colhi. Ah, e não estou dando encima de você.
Ela deu um sorrisinho tímido e logo seguiu rumo ao martírio da tarde. Porém, essa cena viria mudar toda a sua história.
Quando chegou no escritório ela comentou com as amigas sobre o ocorrido e todas elas ficaram encantadas com a coragem do ato, afinal, hoje em dia não existe mais romantismo e muito menos gestos sinceros e simples. Ou se existe, é taxado de cafona e retrógrado.
Passado algumas semanas, ela resolveu procura-lo no facebook. E quando achou o seu perfil, ela foi vendo suas últimas postagens e uma delas era um texto com a foto da flor que ela o havia dado. Ela deu um grito!
Chamou todas as amigas do trabalho para ler a mensagem.
- Amiga, ele é muito lindo! Que cara sensível e especial. Tem alma de velho tanto quanto a sua. Disse Louise caçoando Catarina numa forma amigável e divertida.
- Ah Lou! Que menino lindo! Tanto por fora quanto por dentro. Nossa, estou encantada ainda mais por ele.
E assim, ela ficou refletindo na pessoa daquele moço diferente, e pensava muito numa forma de chama-lo para um sorvete.
“Será que meu coração aguentaria mais uma cena de filme hollywoodiano?” Sua mente perguntava sarcasticamente.
Não custa nada tentar, afinal, almas antigas se reconhecem, e para ser o agora, é necessário ser já!