O AMOR EM FORMA DE LEMBRANÇAS

O AMOR EM FORMA DE LEMBRANÇAS

por E. Alyson Ribeiro

Não sei se o amanhã ainda reinará sobre minha vida, porém sei que o hoje ainda me faz companhia. Apesar desse pensamento pessimista, ainda tenho a esperança de encontrar Sophia em algum lugar. Amei essa mulher durante quarenta anos, sendo que antes de nos casarmos, durante dez anos, amei-a sem saber que ela seria a minha musa; pois ainda éramos crianças e apenas brincávamos nos parques das praças. Como todo ser vivo que nasce e morre, perdi o meu grande amor para o último verbo que quem vive será um dia o sujeito. Sophia era morena, com os olhos levemente saltados como os dos judeus e com o rosto arredondado como uma típica portuguesa. Sua boca era sutil, o lábio superior era fino, enquanto o inferior era grosso. Seu corpo era comum aos padrões femininos da época, isto é, magra, com os seios medianos e pernas brevemente grossas. Talvez o leitor esteja me achando muito detalhista e me comparando (claro, sem levar em conta o mérito literário e com as devidas diferenças) com José de Alencar, contudo, peço-lhe perdão pelos detalhes, mas minha musa nunca será como as do inestimável autor, afinal, mesmo possuindo a personalidade forte de Aurélia Camargo, a sedução de Lúcia e a simpatia de Berta e a ousadia de Iracema.

Sophia era mística e usava o seu charme para me envolver. Como toda mulher que conhece o seu marido, ela sabia usar de suas "caras e bocas" para conseguir o que queria. Por favor, caro leitor, não me julgue como uma pessoa fraca e mandada por sua mulher. Mas era difícil dizer não a Sophia. Quando queria algo, ela me olhava meiga e carinhosa, fazia um biquinho e suas bochechas ficavam rosadas. E se me reprovava em algo, logo me olhava semelhantemente à Capitu de Machado de Assis, com os olhos de ressaca.

Como todo ser humano ela também cometia erros. No entanto, eram bobos e sem grandes amplitudes; por exemplo, ela era eufórica e queria tudo na hora, sua paciência estava longe do modo como Lenine interpretou em uma de suas canções. Às vezes eu ficava com raiva por ela ser assim, mas esse era um dos seus únicos defeitos e, portanto, só me restava ficar um pouco bravo, apenas para não lhe dar o braço a torcer e ter motivos para uma briguinha com ela. Pois é, caro leitor, talvez você me julgue como um articulador de brigas, porém, eu gostava de brigar com Sophia. O melhor da briga é fazer as pazes e isso nós fazíamos muito bem. Como era bom sentir-se em paz com ela, afinal, nossos pedidos de desculpas só terminavam quando nos amávamos à noite toda. E era nesses momentos que via em Sophia a Lúcia de Alencar, porém, vou lhes poupar os detalhes.

Obrigado, amigo leitor, por me permitir relembrar de minha musa. Não quero estender este texto, pois imagino que você se sentirá cansativo ao ler tudo que passei com o meu grande amor. Por isso, quero apenas lhe dizer mais algumas coisas.

Talvez você me pergunte por que não me casei de novo ou por que eu não tenho algum novo amor. Quero lhe dizer que amei apenas Sophia e nunca achei que outra mulher poderia ser digna do meu amor quanto ela. Afinal, como poderia dedicar-me de coração e corpo à outra pessoa sendo que não terei a certeza de que receberei o mesmo beijo, o mesmo amor, a mesma sinceridade e o mesmo respeito que me disponho a promover? Se me lançasse na busca do amor poderia ser pego numa armadilha. Permitir que outra mulher receba o que somente Sophia teve é trair a história de quarenta anos de casado e dez de brincadeiras inocentes e saudáveis.

Meus sentimentos estão frios quanto o corpo de minha musa. Que bom que você não consegue me ver, pois me veria chorando agora. Como ela me faz falta, como é triste saber que não a verei mais aqui nesta terra. Por favor, se você ama alguém então a valorize, console-a quando ela estiver chorando, ame-a verdadeiramente e intensamente, beije-a quando o cheiro e o calor do corpo dela lhe servir de cobertor e respeite-a quando o desejo dela não for igual ao seu. Confie em mim, pois estas palavras são de um homem que daria o seu coração por mais um dia ao lado de quem mais amou; Sophia.

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E Alyson Ribeiro
Enviado por E Alyson Ribeiro em 16/05/2016
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