No cantinho da parede.
Fechei a porta, olhei para um lado e para o outro, traguei o resto imundo daquele cigarro, e ainda sentindo o cheiro do tabaco, puxei a cortina, e fui deitar.
No outro dia, era o baile, precisava estar linda. Então, coloquei minha saia com tule,em cores creme e perolado, meu broche de flores coloridas .Destaquei-me mais uma vez em meu espelho enferrujado , empoeirado, coberto de perguntas sem respostas, ajeitei meu batom carmim, encaixei os sapatos, com tanta facilidade que meu senso de equilíbrio emocional ficou com inveja: “porque não consigo encaixar-me dessa forma no mundo?”. Perguntei-me ,mas enfim, não era o momento de procurar por mim ,era o momento de devaneios que me levassem o mais longe possível.
O baile começou, o baile findou. Eu estive lá, ele estava longe. A noite fluiu, a noite pereceu.
Com os sapatos nas mãos e o coração, guardado na bolsinha rendada, voltei pra minha casa. Entrei, lavei meu corpo e junto com ele, o resto de mim. Deitada na cama, entre o fiasco de luz vindo do porte da rua e o cheiro de lavanda ,no meu quarto, perguntei-me ,com os olhos fechados e a respiração profunda: por que ele não vai embora de dentro de mim?
Há perguntas, das quais sabemos a resposta, mas parece que essa “síndrome de Lisbela e o Prisioneiro “ é mais forte que a nossa sensatez. Então, voltamos ao nosso ciclo do “tudo vai passar, não era pra ser, não era”. Então, se não foi dessa vez, quando será? Fiquei lá, deitada, esperando que aquele raio de luz vindo do porte trouxesse uma resposta. O que me fez lembrar, também, que já havia prometido a mim mesma que não o deixaria entrar em minha vida, novamente, que mesmo que ele dançasse comigo a última valsa, e mesmo que congelasse meu coração, puxando minha mão para dançar, mesmo quebrando cada parte do meu corpo com aquele abraço saudoso ,que só ele sabe dar, mesmo que ele continuasse lindo com aquela calça de cor estranha e indefinível ,até mesmo para um daltônico. Ainda assim, ele não entraria mais em minha vida, em minha casa, em minha alma.
No meio dessa conversa louca , entre eu e meu travesseiro, ouvi um ranger de porta. Levantei e fui fecha-la, foi então que entendi como Ele havia entrado. Não foi pela janela, ele não faz o tipo “gatuno”. Não foi pelo corredor, com certeza eu escutaria seus passos. Ele entrou pela porta da frente!
Ao fechar a porta, percebi que ela estava destrancada . Como posso impedir a entrada de alguém, em minha vida, se não consigo me certificar, de todas as formas, que realmente eu me fechei? Será que foi de propósito? Será que no fundo, eu queria realmente que ele me deixasse em paz? Será que a minha vida tem a mesma graça sem aquele sorriso canalha? Será que eu fui covarde ou fui prudente? Será que, realmente, é a hora de trancar a porta?
Se a dúvida ainda paira, é melhor deixar a chave no cantinho da parede.
Luciana Tapajós.