VIAJANTES
As pedras por onde tocam teus pés, o asfalto quente que os queima, o sol a pique te torrando a mente, a poeira nas tuas narinas, a mata ao teu redor, tu não retrocedes do teu caminho, não escutas meus pedidos amuados que voltes, o céu azul só aumenta a secura do dia, a noite o frio te percorre a espinha estalando sinos pelo teu corpo, repousas no chão duro as costas calejadas mal coberta por um pano sujo e recheado de remendos apressados. Os lobos uivam a noite, ao teu lado serpentes rastejam buscando os pés que escondes na bota surrada, teu cantil jaz quase vazio em busca da ocasião de provê-los no riacho barrento ou na tórrida chuva, o que se passa nos teus sonhos quando o perigo ronda e não tens nada mais que estrelas no céu? Bem sei que em teus pensamentos moram constelações, que foi um Cometa que te engendrou essa ideia obsessiva na qual te prendes, de certo em teus sonhares não te doem as nódoas, as juntas, as queimaduras, abrigada na ambição louca de ver a vida esqueceste a simplicidade de estar, tu nunca estavas lá, era a carcaça duma pessoa que já se via noutro lugar, a pressa febril de chegar minou cada um dos teus passos de forma que ninguém te segue, ao teu lado só o abismo, o mar, o vulcão, em cada lugar um pedaço teu, em tudo te transforma em nada, não constrói o leito pra descansar, nem planta a semente do teu significado, quando perguntado não te sei nem nos mapas, nas bússolas, só meu coração ainda te aponta na sua direção e cego te sigo, te chamando nas chapadas, nas planícies, nos desertos, fraqueja minha força não alimentada de tão altruísta ambição, sigo carregado de não sei quais proventos que me impedem de sucumbir nos charcos das tuas pegadas, ao meu redor só os traços belos de sua presença se dissipando na névoa da manhã, esvaindo-se no chuvisco que apagam teus rastros e na beleza de todo lugar tento salvar a rara flor da tua existência, a prova cabal de que nós não somos dois loucos e quando a lágrima faz quebrar a pétala vítrea esqueço quem sou e vivo onde estejas!