Ecos Do Trovão

 
O dia não poderia ter começado pior, primeiro dia de abril, dia de viajar e ele acordou tarde, deveria ter acordado antes das cinco horas da manhã para averiguar calmamente se tudo que precisaria estava na mala de viagem e na pasta de couro que tanto apreciava. Tinha especial apego pela pasta, ganhara de presente no dia em que completara trinta e seis anos. Logo percebeu que haviam revirado o interior da mala e da pasta durante a madrugada enquanto dormia.

Elisabeth dormia completamente envolvida no lençol como de costume deixando a mostra lábios e narinas apenas. Ninguém mais no apartamento, Elisabeth e Mauro não tinham filhos, nenhum hóspede em casa. Elisabeth vasculhara a mala e a pasta de couro. Mauro não dispunha agora de tempo para confronto desta natureza, estava atrasado e aviões não esperam passageiros resolverem assuntos familiares. Reorganizou a bagagem rapidamente e não deu falta de nada, acabou de arrumar-se e saiu rumo ao Aeroporto Santos Dumont, mas estava preocupado com a atitude de Elisabeth.

Na primeira semana do mês embarcava no voo das sete horas com destino a Bahia de todos os Santos oficialmente a trabalho, no ponto de táxi próximo era conhecido, entrava no carro da vez e não precisava dizer destino, todo motorista sabia para onde leva-lo. No ponto da cooperativa não tinha nenhum carro, o despachante também não estava em sua cabine, estranhou o fato. Foi para a banca de jornal, o jornaleiro era seu conhecido de longa data e foi logo avisando que não tinha táxi disponível, todos estavam reunidos nas vias da cidade para fazer carreata de protesto contra o Uber, inclusive táxis de outros municípios, a cidade estava travada, todas as vias congestionadas, que o melhor seria ele voltar pra casa e adiar a viajem.

Mauro seguiu o conselho e voltou lentamente para casa. No trajeto pela Rua Do Catete constatou o que dissera seu amigo Constantino, jornaleiro, o transito parado, completamente parado, a rua parecia estacionamento. Entrou no apartamento e foi para o quarto. Elisabeth estava ausente.

Sobre seu travesseiro uma folha de papel cor de rosa, a cor da folha congelou o sangue de Mauro, com mão trêmula pegou a folha e imediatamente reconheceu a letra. A letra era de Odete, nascida criada e crescida na Cidade de São Salvador na Bahia de todos os Santos.

Mauro escutou apenas o trovão. O ecoar do tiro foi ouvido por vizinhos e por Elisabeth. O segundo trovão e seu eco apenas os vizinhos ouviram. Mauro, Elizabeth e a folha cor de rosa jaziam banhados de sangue no chão.
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 02/04/2016
Reeditado em 02/04/2016
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