Jovens namorados
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 28 de fevereiro de 2016
Eles eram jovens, havia uma diferença, ele era cinco anos mais velho que ela, que tinha apenas 14 anos. Ela morava na capital, ele chegara para estuda e trabalhar na grande cidade. Ela morava com a mãe e a avó, três gerações em ensaios de convívio.
Ele, tímido, se apresentou para alugar um quarto na casa das três mulheres. Logo foi aceito, segundo a avó, por ter cara de bom moço. Havia um problema, ele era do Nordeste do Brasil e as três descendentes de italianos, nutriam, à época, certo preconceito com o pessoal que vinha do Norte do País. Esta situação foi sanada pela necessidade de aumentar a renda da família.
Os dois ficaram amigos, iam ao cinema, ao clube, passeios pela cidade, de ônibus, para apresentar ao recém-chegado as belezas e os perigos que a selva de pedras guardava em suas entranhas. Eles se divertiam, estavam sempre juntos quando não estavam em aula – estudavam em locais diferentes, embora com o mesmo objetivo. Ele também trabalhava, então, seus passeios aconteciam sempre aos sábados, domingos e feriados.
Ela, uma garota saindo da puberdade, travava sérios conflitos com a mãe, que para aparentar mais nova, não permitia certas atitudes da garota, tais como usar batom, pintar as unhas, se maquiar etc. Suas roupas ainda eram bastante infantis, saias abaixo do joelho, quando já se usava minissaia, período de grande efervescência cultural, cuja palavra de ordem era liberdade. Algumas dessas saias quadriculadas, tipo kilt, muito recomendada para fardas colegiais. Usando quase sempre sapato Conga e meia ¾, suas atitudes eram sempre infanto-juvenis. Era assim que sua mãe gostava que ela se apresentasse. Os presentes que ele oferecia para ela, sempre causavam bate-boca entre as duas. O primeiro foi um batom, depois uma caixa de maquiagem e uma meia-calça, muito em uso naquele tempo. A meia-calça foi a que deu mais trabalho para a mãe aceitar – quem já viu uma criança de meia-calça - dizia a mãe. O rebate era sempre o mesmo: eu não sou mais uma criança, já vou fazer 15 anos!
Certo dia, sem mais nem menos, a avó pediu que ele desocupasse o quarto, pois não pretendia alugá-lo mais. Talvez por pressão dos tios dela, que não viam com bons olhos aquela menina ingênua sempre em companhia daquele homem já maduro, ele tinha apenas 19 anos e pouca experiência sobre as vivências e os prazeres deste mundo. O jeito foi ele procurar outro local para morar. Mesmo assim, os dois continuaram se encontrando e com o conhecimento da mãe. Certo dia, em um dos costumeiros passeios dominicais, de mãos dadas, descendo uma ladeira, ele arriscou um beijo na face dela. Ela saiu correndo e disse que isso não era certo, pois não eram namorados. Ele pediu desculpa e ela aceitou, voltando ao passeio de mãos dadas.
No outro dia foram ao cinema, assistir ao filme Um só pecado (La Peau Douce, que em francês significa Pele macia), que discorre o romance a partir de um encontro casual entre um escritor famoso, casado, com uma aeromoça que ele conhece durante uma viagem a Lisboa. Do filme só restou na memória dele essa sinopse, mas ele não esqueceu que as suas cenas lhe garantiram a coragem para roubar-lhe outro beijo, esse, prontamente correspondido. Saíram da sala de projeção de mãos dadas e felizes. Agora ele tinha certeza que estavam namorando, apesar de ele saber, conforme confissão dela, que havia um rapaz, que conhecera durante as férias em cidade praiana, do qual recebera proposta para namorar e promessa que iria morar na cidade dela algum dia. Ela nunca disse que voltaram a se falar por aqueles tempos.
Um namora ingênuo, sem maldade e carregado de respeito. Foram felizes por algum tempo, até quando o dito rapaz apareceu. Como fazia todos os sábados, ele se dirigiu à rua onde ela morava. De longe ele percebeu que sua namorada se aproximava de braços dado com um rapaz, tentou falar com ela, em vão, não houve resposta. Atordoado ele se sentou no meio-fio da calçada, baixou a cabeça e começou a chorar. Ficou assim até a volta do casal. Fazia muito frio, ele aguentou firme, já não mais chorava. O casal passou por ele e nem notou sua presença. Depois da despedida entre os dois ele foi até a casa dela, procurar explicação. A única dada foi que o rapaz que ela conhecera na praia, como prometera, já estava morando na cidade e veio para reatarem o namoro mal começado.
A alternativa foi voltar para casa, tentar esquecê-la e partir para outra. Algum tempo depois ele se formou e foi trabalhar em outro estado. Depois de mais de cinquenta anos, pela internet, eles voltaram a se encontrar, mas se falam muito pouco, na verdade, até agora, apenas três vezes, desde o primeiro contato, há dois anos. Na vida deles dois, nada faz relembrar aqueles passeios, aquele curto namoro. Os namorados de outrora não passam de duas pessoas com poucas coisas em comum, apenas, talvez, as lembranças da época de adolescentes.